Lula recebe título de Doutor "Honoris Causa" em Paris. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula |
Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva
Doutor Honoris Causa – Sciences Po
Paris, França
27 de setembro de 2011
Minhas amigas e meus amigos,
É uma grande honra, para mim, receber o título de Doutor Honoris Causa do
Instituto de Ciências Políticas de Paris. Honra que se torna ainda maior por eu
ser o primeiro latino-americano a recebê-lo.
Estou profundamente grato à direção da Sciences Po e a todos os seus
professores, funcionários e alunos por me conferirem uma láurea tão
prestigiosa.
Esta casa, a um só tempo humanística e científica, é reconhecida e admirada
no mundo todo por seus elevados propósitos e pela excelência do seu corpo
docente e discente.
É uma instituição que representa de modo exemplar o compromisso da França
com a liberdade intelectual, a dignidade da política e o aperfeiçoamento
permanente da democracia.
Representa essa França consciente de suas conquistas materiais e espirituais,
ciosa de seus valores civilizatórios, mas nem por isso menos aberta a povos e
mentalidades diferentes, à compreensão do outro.
Essa França insubmissa e libertária que, durante séculos, inspirou – e
continua, de alguma forma, inspirando – a trajetória de muitos países, entre
eles o Brasil.
Essa França que, desde o século 18 até os dias atuais, é tão relevante para o
Brasil, seja no terreno das ideias políticas e sociais, seja na esfera da
educação e da cultura, seja no que se refere às parcerias produtivas e
tecnológicas.
Minhas amigas e meus amigos,
Mais do que um reconhecimento pessoal, acredito que este título de Doutor
Honoris Causa é uma homenagem ao povo brasileiro, que nos últimos anos
vem realizando, de modo pacífico e democrático, uma verdadeira revolução
econômica e social, dando um enorme salto histórico rumo à prosperidade e à
justiça.Depois de prolongada estagnação, o Brasil voltou a crescer de modo vigoroso
e continuado, gerando empregos, distribuindo renda e promovendo inclusão
social.
Deixamos para trás um passado de frustrações e ceticismo. Os brasileiros e as
brasileiras voltaram a acreditar em si mesmos e na sua capacidade de resolver
problemas e superar obstáculos, por mais difíceis que sejam.
Graças a um novo projeto de desenvolvimento nacional, com forte
envolvimento da sociedade e intensa participação popular, conseguimos tirar
28 milhões de pessoas da miséria e levamos 39 milhões de pessoas para a
classe média, no maior processo de mobilidade social da nossa história.
Em oito anos e meio foram criados 16 milhões de novos empregos formais. O
salário mínimo teve um aumento real de 62%, e todas as categorias de
trabalhadores fizeram acordos salariais com ganhos acima da inflação.
Além disso, implantamos vários programas de transferência direta de renda,
dos quais se destaca o Bolsa Família, que é o principal instrumento do Fome
Zero e, no final do ano passado, beneficiava 52 milhões de pessoas.
Dessa forma, a desigualdade entre os brasileiros atingiu o menor patamar em
50 anos. Nos últimos dez anos, a renda per capita dos 10% mais ricos
aumentou 10%, enquanto a dos 50% brasileiros mais pobres teve um ganho
real de 68%.
O consumo se ampliou em todas as classes, mas no segmento popular
cresceu sete vezes.
Os pobres passaram a ser tratados como cidadãos. Governamos para todos os
brasileiros e não apenas para um terço da população, como habitualmente
acontecia.
Acreditamos firmemente que o desenvolvimento econômico precisa estar a
serviço da redução das desigualdades sociais, sem paternalismo, promovendo
a inclusão das pessoas mais pobres à plena cidadania.
Acreditamos, igualmente, que isso pode, deve e será feito sem que se
descuide do equilíbrio macroeconômico, combatendo com firmeza a inflação.
Minhas amigas e meus amigos,
Ao mesmo tempo que resgatávamos grande parte de nossa dívida social,
trabalhamos para modernizar o país, preparando-o para os desafios produtivos
e tecnológicos do século 21.
Investimos fortemente em educação, pesquisa e desenvolvimento.Orgulho-me de ter criado 14 novas universidades federais e 126 extensões
universitárias, democratizando e interiorizando o acesso ao ensino público.
