sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Internação compulsória e crack: ainda precisamos discutir mais

Internação compulsória e crack: ainda precisamos discutir mais

Plataforma Política SocialRodrigo Pereyra de Sousa Coelho - JB

Neste início de 2013, questões como crack e internação compulsória ganharam, mais uma vez, um macabro destaque no noticiário. No dia 03/01, o governador de São Paulo anunciou que vai aderir ao programa de internação compulsória para usuários de crack; uma semana depois (no dia 10), uma criança de 10 anos morreu tentando resistir a uma ação deste tipo na cidade do Rio de Janeiro; no dia seguinte, tanto o Prefeito paulistano quanto o Secretário Municipal de Assistência Social carioca trouxeram a público a necessidade de tratar esta questão com mais cuidado do que vem ocorrendo.
A reflexão sobre o tipo de tratamento dispensado a este público-alvo, quais tratamentos não estão sendo oferecidos e a eficácia dos mesmos deveria ser permanente, pois se trata de uma política para a qual não há protocolo consensual. Assim, longe de trazer certezas para esta página, proponho questões que ajudem a cada um reavaliar a pertinência, ou não, da opinião atual de cada leitor deste texto sobre o assunto.
O argumento que sustenta a internação compulsória é o fato de alguns dependentes estarem tão debilitados que não são capazes de perceber o quanto precisam de ajuda e assim colocam em risco a sua própria vida. Às vezes este argumento é complementado com a possibilidade destes dependentes colocarem em risco a vida de outras pessoas também. Assim, para protegê-los de si mesmos e para proteger a sociedade deles, no caso de não se aceitar uma internação voluntária, a única saída seria a compulsória. É, ainda, levantado em alguns casos que seria desumano não fazer alguma coisa nestes casos.

É verdade que o problema da dependência afeta a capacidade de julgamento das pessoas e que ele é relacionado com atitudes e contextos que são muito prejudiciais à saúde. Já os outros argumentos me parecem mais fracos.


Faltam dados para comprovar que a violência dos dependentes seria um problema mais agudo do que, por exemplo, o trânsito (126 mortes durante o período da passagem de ano para 2013) ou as mortes causadas pela polícia paulista (45 mortes nos primeiros cinco meses de 2012). Alguém saberia dizer quantas foram as mortes causadas por pessoas dependentes de drogas no ano passado (é evidente que este problema existe, o ponto é que não sabemos a sua dimensão)? Na falta desta informação, o rótulo de violentos somente serve para desumanizar ainda mais estas pessoas e facilitar a aceitação de sua internação compulsória.
Há ainda a noção de que a situação exige uma intervenção e que a inação é desumana. Este parece mais um grito de desespero do que um argumento a favor de qualquer proposta. A situação é grave e, pior, vem se agravando ao longo do tempo. Mas o voluntarismo não a resolverá. Ninguém propõe a inação, apenas não há concordância com esta proposta específica.
Contra as ações de internação compulsória, levantam-se vozes que acusam a medida de higienista e ineficiente. Seria ineficiente porque não atua sobre todos os fatores que trazem complexidade à questão da droga dependência. Após a internação, e supondo que ela traga benefícios, a pessoa volta para sua mesma rede social, para a mesma dinâmica familiar, para as mesmas perspectivas de trabalho, entre inúmeros outros aspectos que podem ser levantados. Caso não haja uma ação sobre todos estes fatores, provavelmente a medida tornar-se-ia ineficaz. Porém, mesmo havendo uma solução positiva para estas questões, ainda se mantém a dúvida sobre a validade da medida: se a taxa de recuperação dos que voluntariamente se internam não é muito alta, o que esperar de uma internação contra a vontade do “paciente”? Se a medida é ineficiente para garantir a reabilitação dos dependentes, ela é certamente muito eficiente para tirar o problema de nossas vistas – e por isso, seria higienista.
O primeiro destes argumentos é complicado: pressupõe que a questão somente será resolvida quando todos os problemas da sociedade (violência, dinâmica familiar, mercado de trabalho, moradia, etc e etc.) sejam resolvidos. Seria ótimo que estivéssemos caminhando para isto, mas não é crível esperar a melhoria geral da vida para somente então tomar providências. Porém, é o caso de questionar quais outras políticas sociais estão articuladas com a ação de internação compulsória (e poderíamos questionar também porque a internação é discutida no âmbito da assistência social e não no da saúde).


Mas o segundo ponto é bem certeiro, pois se mesmo para aqueles que desejam se livrar do vício a situação é difícil, o que dizer daqueles que ainda não chegaram a este ponto? Talvez dados e evidências mais qualificados ajudem o debate a avançar. Mas não se pode deixar passar que o Governo do Estado de São Paulo conta com pouco mais de 700 vagas para desintoxicação, num universo de 645 municípios – ou seja, aqui o problema mais imediato é garantir atendimento a todos que desejam se internar voluntariamente e precisam ficar em filas de espera.
Por fim, se não houver provas da efetividade da medida, não haverá como negar que os objetivos são de limpeza da paisagem urbana, sem maiores considerações com as pessoas. A alternativa defendida nestes casos é a ação dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que oferecem tratamento sem retirar o cidadão de sua rotina. Porém, como ocorre no debate sobre políticas públicas, as ações permanentes não costumam causar grande impacto na mídia e, assim, ficam pouco conhecidas e pouco discutidas.
Neste contexto, a decisão do Prefeito de São Paulo e do Secretário de Assistência Social do Rio de Janeiro de discutirem melhor a alternativa de internação compulsória é muito bem vinda. A discussão precisa ocorrer sem preconceito ou mistificações contra ou a favor dos dependentes. Também precisa ir além da questão da assistência social e da segurança pública (sem deixá-las de lado), incorporando as áreas de saúde, habitação, cultura, esporte, lazer, educação. E é necessário discutir ações preventivas, e não apenas tentar curar as feridas depois do mal já estabelecido.

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