Alana Rizzo no Correio Braziliense
Os documentos funcionais referentes à atuação do militar reformado Maurício Lopes Lima, suposto torturador da presidente, Dilma Rousseff, foram destruídos. A informação é do Ministério da Defesa e da Advocacia-Geral da União (AGU), em processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Lopes Lima e mais três militares, Innocencio Beltrão, João Thomaz e Homero Machado. Eles são réus em ação civil pública por atos de tortura cometidos durante o regime militar. A Procuradoria cobra da Justiça indenização à sociedade e às vítimas, além da cassação das aposentadorias dos quatro militares. Por isso, pediu a ficha funcional de Lima. A União, no entanto, respondeu que “vários dos possíveis documentos referentes aos acontecimentos mencionados, bem como os eventuais termos de destruição, foram destruídos”. A AGU afirmou não ter encontrado documentos relativos ao período estipulado pelos procuradores.
As respostas da União e da AGU não convenceram o MPF, para quem o Exército não forneceu as informações relativas a todos os réus, membros da chamada Operação Bandeirantes (Oban) à época da ditadura. Foram enviadas em resposta à requisição dos procuradores, anotações mínimas referentes à transferência dos militares para a reserva. “O Exército brasileiro zomba do Ministério Público e indiretamente do Poder Judiciário. Basta ler a ficha funcional de João Thomaz para se constatar que órgãos desse tipo anotam com riqueza de detalhes toda a carreira de um militar. Aliás, é da cultura das Forças Armadas o extremo cuidado com anotações e registros diversos, mormente sobre a carreira de seus integrantes,” afirma a réplica da Procuradoria da República. “O silêncio do Exército a respeito dos réus Maurício, Innocencio e Homero é eloquente. A omissão é um lamentável instrumento corporativo para auxiliar os réus em suas defesas,” destaca.
Cela do complexo onde a presidente ficou presa durante a ditadura |
Nas 51 páginas em que apresenta sua defesa, Lima contesta qualquer ato de tortura, defende a prescrição dos crimes e alega que só poderia ser processado pela Justiça Militar. Com relação à presidente Dilma, ele cita trechos de duas entrevistas da petista para dizer que nem ela mesmo o teria reconhecido como torturador. O capitão reformado insinua que a presidente mentiu no depoimento de 1970 em que o acusava.
O MPF atribui a Maurício torturas praticadas contra 16 militantes políticos. Na ação inicial é transcrito o relato de Dilma ao projeto Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo. “Pelos nomes conhece apenas a testemunha Maurício Lopes Lima, sendo que não pode considerar a testemunha como tal, visto que ele foi um dos torturadores da Oban; que, com referência às outras testemunhas nada tem a alegar; que tem, ainda, a acrescentar que, na semana passada, dois elementos da equipe chefiada pelo capitão Maurício compareceram ao presídio Tiradentes e ameaçaram a interroganda de novas sevícias, ocasião em que perguntou-lhes se estavam autorizados pelo Poder Judiciário e recebeu como resposta o seguinte: “Você vai ver o que é o juiz lá na Oban”; (...) que ainda reafirma que mesmo no Dops foi seviciada ...)”, diz um trecho do depoimento.
De acordo com Lima, ele não integrava o destacamento da Oban à época dos fatos relatados e menospreza o papel das cortes internacionais. “Qualquer que seja a decisão da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre a matéria, sua relevância será nenhuma”, desdenha. E completa: “No caso em concreto, da Lei da Anistia, por ser questão exclusivamente brasileira, ocorrida em território brasileiro, a competência da Suprema Corte é absoluta e das cortes internacionais, nenhuma.”
TorturaA ação é baseada em depoimentos colhidos por tribunais militares, além de informações mantidas em arquivos públicos e testemunhos de algumas vítimas. O MPF narra 15 episódios de tortura. Entre eles o caso de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, e sua família. Ele foi um dos autores do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969, no Rio de Janeiro. Preso poucas semanas depois do crime por agentes da Oban, morreu 12 horas depois. A polícia deteve ainda sua mulher e três dos quatro filhos. Hilda foi torturada durante dois dias e viu a filha de quatro meses ser submetida a choques elétricos.
A União afirma que reconheceu a sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos durante o período do regime militar. A AGU sustenta que o governo brasileiro promoveu medidas de reparação tanto financeiras quanto de resgate à memória. O Ministério da Defesa, por meio da assessoria de imprensa, não comentou a destruição das fichas funcionais dos militares. Já a Fazenda do Estado de São Paulo afirma que não houve responsabilidade do estado.
ObanA Operação Bandeirante (Oban) foi implementada em São Paulo com a finalidade de reunir em um único destacamento o trabalho de repressão política até então disperso por órgãos militares e policiais, estaduais ou federais durante a ditadura. Funcionou como um projeto piloto à margem das estruturas oficiais, contando com financiamento de empresários. Diante do sucesso da Oban na repressão, o modelo foi difundido pelo interior do país.
Lei da AnistiaA Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal questionando a Lei da Anistia, em vigor desde 1979. Pela legislação, os agentes que cometeram crimes durante o regime militar (1964-1985) foram anistiados. Os ministros decidiram, por sete votos a dois, não revisar a matéria. A OAB decidiu recorrer. Em resposta, a AGU considerou o pedido improcedente. O caso está nas mãos do ministro Luiz Fux. Tweet
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