Também lançamos o Reuni, um programa para fortalecer o ensino público
universitário, com a valorização dos docentes.
Ele contribuiu para que dobrássemos o número de matrículas nas instituições
federais.
Mas não ficamos restritos a isso e instituímos o Prouni, um sistema inovador de
bolsas de estudo em universidades particulares. Com ele, garantimos que 912
mil jovens de baixa renda pudessem cursar o ensino superior.
E a oportunidade não foi desperdiçada: os jovens com bolsas do Prouni têm-se
destacado em todas as áreas, liderando em muitos casos os exames nacionais
de avaliação feitos pelo Ministério da Educação. Ou seja, bastou uma chance e
a juventude brasileira deu firme resposta ao mito elitista segundo o qual a
qualidade é incompatível com a ampliação das oportunidades.
Também me orgulho muito de termos inaugurado 214 novas escolas técnicas
federais, que criaram possibilidades inéditas de formação profissional para a
juventude.
A boa qualidade do ensino na rede de escolas técnicas federais também abre
as portas para as universidades, mesmo para quem trabalha durante o dia
inteiro, porque durante o meu governo aumentamos o número de vagas nos
cursos universitários noturnos.
Esses jovens têm que continuar sonhando, têm que lutar para conquistar o
doutoramento, para trabalhar nos diversos centros de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico que existem no Brasil.
Deixamos de considerar a educação como um gasto para tratá-la como
investimento que muda a vida das pessoas e do país. Por isso, em meus dois
mandatos, triplicamos o orçamento do Ministério da Educação, que saltou de
17 bilhões de reais para 65 bilhões de reais em 2010.
Essas mudanças eram imprescindíveis, pois a garantia de acesso à educação
de qualidade, da pré-escola aos cursos de pós-graduação, é um dos principais
instrumentos para promover a igualdade social, combater a pobreza e
assegurar um desenvolvimento econômico, científico e tecnológico sustentável
em longo prazo.
A educação foi colocada como prioridade estratégica para o país. O
investimento público direto em educação passou de 3,9% do Produto Interno
Bruto em 2000 para 5% em 2009. E, agora, a presidenta Dilma Rousseff assumiu o compromisso de ampliar o
investimento em educação progressivamente até atingir 7% do Produto Interno
Bruto.
Minhas amigas e meus amigos,
O Brasil já tem muito a mostrar no segmento de pesquisa e desenvolvimento. A
Lei da Inovação, aprovada em dezembro de 2004, incentivou as universidades
a compartilhar seus projetos de pesquisa e desenvolvimento com as empresas
públicas e privadas, para alavancar a inovação tecnológica no ambiente
produtivo.
O número de cientistas envolvidos em pesquisa e desenvolvimento passou de
126 mil em 2000 para 211 mil em 2008. E o número de patentes depositadas
no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) cresceu de 21 mil em
2000 para 280 mil em 2009.
Além disso, o governo federal destinou 41 bilhões de reais ao setor de
pesquisa e inovação no período de 2007 a 2010, através do Programa de
Aceleração do Crescimento.
Minhas amigas e meus amigos,
Uma das preocupações do meu governo – e que continua a ser um firme
compromisso da presidenta Dilma – foi garantir que o crescimento econômico e
os investimentos estruturantes fossem sustentáveis do ponto de vista
ambiental.
Nos últimos anos, o Brasil superou a falsa contradição que opunha o
desenvolvimento à sustentabilidade ambiental. Nesse período, a taxa de
desmatamento caiu 75%.
Em nosso governo, fixamos como meta reduzir as emissões de CO2 entre 36%
e 39% até 2020. Esse compromisso foi incorporado à Política Nacional de
Mudanças Climáticas, apresentada em Copenhague, em dezembro de 2009, e
posteriormente transformada em lei pelo Congresso Nacional.
O Brasil é uma referência no enfrentamento dos desafios ambientais do século
21, pois é responsável por 74% das unidades de conservação criadas no
mundo desde 2003. Também alcançamos recentemente o menor nível de
desmatamento dos últimos 22 anos.
