Rachel Duarte
Situado no coração da vida noturna de Porto Alegre, o bar Passefica é um espaço de convivência da comunidade LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis). Além de ser uma referência para este público, o local se tornou um marco da luta contra o preconceito na cidade. Há quase dois anos a proprietária, Jucele Azzolin Comis, briga para manter o bar em funcionamento.
Depois de muitas audiências e ameaças do síndico do prédio onde funciona o bar, além de notificações da Prefeitura de Porto Alegre, o Passefica hoje funciona com mesas na calçada da rua da República, no bairro Cidade Baixa. “Os clientes eram fotografados. O que incomodava parecia ser o comportamento deles, por serem homossexuais. As autuações da Smic (Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Serviço) eram feitas especialmente aqui, sem ter uma fiscalização em todos os bares”, conta Jucele. A aparente perseguição ao Passefica tornou o bar um símbolo de como os espaços destinados ao público LGBT ainda precisam enfrentar o preconceito da sociedade.
“Tive reclamação por ter aberto o bar em dia de jogo, no meio da tarde. Outra queixa foi por um último cliente estar terminando seu consumo e exceder o horário permitido para as mesas na calçada. Fica claro que é uma reação homofóbica”, relata a proprietária, que luta contra o preconceito desde que se assumiu lésbica.
O Passefica é um dos poucos bares para o público LGBT em Porto Alegre. “Os lugares segmentados acabam sendo a possibilidade dos homossexuais conviverem com a garantia de que não serão provocados, agredidos ou discriminados por sua opção sexual”, avalia o coordenador de Diversidade Sexual do governo gaúcho, Fábulo Nascimento. A partir deste mês, o governo começa a identificar os estabelecimentos que não discriminam homossexuais. “Eles terão um selo dizendo ‘este local é livre de discriminação’”, diz Fábulo.
Bons consumidores, bares despreparados
O público LGBT é considerado bom consumidor, mas ainda não encontra espaços preparados. Segundo dados da Embratur, o turismo destinado a este segmento cresce 20% ao ano no Brasil, o que já produz impacto de 30% a mais no lucro dos estabelecimentos que atendem os LGBTs. Por outro lado, não são todos que sabem atender de forma respeitosa estes clientes e muitos, acabam sendo respeitados apenas pelo poder aquisitivo. “Os que frequentam lugares mais caros têm o mesmo tratamento, já em lugares medianos, há olhares e julgamentos velados”, afirma Fábulo Nascimento.
Se bares voltados para o público LGBT já sofrem preconceito, como é o caso do Passefica, para os homossexuais são comuns casos de constrangimentos em estabelecimentos. Frequentadoras do Passefica, Carla Amora, 27 anos, e Jaqueline da Cruz, 29, estão juntas há cinco anos e contam que evitam outros bares para não se exporem. Outra restrição combinada entre elas é controlar afetos e intimidades em público. “Eu sei que se eu estiver de mãos dadas com ela eu vou ouvir piadas na rua ou serei discriminada, então eu não ando assim”, diz Jaqueline.
Segundo elas, os maiores ataques acontecem quando há troca de afeto. “Mas não achamos legal mesmo com casais heteros esta falta de respeito”, fala Jaqueline. Já a companheira Carla questiona o que seria falta de respeito. “Não posso demonstrar meu amor em público porque vou incomodar as pessoas?”, indaga.
Em restaurantes, shoppings ou outros estabelecimentos comerciais diurnos, o tratamento com elas é normal, o que já é diferente no testemunhado com amigos gays. “Eles sofrem muito mais. As mulheres ainda são vistas com machismo. Aquela ideia de que duas mulheres é até estimulante”, dizem.
Ativista critica visão mercantilista
Para o presidente do grupo Nuances, Célio Golin, o comércio começou a se adequar com o público LGBT em razão da Parada Gay de São Paulo. Apesar de aquecer a economia, com gastos de salão de beleza, restaurantes, hotéis, etc, associar a imagem dos homossexuais à uma visão mercantilista é criticada pelo ativista. “As pessoas não podem ser vistas pelo bolso ou pela estética. Fazem uma associação ao ‘gay classe média’ que pode sair porque não tem família e gasta mais na noite. Mas a realidade brasileira não é essa. Os gays estão nas periferias e são discriminados como qualquer outro pobre”, afirma Golin.
A proprietária do Passefica defende que, além de políticas pontuais como a identificação dos estabelecimentos e a preparação dos atendentes, é preciso que o Brasil avance na criminalização da homofobia. “Eu só consegui ser atendida na Delegacia da Mulher. Os processos que eu movi tiveram que ser na ordem do assédio moral, pois aqui a homofobia não crime”, critica, pedindo aprovação do PL 122 em tramitação no Congresso Nacional.
O presidente do grupo Nuances, Célio Golin faz um apelo aos próprios homossexuais para lutarem pelos seus direitos, mudando sua própria conduta. “Muitos gays mudam seu comportamento ou se restringem para estar em determinados ambientes. Mas é preciso que os gays se assumam e não fiquem reféns do jogo de comportamento dito ‘normal’”, alerta.
Vi no Sul21
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