Um Estado laico com Bancada Evangélica
As bancadas conservadoras no Congresso Nacional nunca foram tão grandes em número e em influência quanto atualmente. A Bancada Ruralista, por exemplo, conseguiu aprovar no Senado, neste dia 6 de dezembro, o novo Código Florestal, acusado por ambientalistas de dar brechas e até mesmo incentivar o desmatamento de vegetação nativa, em prol do agronegócio (Entenda o que muda com o novo Código Florestal clicando AQUI eAQUI). Foram 59 votos a favor e 7 contra e, a partir de agora, o texto volta para a Câmara, para a apreciação das alterações feitas pelos senadores, para depois ser encaminhado para a sanção da presidenta Dilma.
Porém a bancada que mais tem conseguido projeção neste mandato talvez seja a Bancada Evangélica. Segundo dados da própria Frente Parlamentar Evangélica, nas eleições de 2010, a bancada cresceu de 46 deputados (9% do total da Casa) para 68 deputados (13,2% do total), um crescimento de mais de 50%, se comparado ao tamanho da bancada no mandato anterior. No Senado, a bancada conta atualmente com 3 representantes: Walter Pinheiro (PT-BA), Magno Malta (PR-ES) e o bispo Marcelo Crivella (PR-RJ).
Se fossem comparadas às bancadas dos partidos, a Evangélica seria a terceira maior do Congresso, atrás apenas das do PT e do PMDB, e empatada com o número de parlamentares do PSDB. A força do grupo, liderado principalmente por religiosos e representantes da Assembleia de Deus, mostrou-se já durante a campanha, quando pautaram, juntamente com os membros da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a questão da legalização do aborto na agenda dos candidatos à presidência.
A atual distribuição dos membros das bancadas por partidos é a seguinte:
A bancada evangélica tem feito o monitoramento de 368 projetos da Câmara e do Senado, a maioria referente a questões de direitos individuais, e agido não de acordo com o programa dos seus partidos, legalmente constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações religiosas a que professam.
O último caso a chamar a atenção foi o Projeto de Lei nº 1.763/2007, que prevê o pagamento de um salário mínimo durante 18 anos para mulheres vítimas de estupro, para que mantenham a gravidez e criem seus filhos. O PL criada pela bancada ainda tem outro ponto bastante polêmico: a ideia de que psicólogos de orientação cristã atendam as mulheres vítimas de estupro, na tentativa de convencê-las sobre a importância da vida e de manter a gravidez. Tudo, obviamente, pago pelo Estado. Porém o próprio Código de Ética dos profissionais de Psicologia veta a indução a “convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual”.
Desde 1940, o artigo 128 do Código Penal permite a prática do aborto em apenas dois casos: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto terapêutico), ou se a gravidez resulta de estupro e há consentimento da gestante (aborto sentimental).
A ex-Ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire, disse em entrevista ao Estadão que a proposta “é retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Nós apoiamos a liberdade de escolha da mulher”.
Na mesma reportagem, a advogada Samantha Buglione, do Instituto Antígona e das Jornadas Pelo Direito de Decidir, afirma que “Há uma dificuldade em compreender que o Estado democrático surge para assegurar a liberdade de crença da população. Há uma confusão no entendimento de alguns parlamentares entre direito e moral, entre religião e política pública.”
Outro ponto fundamental da plataforma da bancada evangélica é a questão relacionada aos direitos da comunidade LGBTT. Vários já foram os ataques da bancada. O primeiro a criar polêmica diz respeito ao Kit anti-homofobia, erroneamente chamado pela bancada de “Kit gay”. O material do Ministério da Educação seria distribuído entre escolas de ensino médio, buscando esclarecer questões a respeito da diversidade sexual e, assim, diminuir os preconceitos dentro das escolas e da sociedade. Os parlamentares da bancada evangélica, no entanto, ameaçaram não votarem mais nada até que o kit fosse recolhido e, se a presidenta Dilma aprovasse o material, iriam convocar o então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, para prestar depoimento sobre seu rápido enriquecimento. A “chantagem” deu resultado e a presidenta mandou suspender o kit, chamando-o de “inadequado”.
