sábado, 22 de novembro de 2014

'Não é possível dar privilégios só a homossexuais'

'Não é possível dar privilégios só a homossexuais', diz relator do Estatuto da Família


PROS

Em entrevista à BBC Brasil, o deputado diz que seu voto é "moderno" e corrige um "equívoco"do Supremo Tribunal. A seguir, ele explica por quê:
BBC Brasil - O senhor diz no parecer que o Estatuto da Família busca dar luz a um momento "tenebroso" no conceito de família. Por quê?
Ronaldo Fonseca - Por conta da interpretação que o Supremo Tribunal Federal fez do artigo 226 da Constituição Federal. O conceito de família estava claro neste artigo, que diz que a família é a base da sociedade e ela é composta pela união entre um homem e uma mulher ou qualquer dos pais e seus filhos. Mas o STF fez uma interpretação do Código Civil e criou a família homoafetiva. Isso bagunçou tudo e gerou insegurança jurídica.
Deu um direito só aos homossexuais e não às outras famílias afetivas. Por exemplo, se um irmão que cuida de outro morrer, o que fica não tem direito a pensão. Por quê? Eles não formam uma família afetiva? Não é possível dar um privilégio apenas aos homossexuais. O Estatuto é necessário para dar clareza a este conceito.
BBC Brasil - Por que casais homossexuais não podem ser considerados famílias?
Fonseca - Primeiro, não é casal, é par, né? Além disso, não há problema um casal homossexual se designar uma família, mas quando vou criar uma lei para regulamentar e detalhar a proteção especial da Constituição à família, tenho que esclarecer o que faz o Estado ter esse dever. O Estado dá proteção porque é bonzinho. O Estado não faz nada de graça para ninguém. Quando protege, é porque há uma razão – esta razão é a geração de filhos.
Dois homens ou duas mulheres não geram filhos. Pode haver uma dependência econômica ou patrimonial - e o Código Civil já tutela estes direitos. Se querem proteção patrimonial, façam um contrato. Se querem proteção na herança, há o testamento. Mas, quando falamos de direito de família para gozar de uma proteção especial, não tem por que o Estado fazer isso para dois homens ou duas mulheres que querem viver juntos só por causa da sua afetividade ou do sexo. Mas o que o Supremo fez foi criar a família afetiva e disse que isso só vale para os homossexuais.
BBC Brasil - O senhor considera isso uma discriminação?
Fonseca - Sim. Vou dar um exemplo: uma senhora em Águas Claras era viúva há 13 anos e tinha um único filho que trabalhava para cuidar dela. O menino morreu. Ela entrou com um pedido na Previdência de pensão, que foi negado. Disseram que não havia vínculos. Mas não havia a afetividade?
BBC Brasil – No parecer, o senhor sugere a inclusão de um artigo que impede a adoção de crianças por casais homossexuais. Por quê?
Fonseca – A questão tinha de ser abordada. Se digo com base na Constituição que um casal homossexual não é juridicamente uma família, como este casal poderia adotar uma criança como uma? Nem teria como colocar na certidão o nome de duas mulheres e dois homens, porque a filiação exige o nome de um pai e de uma mãe. A legislação permite a adoção por solteiros. Mas não é isso que eles querem.
BBC Brasil – Existem casais homossexuais que vivem com crianças. Se só uma destas pessoas adotar e ela vir a falecer, a outra não terá direitos sobre a criança. Isso não gera uma situação complicada?
Fonseca – Veja bem, são incidentes do mundo jurídico. Casos isolados têm de ser apreciados pela Justiça. Há testemunhas para atestar o vínculo, a proteção que houve. É possível pedir a guarda. Já aconteceu várias vezes, como com a cantora Cássia Eller. Se dois estão cuidando, acho justo que haja esse direito. Mas a lei não pode prever cada caso. Tem de ser genérica. E se de repente a pessoa que ficou não tem condição de cuidar da criança? Ela tem direito a isso só por que vivia na mesma casa?
BBC Brasil – O senhor destaca que a Constituição foi promulgada "sob a proteção de Deus"e que deve ser levada em conta a influência da religião e a vontade da maioria. O que quis dizer?
Fonseca – Estou dizendo que não é a religião que criou a família e que, portanto, meu voto não é religioso. Fiz questão de colocar isso porque as pessoas sempre querem puxar por esse lado. Mas nosso Estado é laico e não ateu. Vivemos num país de cultura judaico-cristã. Tanto que a Constituição diz que nosso arcabouço jurídico está sob a proteção de Deus. Reconhece que existe uma fé da população. Então, como o Estado não vai enxergar o que pensa a maioria? Obviamente, não somos um Talebã. Somos uma democracia, e nela vence quem tem mais força e voto.
BBC Brasil – O senhor compartilha da opinião manifestada por alguns líderes e políticos evangélicos de que a família está ameaçada?
Fonseca – Não uso essa expressão, porque sou advogado e primo pelo contraditório. A família sempre será família, com afeto ou sem. Quantos pais espancam o filho porque não amam? Mas não deixa de ser pai e filho. Família é sociologicamente e biologicamente família. É a instituição mais antiga. Surgiu antes do Estado e da religião. Mas a família está se acomodando, como fez o parágrafo 4º do artigo 226 da Constituição Federal, que prevê a família monoparental. Isso foi uma novidade.
