Mulher tenta amamentar seu filho ao lado de centenas de cadáveres à espera de serem enterrados em uma vala comum. (Reuters) |
Africanos morrem de fome e mundo ignora
Ranulfo Bocayuva
As imagens são chocantes e revoltantes: filas enormes de mulheres com seus bebês magros e famintos em busca de alimento, enquanto soldados armados somalis as vigiam contra possíveis ataques de rebeldes. Na verdade, estas cenas concorrem nos noticiários com reuniões de líderes europeus e americanos. Só se valoriza a África quando o tema é econômico, leia-se, seus cobiçados recursos naturais.
Vamos pensar um minuto: qual é a relação imediata entre a fome e a seca que podem matar 3,7 milhões de africanos na Somália, Quênia, Sudão, Eritreia e Etiópia e a crise na Europa e Estados Unidos?
A resposta lógica é a falta de prioridade a umas das piores crises humanitárias, em mais de 50 anos na África, por causa do agravamento das situações econômicas nas regiões capitalistas mais poderosas do planeta: EUA e Europa.
A comunidade internacional mostrou mais uma vez indiferença e lentidão, apesar das urgentes situações impostas pela corrosão progressiva das bases da União Europeia com a já esperada aceleração dos déficits fiscais das frágeis economias da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, que pode inclusive provocar a expulsão de alguns destes países da ambiciosa aliança econômica e política para evitar o contágio da moeda, o euro. Simultaneamente, há preocupação crescente com os desafios do presidente Barack Obama para aumentar o teto da dívida astronômica americana da ordem de US$ 14 trilhões, que implicaria risco de calote com sérios impactos mundiais.
Estas duas crises capitalistas ofuscaram, sem dúvida, o contínuo drama africano. Desde o ano passado, os institutos meteorológicos já apontavam para a grave redução das chuvas no Nordeste da África, região normalmente seca e pobre, o que representava alerta para a provável falta de alimentos e água. Mas, segundo a ONU e a Oxfam, uma das importantes organizações humanitárias, os alertas foram ignorados.
Na medida em que a população mundial aumenta, a cada ano em 80 milhões de pessoas, totalizando hoje cerca de sete bilhões, a tendência é a falta de alimentos para nutrir a população, principalmente em regiões onde a degradação dos solos é mais intensa devido ao perigoso aquecimento global.
A Agência de Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) calcula que, deste total, cerca de 1,75 bilhão de pessoas estão ameaçadas pela degradação das terras, porque é a produção agrícola que permite sua sobrevivência.
No caso de muitos países africanos, há ainda a guerra entre grupos rivais que impede a livre circulação de grupos populacionais em busca de refúgio. Rebeldes islâmicos somalis denominados Al-Shabab, aliados da Al-Qaeda, proibiram a entrega de alimentos em seus territórios. Era o que faltava para agravar ainda mais esta tragédia.
A nova crise do capitalismo, decorrente das “bolhas” imobiliárias entre 2007 e 2009, está levando o mundo a um estado de depressão semelhante à de 1929, quando os bancos não recebiam seus créditos e a economia ia por água abaixo com desemprego e miséria. O momento é, certamente, delicado, mas não se pode arrastar os africanos para o abandono total.
O Ocidente tem obrigações históricas e culturais em relação ao continente africano, em função de seus processos de colonização que geraram partilhas artificiais, conforme áreas de interesse econômico e político.
Não se pode apenas salvar bancos, mesmo que seja importante para evitar colapso econômico e desemprego em massa. Sem apoio, a África não sobreviverá: é preciso se investir urgentemente na produção de alimentos e proteção do meio ambiente. Talvez seja esta a chance para o capitalismo se reinventar por meio da lógica de produção de bens essenciais à vida.
A Tarde On Line
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