terça-feira, 23 de outubro de 2012

Baixaria é chique, bem?: “Programa [de governo] é assim: não vale muito no Brasil. E é chique”, declarou Serra.

Baixaria é chique, bem?: “Programa [de governo] é assim: não vale muito no Brasil. E é chique”, declarou Serra.

Eleição: Como fica a cidade de São Paulo?

Por Rafael Balseiro Zin - Caros Amigos
O candidato tucano à prefeitura de São Paulo, José Serra (PSDB), lançou na noite da última segunda-feira, 15 de outubro, ainda que com bastante atraso, seu programa de governo, em evento realizado em uma sala de cinema no Conjunto Nacional, localizado na avenida Paulista. Na ocasião, Serra falou muito pouco, ou quase nada, acerca de suas propostas e intenções para a cidade, caso seja eleito prefeito. O candidato tucano e seus correligionários preferiram passar a maior parte do tempo desferindo críticas ao seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad (PT). Até porque, “programa [de governo] é assim: não vale muito no Brasil. E é chique”, conforme declarou Serra.
O petista, por sua vez, rebateu o tucano dizendo que ele “está lançando esse plano de governo de última hora porque foi muito pressionado pela própria imprensa de que ele não tinha proposta para a cidade. É até quase um desrespeito”. Em meio a ataques e subterfúgios de ambos os lados, evidencia-se a seguinte questão: e os problemas da cidade, como ficam?

Atualmente, em São Paulo, mas também em outros municípios brasileiros, são muito frequentes as queixas que apontam para o caráter excludente das formas de representação dos partidos políticos, mesmo sabendo que, em muitos casos, a ideia de representação não está definitivamente difundida no senso comum. As pessoas reclamam que seus interesses individuais, os interesses dos grupos sociais dos quais fazem parte ou com os quais têm afinidade não são devidamente representados pelos candidatos ou mesmo pelos respectivos partidos.

Essas demandas, por conseguinte, evidenciam que, numa sociedade ampla e com tantas questões complexas como a paulistana, os representantes formais acabam canalizando, em benefício próprio, a influência que os cidadãos por vezes não conseguem exercer isoladamente. A representação, contudo, acaba sendo necessária, pois a rede da vida social moderna frequentemente vincula a ação de pessoas e instituições num determinado local a processos que se dão em muitos outros locais e instituições. Nenhuma pessoa pode estar presente em todos os organismos deliberativos cujas decisões afetam sua vida, afinal, eles são numerosos e um tanto dispersos. Ainda que as expectativas de um cidadão sejam frequentemente desapontadas, ele espera que outros pensem em situações como a dele e as representem nos respectivos espaços de discussão. Daí, então, ressurge a necessidade dos partidos e de seus candidatos na atual conjuntura política do município.
Ataques no Lugar de Ideias
Ocorre que, ao invés de os concorrentes à prefeitura de São Paulo discutirem publicamente e em primeira instância as ideias e projetos para melhorias na cidade, insistem em acentuar a polarização existente entre os partidos que representam. Ao longo da campanha eleitoral, ora defendem feitos de gestões anteriores, ora despejam intenções nem sempre tangíveis, para um futuro não tão próximo. O que se constata, neste ínterim, antes de um projeto para a cidade, é uma questão de ordem político-partidária. Ou seja, vale mais o candidato que tem maior capacidade de influência, que goza de maior prestígio no eleitorado ou o que agrega maior valor à marca do partido, e não aquele que tem as melhores ideias ou soluções para o município e seus milhões de habitantes. Entre “bandidos e mocinhos”, “heróis e vilões”, infelizmente, como argumentou recentemente em seu blog a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a lógica dos fins que justificam os meios, da necessidade da governabilidade acima de tudo sob a égide de um governo de coalizão e um sistema político eleitoral obsoleto, tem esvaziado aquilo que os partidos prometem em demasia: fazer a diferença na política a partir do “novo”, radicalizando a democracia.
Ação Política


Pensando nesses termos, é possível lembrar de uma sábia lição transmitida pela filósofa alemã do século XX, Hannah Arendt, em seu pequeno ensaio intitulado Entre o passado e o futuro. Arendt compreende a esfera do político, antes de tudo, como resultado do “amor ao mundo”, da mesma forma como percebe na ação a única maneira de se fazer política neste mundo. O que Arendt chama de “amor ao mundo”, conceito no qual se funda toda sua ética da responsabilidade dos seres humanos perante o contexto social em que vivem, é justamente aquilo que movimenta ou incita o homem a tomar partido sobre os assuntos cotidianos, ou seja, seu interesse pelo mundo, seu sentimento de responsabilidade. Ao resgatar a noção de dignidade da “victa activa”, a pensadora resgata também o valor da vida enquanto presença na terra. Imputando ao homem a responsabilidade pelo mundo, ela nos convida a voltar a atenção para as pequenas coisas do dia-a-dia. Assim, as marcas deixadas pela ação de uma pessoa no mundo fazem com que ela deixe seu nome impresso na posteridade, por ter contribuído de alguma maneira para a melhoria da vida de seus cidadãos. E por causa de suas ações o homem é imortalizado pelas gerações sucessivas que reconhecem a sua importância, ou seja, o legado deixado pelas suas palavras, ações e realizações. É na afirmação do amor pelo mundo e da responsabilidade sobre ele, portanto, que se inscreve a contribuição de Hannah Arendt no pensamento político contemporâneo.
Disputa de Interesses
Sabendo disso, e voltando para o contexto das eleições municipais em São Paulo, o que se pode constatar acerca da disputa entre os partidos políticos e seus candidatos à prefeitura, antes de um debate que problematiza e sugere soluções para os desafios da cidade, é uma disputa de interesses que atende única e exclusivamente às demandas de poder dos partidos concorrentes. São Paulo precisa, em termos da administração pública municipal, de uma gestão eficiente, que conte com a participação de todos os setores. Nos termos de Hannah Arendt, São Paulo precisa de um governante que tenha amor pela cidade e responsabilidade ética sobre ela.
Nesse sentido, se faz mais que necessário aos candidatos integrar propostas, construir uma discussão ampla, transparente e democrática, estabelecendo metas para cumprimento a curto, médio e longo prazo, colocando o interesse público acima dos partidários ou de pequenos grupos. Obviamente, esse processo é árduo e leva tempo, mas não significa que seja inviável. Talvez, por isso, imaginar o futuro da cidade seja uma tarefa tão complexa quanto administrá-la no presente.

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