Uma banqueira dos pobres que se define como alguém que, modestamente, pretende “mudar o mundo”. Na boca de qualquer outro jovem, a autodefinição soaria rebelde ou até infantil. Na de Alessandra – apesar da figura meiga e do jeito de menina tímida – adquire um tom de segurança e uma estatura a ponto de acreditar-se que – sim – é possível. “Sou uma jovem que tem sonhos, mas, principalmente, uma vontade de contribuir para a melhoria do mundo por meio do meu trabalho. Sonhadora, mas com os pés no chão” – adianta Alessandra, com uma serenidade tão comovente quanto incomum para alguém da sua idade.
Filha de pai caminhoneiro e mãe dona de casa, Alessandra cresceu em Aparecidinha – bairro industrial da periferia de Sorocaba, interior de São Paulo. Aos 14 anos foi ‘pescada’ por um curso de informática e cidadania de uma ONG tradicional da cidade, o Projeto Pérola (veja box). “Naquele ano, o melhor aluno do curso ganharia uma bolsa de estudos para cursar o Ensino Médio numa conceituada escola particular. E nós conseguimos”, conta Alessandra, que consegue referir-se a si própria no plural sem parecer pedante.
Paralelamente aos estudos, Alessandra foi se engajando cada vez mais no Projeto Pérola: trabalhou como monitora, instrutora dos cursos, passou para o núcleo pedagógico, ajudando a elaborar conteúdos programáticos, depois mais um ano na gestão financeira até chegar à coordenação-geral, cargo no qual permaneceu durante quatro anos (2005-2009) quando, finalmente, chegou a hora de colocar em prática o sonho que ela começou a sonhar aos 16 anos.
Até Bangladesh sem sair de casa
Alessandra conta que estava no Pérola havia um ano quando caiu em seu colo o livro O Banqueiro dos Pobres, uma biografia de Yunus e sua experiência com o Grameen Bank, em Bangladesh. “Lendo aquela história parecia que eu estava lá: me imaginava caminhando pelas ruas daquela cidade. Senti imensa alegria ao ver que empréstimos tão pequenos, chamados de microcrédito, faziam tanta diferença na vida daquelas pessoas. Isso me encantou. E comecei a pensar que, apesar das diferenças, Brasil e Bangladesh têm também muitas semelhanças.”
A sensação de déjà vu vinha, na realidade, de sua própria origem: comunidade pobre, periferia de grande cidade, onde as pessoas “têm uma questão de autoestima, de não se sentirem merecedoras de entrar num banco, conseguir um crédito e crescer”. Alessandra conta que via isso dentro de casa, nos próprios pais. “Meu pai é caminhoneiro, sempre foi um empreendedor. Mas tanto ele quanto minha mãe tinham medo do banco – era um mito!” Hoje, além do ‘empreendimento’ do pai, a mãe e a irmã mais nova tocam, em casa, uma pequena confecção. “O meu processo de aprendizagem começa em casa: são 24 horas por dia estudando o comportamento do jovem empreendedor e da família. É um laboratório!”
A semente da pérola
A soma de todas essas referências, aliada ao espírito comunitário participativo – influência do pai ex-sindicalista, que “sempre gostou de política e fez com que eu me interessasse por assuntos como reforma agrária” – foram fundamentais na concepção da organização de microcrédito concebida por Alessandra, que começou a ser gestada durante a passagem dela pela direção do Projeto Pérola. “Coordenei o programa Escola de Talentos numa comunidade muito complicada de Sorocaba, com altos índices de violência e prostituição, onde buscávamos o desenvolvimento dos sonhos dos jovens. Mas tivemos muitas frustrações, porque víamos que eles tinham boas ideias, boas iniciativas empreendedoras, mas elas sempre naufragavam, justamente pela falta de dinheiro.”
O projeto em questão estava em andamento graças a um concurso da organização Artemísia (Organização internacional de apoio a negócios sociais). “Durante um ano participamos da seleção, onde avaliava-se tanto a parte comportamental quanto do plano de negócios, e saímos campeões” – lembra Alessandra , com a modéstia que lhe é peculiar.
As frustrações colhidas na Escola de Talentos serviram para reorientar o caminho. “Percebemos que o jovem tem talento e boas ideias, mas se não tiver dinheiro não consegue colocá-las em prática. E as instituições financeiras convencionais excluem esse público, porque os créditos são concedidos de acordo com o histórico da pessoa. O jovem não tem comprovação de renda, não tem histórico, não tem nada!”
Diante dessa conclusão – e do pioneirismo da iniciativa voltada a jovens urbanos – a experiência, então rebatizada como Banco Pérola, recebeu seu primeiro investimento – 110 mil reais, sendo 40 mil para empréstimos (Artemísia) e 70 mil (Projeto Pérola) para o desenvolvimento da metodologia, pagamento da equipe e o custeio das incontáveis idas e vindas às comunidades carentes, na busca pelos jovens talentos empreendedores.
No IdeiaSustentável
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