sábado, 13 de agosto de 2011

E se fosse no Rio? Em Londres ninguém se atreve a contestar sua capacidade de organizar a Olimpíada

E se fosse no Rio? Em Londres ninguém se atreve a contestar sua capacidade  de organizar a Olimpíada


A menos de um ano do início da Olimpíada, Londres vive uma onda de violência sem precedentes, com saques, mortes e incêndios. Mas ninguém se atreve a contestar sua capacidade de organizar os jogos

Mariana Queiroz Barboza
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CAOS
Para controlar a onda de violência que provocou a destruição de prédios
inteiros e saques a dezenas de lojas, Londres foi ocupada por 16 mil policiais
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E se o bairro de Totteham ficasse ali, do lado do Grajaú, entre a Tijuca e o Méier? E se o London Olympic Stadium estivesse instalado a poucos quilômetros da favela de Manguinhos, agora célebre pelos papelotes de cocaína embalados com uma foto da finada Amy Winehouse? E se a Olimpíada do Rio de Janeiro começasse em menos de um ano? Certamente, o mundo inteiro estaria agora questionando a capacidade de a capital carioca sediar os Jogos Olímpicos. Foi isso, afinal, que aconteceu quando o Comitê Olímpico Internacional, o COI, anunciou em setembro de 2009 que escolhera o Rio como sede do maior evento esportivo do mundo em detrimento de Chicago e Madri. Mas Totteham, o epicentro da maior onda de violência da história recente britânica, fica em Londres, distante apenas oito quilômetros do suntuoso Estádio Olímpico, que no dia 27 de julho será o palco da cerimônia de abertura da Olimpíada de 2012. E assim ninguém duvidou da capacidade do governo britânico em garantir a segurança dos milhares de atletas e turistas que estarão em Londres no ano que vem. “É difícil mensurar a repercussão internacional se cenas como as de Londres ocorressem no Rio. Mas é certo que elas seriam muito diferentes”, diz o professor Giorgio Romano Schutte, do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP (Gacint).

Profundamente diferentes também são as fissuras sociais londrinas e cariocas. A onda de violência atual tem intrigado tanto os ingleses porque, pela primeira vez, os autores dos tumultos não podem ser enquadrados em um perfil étnico definido. Mesmo com a gênese da violência ligada ao assassinato de um jovem negro pela polícia, desta vez, brancos, negros, asiáticos, eslavos e latinos envolveram-se nos saques e nos atos de vandalismo com a mesma intensidade. Nos bairros londrinos e nas diversas cidades onde a violência explodiu, o único ponto comum entre os envolvidos são a idade e a condição social, algo raro no histórico de convulsões sociais não só da Inglaterra, mas da Europa Ocidental como um todo. Agora, quase todos os envolvidos eram jovens, com idades variando entre os impressionantes 11 anos e 24 anos, e moradores de bairros periféricos, onde o Estado se mantém omisso há muitos anos.

Mas ao contrário do que acontece na violência carioca, intimamente ligada a organizações criminosas, os envolvidos nos distúrbios ingleses não estavam ligados a nada nem a ninguém. Até a sexta-feira 12, a polícia do Reino Unido já tinha prendido 1,6 mil pessoas em todo o país e após centenas de horas de interrogatórios chegou a uma conclusão simplória: todos os detidos são simplesmente criminosos, que precisam pagar por seus delitos. À mesma conclusão chegou o primeiro-ministro inglês, David Cameron, que, muito a contragosto, interrompeu suas férias na etílica Toscana para voltar ao país. “Isso é criminalidade pura e simples, que tem de ser confrontada e derrotada”, afirmou na quinta-feira 11, quando o Parlamento britânico, que está em recesso de verão, realizou uma sessão extraordinária. Num discurso que nos trópicos soaria ditatorial e fora de lugar, David Cameron disse que as autoridades considerarão convocar o Exército (medida sempre contestada no Brasil), instaurar toques de recolher e restringir o acesso a smartphones e redes sociais (leia quadro) quando constatarem que as pessoas estão “conspirando” violência, desordem e criminalidade. “Isso não é sobre pobreza, é sobre cultura. Uma cultura que glorifica a violência, desrespeita autoridades e diz tudo sobre direitos, mas nada sobre responsabilidades”, afirmou. Com o reforço do policiamento – só em Londres, o número de guardas saltou de seis mil para 16 mil na madrugada da quarta-feira 10 –, as cenas de violência diminuíram, mas ainda desafiam o controle das autoridades por não seguirem padrões racionais. Nathan Sinden, 27 anos, é um exemplo da situação anárquica que se instaurou no país. Ele foi indiciado por publicar mensagens no Facebook como “Vamos começar um tumulto em Hastings. Quem topa?” e “Hoje é dia de saque. Quem está a fim de fazer umas compras?”.
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PRECEDENTES
Tensões raciais fora de controle nos Estados Unidos na década de 60 (acima)
e em Paris em 2007 (abaixo) ecoaram nos incidentes de Londres
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A mensagem publicada por Sinden mostra quão anárquico parece ser o movimento britânico. Sua gênese, no entanto, está ligada a um protesto contra a violência policial, tão comum nos bairros periféricos das grandes cidades inglesas. Na quinta-feira 4, Mark Duggan, um suposto traficante de drogas, negro, de Totteham, foi assassinado pela polícia de forma suspeita. Seus parentes acusaram a Scotland Yard de execução e, junto com cerca de 300 amigos e conhecidos de Duggan, realizaram uma manifestação no sábado 6. O que era um protesto se transformou em uma onda sem controle de violência que se espalhou por diversos bairros da capital inglesa e pelas principais cidades do país. Nos dias que se seguiram, os tumultos estavam concentrados em saques e depredações, sem um inimigo comum. Mas, nos últimos dias da semana, a fúria juvenil começou a inflamar as persistentes e sempre perigosas tensões raciais presentes em toda a Europa Ocidental.

Os primeiros sinais de alerta vieram com o surgimento de milícias em alguns bairros da periferia de Londres. Contrários aos distúrbios, grupos de jovens ingleses, em geral brancos, passaram a vigiar as ruas para evitar saques e depredações. Em quase todas elas, os líderes fazem parte de grupos de extrema-direita, como o English Defense League, organização com a qual o assassino norueguês Anders Behring afirmou manter contato. Em entrevista a uma agência de notícias, seu líder, Stephen Lennon, declarou que seu grupo pretendia ocupar o papel que não foi cumprido pela polícia e ajudar a acabar com os distúrbios. Poucos dias depois, um homem negro atropelou propositalmente três jovens da comunidade muçulmana de Birmingham que tentavam proteger o negócio de suas famílias contra os saques, ampliando ainda mais as tensões raciais na cidade.

Os casos de ataque racial ainda não podem ser considerados como um novo patamar na onda de violência inglesa. Mas demonstram claramente que, se o governo da Inglaterra não tomar medidas eficazes nem começar a olhar com mais atenção para as periferias britânicas, o problema pode fugir do controle. O caos vivido por Paris em 2005 e 2007 e a violência indiscriminada nos conflitos raciais dos Estados Unidos dos anos 60 mostram como um simples caso isolado pode ganhar contornos de tragédia com uma rapidez incrível.  
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 Na IstoÉ
 

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