sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O problema mesmo é o machismo

O problema mesmo é o machismo

 - Recordar, Repetir e Elaborar

 que as pessoas não entendem é que sempre se dá um jeito de botar a culpa na mulher. Se transou, é porque deu, então é puta; se não transou, é porque não quis dar, então é histérica. De qualquer forma, é culpada.
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Quando eu tinha 17 anos, comecei a receber e-mails me chamando de puta, de vadia e algumas vezes até me ameaçando de morte – e, em anexo, fotos de gente transando. Não era eu nas fotos e nunca ficou comprovada a identidade do remetente, mas faço uma boa ideia de quem seja: um homem com quem não transei, e que ficou xatyado com essa minha recusa.
Esses e-mails e essas fotos me assombraram por anos, e foram enviados não apenas para mim como para várias colegas de faculdade (não sei se alguma delas se lembra disso – provavelmente não). Esse é o único assunto sobre o qual, em três anos de análise, não consegui falar. Cheguei a ir a uma delegacia com meu pai para prestar queixa. Não lembro exatamente o que o delegado disse, mas foi basicamente que 1) essas coisas de internet são difíceis de resolver; 2) eu deveria escolher melhor minhas companhias.
Repare que não era eu que estava nas fotos. E ainda assim. Ainda. Assim. Eu me sentia culpada. Era uma culpa difusa, sem objeto preciso (culpada do quê? de não ter escolhido bem minhas companhias? de mexer com essas coisas de internet, que são difíceis? de não ter transado com aquele homem? de ter transado com outros homens em vez daquele? ou talvez – oh meu deus – de sequer pensar em sexo? as possibilidades eram infinitas.)
Mais de dez anos depois, leio sobre uma moça que se matou depois que fotos dela fazendo sexo foram compartilhadas sem a sua autorização.
Eu não sei nada sobre essa moça, mas posso imaginar algumas coisas.
Imagino que ela tenha ouvido que não há mesmo muito o que fazer com essas coisas que acontecem na internet.
Imagino que ela tenha recebido o sábio conselho de se relacionar com pessoas melhores.
Imagino que ela tenha sentido uma imensa e transbordante culpa.
Imagino que ela tenha se perguntado o que fez de errado – e, na dúvida, talvez ela tenha imaginado que, de errado, ela fez absolutamente tudo.
Sobretudo, imagino que ela não tenha se dado conta do seguinte:
Que a questão não é que ela transou.
A questão é que ela é uma MULHER que transou.
E, em sendo mulher, sempre haverá um exército de gente se sentindo absolutamente no direito (para não dizer no dever) de julgar a sua vida sexual.
(Note-se que, quando uma história envolve o julgamento da vida sexual de uma mulher, o autor é sempre Kafka: a condenação é sempre certa.)
Eu não sei o que fazer, de imediato e concreto, para impedir que novos suicídios como este aconteçam.
Mas talvez fosse um bom começo considerarmos algumas coisas:
O problema não é que ela transou. O problema não é que ela tirou foto enquanto transou. O problema não é que o ex-namorado é louco e/ou mau-caráter e ELA deveria ter arrumado homem melhor. Em suma, o problema não é que ela estava usando minissaia, como costumam dizer em caso de estupro.
O problema mesmo é o machismo.

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