Violência Doméstica – de gol e de porrada
Domingo de sol. Time em campo. Televisão ligada. Cerveja gelada. E, de repente, um gol anulado. Raiva e gritos, berros, e não falta para ninguém. Cachorro e mulher apanham juntos.
João Bosco e Aldir Blanc, fazendo a arte imitar a vida, imortalizaram essa cena nos versos de “Gol Anulado”, que Elis Regina canta tão bem: “Quando você gritou, Mengo!, no segundo gol do Zico, tirei sem pensar o cinto e bati até cansar”.
A música popular brasileira está repleta de exemplos de mulher que apanha porque o time ganha, porque o time perde, porque ela diz ama, porque ela não quer mais, porque ela quer demais. Porque ela é bonita, porque ela é feia. Porque ela chora ou ri. Não faltam sambas a dizer que a “mulher é um jogo, difícil de ganhar, e o homem como um tolo não se cansa de jogar.”
A despeito de todas as mudanças do último século XX, de movimentos feministas, do mercado de trabalho pleno de mulheres, estas, no Brasil, estão, ainda, na marca do pênalti da violência que ocorre dentro de casa, no sacrossanto lar, no qual as paredes não falam e só ouvem, mudas, os gritos de dor. Vizinho não se mete em bronca de marido e mulher e tem até delegado de Polícia que acha que mulher, no fundo, no fundo – porque será? – gosta de apanhar!
A violência doméstica faz vítimas diárias, pelo Brasil afora. Diz à estatística que são dez mulheres assassinadas por dia. A cada 24 segundos de cada dia, uma mulher brasileira está levando supapo do marido, de seu homem, do amante, do ex, do atual, do chefe do lar; porrada de graça, por graça, porque é mulher.
Faz cinco anos que o legislativo brasileiro criou uma lei, palavra por palavra, mostrando que o problema é sério e que é preciso solução. Criamos o Pacto Nacional pelo Enfrentamento a Violência Contra a Mulher e necessitamos, todos, homens e mulheres, exigir que o Estado cumpra tal pacto, incremente políticas de cuidados à família, para que homem e mulher possam realizar uma composição de respeito, de reconhecimento de que são sujeitos de direito e de deveres de afeto.
A chamada Lei Maria da Penha veio para afastar homem violento da mulher vítima, tentar estancar o gesto bruto e aliviar a dor do corpo e a dor da alma. E, com a lei posta no papel, há que fazê-la funcionar. Para isso, é preciso ter delegacia da mulher, delegada mulher para compreender o choro, ver o olho roxo, a marca mais funda. E é preciso um Poder Judiciário ferramentado para ser rápido e eficiente. Cabe ao Estado, num primeiro momento, proteger a mulher e depois, mais que punir, orientar o homem.
A família desfeita precisa de cuidados. Estão todos feridos. Um pela dor da violência na pele, outro pela dor da violência nas mãos brutas. São Paulo vai instalar e fazer funcionar, nos próximos dias duas Varas Especializadas em violência doméstica. São serviços urgentes e necessários e sabem-se já insuficientes para a imensa população que busca a justiça. É preciso mais, é preciso que setores do estado funcionem para que tudo seja mais direito que torto, mais justo que injusto, menos violento e mais pacífico.
Se houver dignidade e respeito para a criança e para o jovem, se houver um crescer amoroso dentro da família e longe da miséria, menino não vira homem violento por nada, e menina não vira mulher que vai ficar para ver onde o tapa dói. A espiral da violência começa em casa e acaba na rua. É preciso fazer cessá-la. É preciso dar uma chance para o afeto e para o amor. Senão, fica-se como na música: fim de jogo, fim de dia, o “radio está desligado, como se irradiasse o silêncio do amor terminado” e, com mágoa ressentida se aprende “que a alegria de quem está apaixonado é como a falsa euforia de um gol anulado”.
Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.
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4 comentários:
Pois é, aqui no meu Estado (Mato Grosso do Sul, capital Campo Grande), o governo do PMDB retirou de funcionamento a delegacia da mulher aos finais de semana e feriado. Um absurdo, como se nesses dias a mulher não sofre violência. Pelo contrário, é justamente nesses dias é que a mulher mais sofre violência.
Vejam a letra que pra mim é a trilha sonora da violência. Vem sendo executada a exaustão nas rádios
Carabina
Bruninho & Davi
Safada, cachorra, bandida
Dá o fora da minha vida
Antes que eu pego a Carabina
E te encha de tiro agora
Suas coisas põe na mala
Não encoste e nem me fale
To doido pra te matar muié
Acordei já era tarde e a vida passando
Meus amigos, tudo mundo sempre falando
Eu feito um bobo não pensava, não vivia,
Só te amava
Para com isso, não chore em minha frente
Não adianta, eu sei de tudo
Vê se assim me entende
Nossa Nilo, essa "coisa" é de dar nojo.Machistas é pouco, apologia a barbarie é pouco.
Acho que essa letra de música merece um post aqui no "Maria da Penha Neles". Você não acha Rosangela?
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