terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mulheres desrespeitadas



Mulheres desrespeitadas
O assassinato da juíza Patrícia não pode passar em vão e, em pouco tempo, sair da pauta dos grandes jornais e cair no esquecimento


Dora Martins*

Mulheres no mercado de trabalho, com remuneração justa e direitos iguais aos homens significam, ainda, no Brasil, plataforma de luta. Mesmo assim, elas estão em todos os cantos. Dominantes no trabalho doméstico, já ocupam canteiros de obras, pilotam aviões, e estão em postos diretivos de empresas e na vida pública e político administrativa do país.
Com a eleição da primeira presidenta mulher no Brasil, respirou-se com mais força a sensação de legitimidade da mulher e seu espaço público. Porém, ai, porém! A vida é exigente com todos e um tanto mais com a mulheres, que ainda cumprem duplas jornadas, muitas são pai e mãe ao mesmo tempo, outras engravidam e abortam e sofrem com inúmeras formas de preconceito. O corpo feminino ainda, de quando em quando, é palco de culpas e castigos.
Dias atrás, a Juíza de Direito Patrícia Acioli, do Rio de Janeiro, foi executada, com ferocidade, quando chegava em sua casa, após seu dia de trabalho. Juíza que atuava em processos de réus ligados ao crime (muito bem) organizado e fardado estava, e todos sabiam, exposta a riscos iminentes de morte.  Foram dezenas de tiros, alvo determinado, para se ter a certeza do trabalho bem executado.  A mulher, a juíza, nem fora velada e enterrada e o “diz-que-diz-que” começou.
Jornalistas homens, escorregando no velho e inescondível ranço machista, não deixaram por menos - a juíza foi executada, “mas, sempre o mas,” ela convivera com um, mas namorava com outro, apanhara de um, mas estava envolvida com outro - e, ainda por cima, era muito durona com os réus! Esse nada sutil modo de culpabilizar a vitima, foi abraçado por algumas vozes (masculinas) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, a "lá Pilatos" tentaram lavar as mãos asseverando que a juíza dispensou segurança ofertada a ela e não quis mudar seu posto de trabalho para um local de trabalho "mais leve" e, pois, assim fazendo, deve ter dado causa ao seu assassinato!
O Brasil vem melhorando nos cuidados com seus cidadãos. Tenta-se diminuir a pobreza, põem-se políticas públicas a andar, investigam-se e desvendam-se, aos pouquinhos, e a cada dia, falcatruas nos meandros do poder político. Mas, há muito ainda que percorrer.
O assassinato da juíza Patrícia não pode passar em vão e, em pouco tempo, sair da pauta dos grandes jornais e cair no esquecimento.  E, homens que ocupam a vida pública e republicana, que têm voz na imprensa escrita e falada, precisam reavaliar os princípios pelos quais pautam suas condutas profissionais.  Senão vamos assistir pateticamente a nada sutil avaliação e julgamento de mulheres não por sua atuação profissional e humana, senão por aspectos de sua vida privada e íntima, ou por sua imagem física e aparência.
A somar-se aos infelizes e pobremente machistas comentários sobre a juíza Patrícia, cabe lembrar que há poucos dias um ministro de estado foi defenestrado de seu cargo, dentre outras coisas, por fazer comentários desairosos a uma colega sua, mulher e também ministra de estado, chamando-a de “muito fraquinha”. Sem perder a oportunidade para um trocadilho infeliz, e mostrando a cara e o pintado bigode de um Brasil machista, um velho e antigo ocupante do senado federal, de maneira abjeta, contradisse o ex-fardado ministro e considerou a senhora ministra até que “bem gordinha".
Triste papel de homens que ocupam posições de poder e não se fazem de rogados quando buscam votos e prometem seriedade e lisura no trato do bem público e de seu povo. A Ministra em questão e a Juíza Patrícia foram ofendidas em sua dignidade, a última mesmo depois de ter sido covardemente assassinada. Merecem elas todo o respeito e a indignação dos que ainda desejam um país mais justo e menos enraizado num machismo encarquilhado, mas ainda perverso.

Dora Martins é integrante da Associação Juízes para a Democracia.


No Brasil de fato

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