Ainda no sutiã de Gisele
Por Paulo Moreira Leite
Sabemos que a publicidade pode produzir benefícios públicos, como estimular o comércio, que gera consumo, estimula o crescimento e ajuda a criar empregos.
Ela também podem ajudar os meios de comunicação a manter distancia das verbas publicas e dessa forma contribuir para uma mídia mais saudável.
Mas a publicidade é uma causa comercial e envolve interesses privados. Sua função social é restrita. Um anuncio precisa ser pago para ser exibido. A liberdade de expressão é parte da história da humanidade que criou e defendeu direitos humanos. A publicidade é filha da economia de mercado.
De certa forma, é preciso ter uma visão mercenária de liberdade de expressão para confundí-la com campanhas publicitárias. A liberdade não tem preço. A publicidade tem.
Isso acontece porque são coisas diferentes. A liberdade é uma causa universal e envolve o interesse público. O direito de opinião pertence a todos homens e mulheres. Deve ser amplo e irrestrito.
A publicidade possui um organismo que tem autorização para praticar a autocensura, que é o CONAR, um conselho de autoregulamentação que reune represantes do setor e atua em nome dele. Ele pode determinar a retirada de uma campanha do ar.
Se houvesse um orgão semelhante no jornalismo, seria um escândalo. Isso porque há uma distinção natural entre liberdade e direito de venda. Um condomínio de jornais e jornalistas com poderes para exercer a censura sobre outros jornais seria inaceitável e absurdo. A liberdade de expressão não é propriedade de uma categoria — os jornalistas — nem das empresas de mídia. É do povo.
Em função dessa natureza diferenciada, uma determinada publicidade pode ser retirada do ar – ou banida para sempre – se for considerada prejudicial a sociedade. É o que acontece, por exemplo, com campanhas de cigarro. Ou de bebida, que só são exibidas em determinados horários.
Mas você nunca tentará proibir um conto maravilhoso, chamado “Só para fumantes”, do peruano Julio Ramon Ribeyro. Trata-se de uma pequena (apenas pelo tamanho) obra-prima da literatura universal, bela e bem construída, que todo mundo deveria ler na primeira oportunidade. Mas o conto faz uma defesa tão alucinada e poética das delícias do cigarro que se pode dizer que estimula o tabagismo.
Também não se pensa em proibir poemas e músicas de Vinícius de Moraes onde ele fala do uísque como um grande amigo. Nem artigos que expressam uma defesa apaixonada de determinados vinhos, mesmo que no fim das contas isso também possa servir de estímulo ao consumo de álcool.
É possível fazer reportagens belíssima a partir das dores de um alcóolico. O que dizer de textos que falam de cocaína, de filmes sobre heroína?
Com a publicidade é diferente. Nossa sociedade considera que é aceitável proibir anuncios de produtos que fazem mal a saúde. Não é um problema de prestígio. É de natureza.
O direito da sociedade em defender aquilo que considera prioritário se sobrepõe ao direito de uma empresa em vender bem seus produtos. Desse ponto de vista, o espaço público não é um grande vale-tudo nem uma competição selvagem.
E aí volto ao sutiã e a calcinha de nossa maravilhosa Gisele. O enredo da propaganda descreve uma situação clássica onde mulheres usam o corpo para agradar maridos e conseguir o que desejam.
Para muitas pessoas, é normal e até divertido. Também se pode alegar que é assim mesmo que acontece na vida de muitas mulheres, lembrar a história daquela amiga que queria ir para a Europa de classe executiva e ai…
Tenho certeza de que muitas mulheres – emancipadas e independentes – até se divertem com a situação descrita no anuncio pois, em suas vidas, maridos como aquele sempre fizeram papel de bobo.
(Repare que é preciso qualificá-las como emancipadas, como independentes. Não se fala de homens “emancipados” nem “independentes” neste sentido. Isso porque essa distinção existe…)
Mas você pode ofender-se, também.
Pode considerar que é ofensivo exibir em forma de comédia uma situação que banaliza uma realidade dolorosa para muitas mulheres que enfrentaram e enfrentam um dos clássicos da opressão feminina — muitas vezes, só para comprar feijão, ou porque foram educadas a aceitar isso, ou porque não tem forças para resistir, o que não torna ninguém menos digno de seus direitos.
Também pode considerar que não se deve fazer ironia com uma realidade que produz sofrimento, como se vê em tantos lugares e não só nas delegacias da mulher.
Como tantas testemunhas de um tratamento ofensivo e degradante, pode achar que situações traumáticas devem ser tratada com respeito redobrado.
Você também pode achar que, na condição de vítima, seus sentimentos merecem consideração.
Outro argumento. É possível considerar que, mesmo atuando na esfera cultural e das relações simbólicas (chique, não?) esta publicidade é tão nociva para as relações humanas como o cigarro é prejudicial à saúde das pessoas. Essa visão poderia levá-lo a considerar que as duas propagandas merecem receber o mesmo tratamento.
Você também pode achar que tudo isso é bobagem, patrulha, autoritarismo.
Mas vamos nos entender: esta é a discussão.
Na Época
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2 comentários:
Boa semana pra vc!
Bjsss molhados
LEO
Eu que não me sento
No trono de um apartamento, com a boca escancarada
Cheia de dentes (na frente do Lap)
Esperando a morte dos blogues chegar...
E você???
OPINE no
seximaginarium.blogspot.com
Só uma ressalva: o Conar não tem o poder de impedir a veiculação de anúncios. No máximo, ele recomenda sua suspensão. Se veículo e anunciante quiserem, continua normalmente a exibição da peça. Ele é formado por representantes dos veículos, das agências e dos anunciantes. E em um conselho de jornalismo? Seria formado pelos donos de veículos, pelas "fontes" e peos lobistas?
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