domingo, 14 de agosto de 2011

A maluquice do leite que sai da gente

A maluquice do leite que sai da gente



Das coisas loucas da maternidade na vida das mulheres civilizadas, e não são poucas, a mais maluca é em relação ao leite que sai de nossos peitos.
Até nascer o primeiro filho sentimos o peito como se fosse uma bundinha sem qualquer furo, a bundinha perfeita, sempre limpinha, que não solta pum nem faz xixi, mas encanta os homens. Já nos primeiros sinais de nascimento dos peitos começam as piadas e nos sentimos mais mulheres no sentido sexualizado da coisa.
Nenhuma adolescente pensa que aqueles volumes ali um dia serão reservatórios de leite, mamadeiras vivas que excretarão o precioso líquido cheio de hormônios humanos, vitaminas, proteínas na medida exata e que por meio deles os bebês terão atenuadas as fantasias de separação, simbiose e diabo a quatro. Ui que idéia, isso nunca passou pela cabeça de ninguém civilizado. Muito menos que maternidade e prazer são farinhas do mesmo sexo.
A primeira providência é comprar um sutiã, de preferência lindo, caro e que ajeite o volume de acordo com a moda. Já houve moda para tudo em matéria de peito certo. Peito já foi mais sexy bicudo e grande, bicudo e pequeno, sem bico e arredondado, minúsculo, enorme. No momento a onda é siliconado. Ah, registre-se que peito velho e caído nunca esteve entre os preferidos. Os em formato de pêra sempre foram discriminados.
Até que de repente, depois de muito prazer, ah sim eles dão prazer para nós também, não só para os homens, descobrimos no pós-parto a utilidade fisiológica dos peitos. Que confusão é para a mulher civilizada descobrir essa nova utilidade dos peitos. Como pode um bebezinho de boquinha tão minúscula abocanhar sem a menor delicadeza nossos peitos que só serviam para o amor sexual? E existe amor não sexual? Estariam os peitos destituídos de sexualidade durante a amamentação? Podemos curtir prazer com o parceiro na fase em que os peitos estão cheios de leite? Por que separamos tudo em saquinhos cartesianos?
E sai leite mesmo? Será? E se não der certo?Sai quanto? Sai quando? Por que não desce logo?
Olha só, não é só um buraquinho central, são vários!
Pronto, na primeira semana surgem as fissuras. O bebê puxa, nós travamos, retesamos. Tenta-se imitar a moça da foto, tão cândida amamentando, mas na prática é coisa de bicho, se bobear amamentar é coisa mais bicho do mato do que parir. Segurando empedra, soltando vaza, deprimindo, deprime-se a nova relação.
O mercado já tratou de produzir um bico de silicone que fica entre o mamilo da mãe e a boca ousada do bebê, bicho maluquete nada cultural. Ele puxa com uma força incalculável o suco de mãe. Desesperado ele nesse gesto busca, além de lutar pela sobrevivência, resgatar algo de vital da simbiose que vivia com ela na barriga.
Mas a mulher civilizada fica pasmada diante desse vigor e sofre, geme, pede ajuda externa, espreme, verifica, chama o marido e marca consulta no pediatra para arranjar uma solução e conseguir um atestado para usar a mamadeira. Ela duvida, duvida ser capaz de aleitar. Sequer sabia que bebês choravam tanto! Tão diferentes das bonecas da infância, necessitam tamanha quantidade de presença, presença de peito. Ela até que tenta, mas para algumas vencer a fase do colostro já vira delírio e iniciam a complementação com os leites artificiais antes mesmo de o bebê chegar aos 15 dias de vida.
O precioso líquido sai conforme a demanda. Quanto mais o bebê mama, mais a mulher produz leite. Isso está comprovadíssimo e é assim entre todos os mamíferos, mas quem vence a cabeça complicada de uma mulher civilizada?
Sobrou? Faltou? Quanto ficou? E se chorou depois de mamar? E se brigou com o peito, esfregou o rostinho, irritou-se? E se não dorme? E se vomita? E se acorda à noite? E se dorme demais? E o peso? E se pesar de menos? Tudo leva a mulher a acreditar que não tem leite suficiente, que seu leite é ralo, raro, insuficiente, uma mala leche.
E que mal tem dar uma mamadeira se isso acalma a necessidade que o bebê tem de resgatar seu eu simbiótico com a mãe e em contrapartida liberta a mulher adulta daquela agonia de reviver aqui fora parte do que viveu na gestação?
Ah pois é, aí é que está. O bebê na barriga não chora, não fica todo dia olhando na cara da gente e dizendo: sou seu; você agora vai ter que me carregar pendurado por longos dois anos e depois ainda ficarei no seu pé dizendo me leva, me beija, me brinca, me lava, me trata, me cuida, me educa.
Mas o que pega mesmo é esse início, o do me deixa grudar em você, me deixa te chupar, tirar teu suco até o fim. Incentivadas por uma cultura que defende os problemas de amamentação criados pelo sistema tecnocrático que envolve a chegada de um bebê na vida da família, nós mulheres, em vez de receber, nos distanciamos do que poderia ser simples e prazeroso. Acabamos convencidas que somos defeituosas, que nossos corpos não funcionam, algo bem machista.
A mulher civilizada, por seu histórico no mercado, sente-se literalmente sugada pelo bebê, está longe de entender os sentimentos de uma gata mansa, que fica lá horas amamentando e só sai para dar uma esticada, alimentar-se, beber uma água e voltar para a prole, está longe de compreender seus próprios sentimentos, suas dores de simbiose e separação. Ela quer resposta para cada choro, cada pum, cada vômito. Nada parece natural e fisiologicamente administrável diante de tantos artifícios culturais que criamos para colocar entre nós e nossos bebês.
Já nasce o filho queremos cortar o mal (ou seria o bem?) pela raiz.
Cláudia Rodrigues, jornalista, terapeuta reichiana, autora de Bebês de Mamães mais que Perfeitas, 2008. Centauro Editora. Blog: Buena Leche

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