Minhas amigas e meus amigos,Os avanços que conquistamos nos últimos anos foram possíveis porque
praticamos intensamente a democracia. Não nos limitamos a respeitá-la – o
que é um dever –, mas levamos suas possibilidades ao limite, promovendo um
amplo processo de participação social na definição das políticas públicas.
Estabelecemos uma nova relação do Estado com a sociedade, na qual todos
os setores sociais foram ouvidos, mobilizados, e puderam discutir não somente
com o governo, mas também entre eles próprios.
Multiplicaram-se os canais de interlocução da sociedade com o Estado, o que
contribuiu de modo decisivo para que crescimento econômico e
desenvolvimento social caminhassem juntos.
Para tanto, realizamos 74 conferências nacionais entre 2003 e 2010,
precedidas por reuniões em níveis municipal e estadual , que contaram com a
presença de cerca de 5 milhões de pessoas.
Discutimos e aprofundamos nessas conferências temas importantes: do meio
ambiente à segurança pública; dos transportes à diversidade sexual; dos
direitos dos indígenas às políticas de telecomunicações; da igualdade racial à
política nacional de saúde , dentre muitos outros.
Conselhos de políticas públicas, com ampla representação popular, foram
criados junto a todos os ministérios.
Em outras palavras, apostamos decididamente na política. Porque sempre
acreditamos na força da política como promotora da emancipação individual e
coletiva.
A participação política é o melhor antídoto contra a alienação e as tentações
autoritárias.
Eu próprio sou produto da política. A luta sindical me deu a convicção de que
era necessário incorporar os trabalhadores às decisões políticas.
Foi por isso que, em 1980, criamos o Partido dos Trabalhadores, que em
menos de 20 anos tornou-se o maior partido de esquerda da América Latina e
chegou à Presidência da República. Também construímos a maior a central
sindical da América Latina, a Confederação Única dos Trabalhadores.
Tenho a plena convicção de que os problemas da sociedade só podem ser
resolvidos com mais democracia e mais envolvimento da sociedade no
exercício do poder.
Minhas amigas e meus amigos,O Brasil não está sozinho nessa trajetória virtuosa, que reuniu democracia,
desenvolvimento econômico e justiça social.
A esperança progressista do mundo, hoje, navega no vento que sopra do Sul.
A América do Sul não é mais o estuário dos problemas do mundo, e sim a mais
promissora fronteira da luta pela justiça social em nosso tempo.
Sem os países em desenvolvimento, não será possível abrir um novo ciclo de
expansão que combine crescimento, combate à fome e à pobreza, redução das
desigualdades sociais e preservação ambiental.
No momento em que se está constituindo um mundo multipolar, a América do
Sul afirma a sua presença no plano internacional, renovando a confiança em si
e na capacidade de seus povos de construir um destino comum de democracia
e crescimento econômico com inclusão social.
Vivemos numa região de paz. Não há ódio religioso entre nós. Os governantes
de todos os nossos países foram eleitos em pleitos democráticos e com ampla
participação popular. A democracia é o nosso idioma comum.
Minhas amigas e meus amigos,
Avançamos muito no Brasil nos últimos anos. Ampliamos a inclusão social e a
democracia se fortalece cada vez mais. Elegemos, pela primeira vez na nossa
história, uma mulher para a Presidência da República.
Fizemos muito, mas ainda há muito por ser feito. E o governo da presidenta
Dilma Rousseff assume esta responsabilidade.
Lançou o programa Brasil sem Miséria para erradicar totalmente a extrema
pobreza.
Fortaleceu a área da educação, ao ampliar o programa e ensino técnico e
aumentar o número de bolsas de estudos no exterior.
O lançamento de uma nova política industrial, com o programa Brasil Maior,
fortalecerá a inovação e a competitividade.
Por último, quero enfatizar que o conhecimento e a informação são cada vez
mais importantes para o aprimoramento espiritual da Humanidade e também
para viabilizar o progresso econômico e o bem-estar dos povos.
O governante que não enxerga isso, não está preparado para governar uma
Nação. Governante que não sonha não transmite esperança. Agradeço novamente à Science Po por ter sido agraciado o título de Doutor
Honoris Causa e estou honrado por fazer parte do seleto grupo de pessoas que
mereceram esta honra.
Muito obrigado.
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