A bancada agiu da mesma forma frente ao Estatuto do Juventude, aprovado na Câmara no dia 05 de outubro. O texto prevê, entre outras coisas, o pagamento de meia-entrada para os estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos no transporte público e em eventos artísticos, culturais e de entretenimento em todo o território nacional (As atuais leis sobre a meia-entrada são de âmbitos estaduais e municipais). O ponto atacado pela bancada evangélica, no entanto, foi o que diz respeito ao tratamento de temas relacionados à sexualidade nos conteúdos escolares. O projeto do Estatuto da Juventude só seguiu adiante, para a apreciação do Senado, após a relatora, Manuela D’Ávilla (PCdoB – RS), acrescentar ao texto um adendo dizendo que o tema seria tratado “desde que respeitado a diversidade de valores e crenças”.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou com unanimidade a união homoafetiva estável (para saber mais do julgamento, clique AQUI) e, em outubro, o Supremo Tribunal da Justiça (STJ) aprovou o primeiro casamento homoafetivo, abrindo precedentes para a prática seja adotada em todo o país. A Frente Parlamentar Evangélica (Associação civil de natureza não-governamental, constituída no âmbito do congresso nacional, integrada por deputados federais e senadores da República), na pessoa do seu presidente, o deputado João Campos (PSDB-GO), entrou com um pedido de inclusão na legislação brasileira de um dispositivo que impeça que igrejas sejam obrigadas a celebrar cerimônias de casamento entre homossexuais. Porém, a proposta parece infundada, visto que em nenhum momento a aprovação da união estável e do casamento homoafetivos interfere nas práticas religiosas. Em entrevista ao G1, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou que “Isso é desespero para confundir a opinião publica, para jogar união publica contra o direito civil. O direito é publico, a fé é privada. Nenhum homossexual quer casar em igreja”.
Estes são apenas alguns exemplos das medidas tomadas pela bancada evangélica na tentativa de vetar alguns direitos individuais, principalmente aqueles relacionados à liberdade sexual. Além disso, ainda se trava no campo político e na sociedade em geral uma batalha referente à aprovação da PLC 122/2006, que prevê o crime de homofobia (saiba mais clicando AQUI), projeto contra o qual a bancada já criou passeatas públicas, alegando que a aprovação vai contra o direito de liberdade religiosa.
Os membros do Poder Executivo, vereadores, deputados estaduais ou federais, senadores, juízes de Direito, juízes federais, desembargadores, ministros de tribunal superior e presidente têm a obrigação que exercer suas funções de acordo com os princípios fundantes do Estado; Como a Laicidade é garantida por Constituição, os representantes do poder público deveriam agir em defesa da separação do Estado das Religiões. Porém não é isso que temos observado na prática.
Pensando nisso, a procuradora em Brasília do município de São Paulo, Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no código eleitoral que acabe com as bancadas católicas e evangélicas no Congresso Nacional. Para ela, é inconcebível que em um Estado Laico existam partidos que tragam em seu nome a palavra “Cristão”, por exemplo.
(Leia o artigo completo da procuradora Simone Andréa Coutinho clicando AQUI)
A medida pode parecer um tanto drástica, mas se formos analisar as falas dos atuais parlamentares que compõem a bancada evangélica, como o deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), que disse: “O Estado deve garantir o que pensa a maioria e acredito que a maioria dos brasileiros acredita no que Deus prega, que é o direito à vida. Não posso separar o deputado do cristão”, notamos o quanto o debate é pertinente e urgente.
A consolidação do Estado Laico – garantido na nossa Constituição, mas como vimos, bastante frágil em sua prática – não é importante apenas para a comunidade LGBTT. Sua consolidação vem favorecer os praticantes de todas as religiões ou de nenhuma delas, que têm dessa forma asseguradas a sua liberdade de crença e de descrença.
Como diz a procuradora Simone Andréa Coutinho:
“O pluralismo, por si só, é incompossível com qualquer forma de união entre o Estado e qualquer religião, pois aquele significa a tolerância e o respeito à multiplicidade de consciências, de crenças, de convicções filosóficas, existenciais, políticas e éticas, em lugar de uma sociedade em que as opções da maioria são impostas a todos, travestidas de “bem comum”, “vontade do povo”, “moral e bons costumes” e outros. (…)O Estado laico respeita e tolera, pois, a diversidade de crenças de toda sorte. Mais do que isso, atua em obediência necessária ao pluralismo de consciência, de crença, de culto ou de manifesta ausência de sentimento ou prática religiosa. Sobretudo, um Estado laico e pluralista conduz seus negócios, pratica seus atos e define o interesse público com total independência de qualquer religião, grupo ou sentimento religioso, ainda que francamente majoritário. (…)A Constituição da Republica Federativa do Brasil determina que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inc. II). A religião, assim como a tradição, a ninguém obriga.”
RevistaViés
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