Alessandra França, 25 anos, diretora-presidente do Banco Pérola. Aparentemente, a descrição remete a uma executiva prodígio, nascida em berço de ouro, formada nos bancos de Harvard, herdeira de um império financeiro. Banqueira, sim! Prodígio, também. Mas trata-se, aqui, de uma espécie de Muhammad Yunus (economista, criador do conceito de microcrédito, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006) tupiniquim.
Uma banqueira dos pobres que se define como alguém que, modestamente, pretende “mudar o mundo”. Na boca de qualquer outro jovem, a autodefinição soaria rebelde ou até infantil. Na de Alessandra – apesar da figura meiga e do jeito de menina tímida – adquire um tom de segurança e uma estatura a ponto de acreditar-se que – sim – é possível. “Sou uma jovem que tem sonhos, mas, principalmente, uma vontade de contribuir para a melhoria do mundo por meio do meu trabalho. Sonhadora, mas com os pés no chão” – adianta Alessandra, com uma serenidade tão comovente quanto incomum para alguém da sua idade.
Filha de pai caminhoneiro e mãe dona de casa, Alessandra cresceu em Aparecidinha – bairro industrial da periferia de Sorocaba, interior de São Paulo. Aos 14 anos foi ‘pescada’ por um curso de informática e cidadania de uma ONG tradicional da cidade, o Projeto Pérola (veja box). “Naquele ano, o melhor aluno do curso ganharia uma bolsa de estudos para cursar o Ensino Médio numa conceituada escola particular. E nós conseguimos”, conta Alessandra, que consegue referir-se a si própria no plural sem parecer pedante.
Paralelamente aos estudos, Alessandra foi se engajando cada vez mais no Projeto Pérola: trabalhou como monitora, instrutora dos cursos, passou para o núcleo pedagógico, ajudando a elaborar conteúdos programáticos, depois mais um ano na gestão financeira até chegar à coordenação-geral, cargo no qual permaneceu durante quatro anos (2005-2009) quando, finalmente, chegou a hora de colocar em prática o sonho que ela começou a sonhar aos 16 anos.
Até Bangladesh sem sair de casa
Alessandra conta que estava no Pérola havia um ano quando caiu em seu colo o livro O Banqueiro dos Pobres, uma biografia de Yunus e sua experiência com o Grameen Bank, em Bangladesh. “Lendo aquela história parecia que eu estava lá: me imaginava caminhando pelas ruas daquela cidade. Senti imensa alegria ao ver que empréstimos tão pequenos, chamados de microcrédito, faziam tanta diferença na vida daquelas pessoas. Isso me encantou. E comecei a pensar que, apesar das diferenças, Brasil e Bangladesh têm também muitas semelhanças.”
A sensação de déjà vu vinha, na realidade, de sua própria origem: comunidade pobre, periferia de grande cidade, onde as pessoas “têm uma questão de autoestima, de não se sentirem merecedoras de entrar num banco, conseguir um crédito e crescer”. Alessandra conta que via isso dentro de casa, nos próprios pais. “Meu pai é caminhoneiro, sempre foi um empreendedor. Mas tanto ele quanto minha mãe tinham medo do banco – era um mito!” Hoje, além do ‘empreendimento’ do pai, a mãe e a irmã mais nova tocam, em casa, uma pequena confecção. “O meu processo de aprendizagem começa em casa: são 24 horas por dia estudando o comportamento do jovem empreendedor e da família. É um laboratório!”
A semente da pérola
A soma de todas essas referências, aliada ao espírito comunitário participativo – influência do pai ex-sindicalista, que “sempre gostou de política e fez com que eu me interessasse por assuntos como reforma agrária” – foram fundamentais na concepção da organização de microcrédito concebida por Alessandra, que começou a ser gestada durante a passagem dela pela direção do Projeto Pérola. “Coordenei o programa Escola de Talentos numa comunidade muito complicada de Sorocaba, com altos índices de violência e prostituição, onde buscávamos o desenvolvimento dos sonhos dos jovens. Mas tivemos muitas frustrações, porque víamos que eles tinham boas ideias, boas iniciativas empreendedoras, mas elas sempre naufragavam, justamente pela falta de dinheiro.”
O projeto em questão estava em andamento graças a um concurso da organização Artemísia (Organização internacional de apoio a negócios sociais). “Durante um ano participamos da seleção, onde avaliava-se tanto a parte comportamental quanto do plano de negócios, e saímos campeões” – lembra Alessandra , com a modéstia que lhe é peculiar.
As frustrações colhidas na Escola de Talentos serviram para reorientar o caminho. “Percebemos que o jovem tem talento e boas ideias, mas se não tiver dinheiro não consegue colocá-las em prática. E as instituições financeiras convencionais excluem esse público, porque os créditos são concedidos de acordo com o histórico da pessoa. O jovem não tem comprovação de renda, não tem histórico, não tem nada!”
Diante dessa conclusão – e do pioneirismo da iniciativa voltada a jovens urbanos – a experiência, então rebatizada como Banco Pérola, recebeu seu primeiro investimento – 110 mil reais, sendo 40 mil para empréstimos (Artemísia) e 70 mil (Projeto Pérola) para o desenvolvimento da metodologia, pagamento da equipe e o custeio das incontáveis idas e vindas às comunidades carentes, na busca pelos jovens talentos empreendedores.
No IdeiaSustentável
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