BBC Brasil – O senhor é pastor evangélico. A sua religião teve influência no seu voto?
Fonseca – Não é influência. Tenho formação cristã desde o berço e não fujo disso. Mas não me julgo uma pessoa alienada. Estudei e me preparei. Aliás, sou crítico da religião. Acho que não é uma coisa boa para a sociedade. A religião já cometeu muitos pecados. Basta olharmos para a história para ver o quanto já prejudicou. Mas é óbvio que minha formação me orienta em todas as minhas decisões.
BBC Brasil– O senhor disse que devemos respeitar a opinião da maioria da população. Uma enquete no site da Câmara pergunta quem está de acordo com a definição de família e prevista no Estatuto. Neste momento, o voto contra tem maioria. Isso deve ser levado em conta?'
Fonseca – Se você acompanhar a votação, vai ver que durante o dia o "sim" prevalece e de noite o "não" passa à frente. É uma enquete na qual é possível votar mais de uma vez, então, é difícil orientar-se por ela. Não pode ser considerada um raio-x da população. Tenho conhecimento, por exemplo, que no movimento LGBT tem um escritório preparado para ficar na internet o tempo todo votando. No entanto, uma pesquisa feita em 2010 indicou que a maioria é contrária a este modelo de família.
BBC Brasil - A qual pesquisa o senhor se refere?
Fonseca – Não me lembro agora de qual instituto foi. Mas a maioria da população opinou assim. O que a enquete indica é que há uma mobilização em torno da questão. Mostra que a população quer uma resposta sobre o conceito de família. Quero trazer o assunto para o debate. Essas manifestações são muito salutares. A democracia é debate. Alguém perde e alguém ganha.
BBC Brasil– Uma crítica feita ao projeto é de que é homofóbico, como apontaram os deputados federais Erika Kokay e Jean Wyllys. O senhor discorda. Por quê?
Fonseca – Primeiro, temos que definir o que é homofobia no Brasil. Para militantes LGBT, como Erika Kokay e Jean Wyllys, tudo é homofobia. Eles criaram uma homofobia da homofobia. Ter opinião divergente não é. Para mim, homofobia é quando você não quer conviver com o diferente e age com violência. É o medo do novo, da diferença. Mas apontar uma diferença é parte da democracia.
Por exemplo, Kokay e Wyllys têm um projeto do qual discordo completamente. Ele autoriza uma criança a mudar de sexo e, se os pais discordarem, um juiz pode acatar a vontade da criança. Isso é loucura, mas tenho que respeitar. Não sou homofóbico por pensar diferente. Convivo com homossexuais sem problema. Tenho amigos e familiares que amo e respeito. Defendo seus direitos como cidadãos.
BBC Brasil– Qual é sua posição quanto ao projeto de lei que criminaliza a homofobia?
Fonseca – Da forma como querem, sou contra. Querem criminalizar a opinião. Se querem tipificar a homofobia, tudo bem. Mas, a meu ver, o Código Penal já prevê uma proibição da lesão corporal e injúria. Se alguém espancar um homossexual, vai ser processado. Não podemos ter preconceito contra ninguém. Isso já está na Constituição. É crime.
Mas o que não pode é dois homens estarem se beijando na boca num ambiente de família, eu dizer para eles que ali não é lugar para isso e ser considerado homofóbico. Ou eles virem pra rua fazer sexo naquelas marchas, o policial dizer que não pode fazer sexo ali e ser afastado por homofobia.
BBC Brasil – Foi por isso que o senhor apoiou uma lei que visa garantir a liberdade religiosa?
Fonseca – Temos que ter claro o que é preconceito. Se um pastor ou um padre diz na igreja que a homossexualidade é pecado, ele teria cometido um crime de homofobia de acordo com a nova lei que tentam aprovar. A Constituição protege a fé. É preciso garantir a liberdade religiosa no Brasil.
BBC Brasil – Há previsão expressa para preconceito por causa de raça, condição social ou gênero. Por que não fazer o mesmo com a orientação sexual?
Fonseca – Porque orientação sexual não é raça. Ninguém escolhe a cor da pele. Isso independe da vontade, de interesses, de influência da sociedade. Com gênero, é a mesma coisa. Mas, no meu entendimento – e a ciência até hoje não provou o contrário -, o homossexual não nasce assim.
BBC Brasil – O senhor acredita que seu parecer será aprovado?
Fonseca – Vou lutar por isso. A maioria dos deputados já conhece minha posição. Tenho que acreditar, porque acho que meu voto é moderno, de vanguarda. É um voto especial.
BBC Brasil – Há quem aponte seu voto como retrocesso, não?
Fonseca – As críticas fazem parte do processo legislativo. O Estatuto não é retrocesso. Tem como base a Constituição. Senão, vamos dizer que a Constituição é um retrocesso. Vamos mudar a Constituição, então?
BBC Brasil – E caso fosse apresentada uma mudança constitucional neste ponto?
Fonseca – Aí vamos para o debate (risos).

BBC Brasil

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