terça-feira, 18 de outubro de 2011

Bahia: Alunos acusam reitor de universidade federal de racismo


Bahia: Alunos acusam reitor de universidade federal de racismo


Assim disse,o reitor da UFRB, senhor Paulo Gabriel Nacif

"A interiorização vista de diversas formas por vocês tem que ser concebida também do ponto de vista de formar
uma relação de servidores técnicos administrativos, formar uma relação de gestores, que não é só o reitor. Então, assim, a universidade funciona precariamente mesmo. Sabe, uma universidade que nasce no interior, cujos trabalhadores são dos interiores... Se a gente for ver pela cor do trabalhador, se a gente for ver pela renda do trabalhador que nós temos na UFRB a gente vai ver que.... a formação do trabalhador, a gente vai ver que aqui tem um desafio maior".



O reitor se pronunciou com uma nota oficial:


Um vídeo editado cuidadosamente para ocultar o contexto das minhas colocações, durante as mais de vinte horas da Mesa de Negociação com os estudantes, foi divulgado por um grupo de discentes, alguns, legítimos militantes de partidos e outros coletivos políticos. Nele, uma frase descontextualizada está sendo propagada para dar a falsa impressão de que teria sido racista em minhas declarações. Eu, cujo combate a essa prática, é parte do meu cotidiano.

Ao longo de toda a minha vida, lutei contra as desigualdades sociais e raciais, tão deletérias à vida nacional e à humanidade. Como todo brasileiro, oriundo de família negra e pobre, sei na prática o real significado do racismo e da desigualdade. Por isso, ainda na condição de estudante, na época da Ditadura Militar, participei ativamente em processos denunciando o racismo na sociedade brasileira. Como professor da UFBA, antes da existência de nossa UFRB, pude ajudar a mudar essa realidade. Presidi a comissão responsável pela relatoria do Projeto de Implantação de Políticas Afirmativas, instituindo o programa na UFBA, contribuindo para a conquista de uma robusta e corajosa medida de reparação ao povo negro, mudando a composição social e racial daquela universidade, tornando-a mais inclusiva.
Acreditamos desde o início que uma universidade implantada na região mais negra do Brasil deveria refletir a composição étnica e social do nosso povo. Ao tomar posse do cargo de Reitor da UFRB, minha primeira ação institucional foi criar a primeira Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assistência Estudantil (PROPAAE) do Brasil.
Ainda em 2006 criamos o Fórum 20 de Novembro, iniciativa que determina que nesse dia toda a nossa instituição se dedica integralmente à reflexão sobre as questões sócio-raciais no Recôncavo, na Bahia e no Brasil. Em nossa universidade o número de alunos que integram o programa de assistência estudantil é amplamente superior à média nacional. No início, quando construímos as primeiras residências, sentamos e negociamos o modelo com os estudantes. Hoje temos sete residências universitárias, cinco delas, próprias. Novas residências serão construídas. Tudo isso em tão pouco tempo de existência. Lamentavelmente essa minoria nada reconhece.
Assistimos durante o período de paralisação estudantil, a ações de desrespeito e assédio moral focadas principalmente na reitoria e servidores técnico-administrativos. Tais atitudes não possuem precedentes na vida universitária brasileira. Não é possível desconsiderar os evidentes vínculos que existem entre esses surpreendentes desrespeitos e as características sócio-raciais da nossa região, da nossa universidade e do nosso Reitorado, principalmente quando vemos que tais atitudes partiram de uma parcela bem específica do corpo discente.
Já, no final das negociações que culminaram na desocupação da Reitoria e outros espaços da UFRB, considerei inadmissível continuar assistindo a cobranças desmedidas das nossas ações administrativas, sempre acompanhadas de ironias, sarcasmos e agressões, à UFRB, à reitoria e aos nossos servidores técnico-administrativos. Busquei, pedagogicamente, mais uma vez explicar aos alunos as dificuldades de implantação da UFRB, buscando que os mesmos saíssem de uma postura de agressividade para construir a solidariedade necessária a um projeto como esse.
O que fizemos foi evidenciar que a desigualdade sócio-racial até hoje reflete negativamente em toda região. Essa exclusão tem conseqüências em todas as áreas, desde a carência de infraestrutura até a qualificação profissional que, numa sociedade ainda apartada, penaliza ainda mais os pobres e negros. Defendemos ali que os servidores não são “incompetentes” ou “corruptos”, como foram chamados várias vezes no processo de greve estudantil. Os servidores não podem ser condenados pelos problemas que são inerentes à instalação de uma universidade deste porte.
Disse e reafirmo que “o desafio é maior”, uma vez que a desigualdade sócio-racial é maior. Disse e reafirmo que precisamos ser solidários aos nossos servidores que possuem os salários mais baixos do Serviço Público Federal. Disse e reafirmo que os nossos servidores vêm das classes populares e merecem respeito por isso. Disse e reafirmo que a maior parte dos nossos servidores são afrodescendentes e, sofremos todos, o perverso racismo que infelizmente o Brasil teima em não reconhecer e cujo efeito é profundamente deletério na nossa sociedade. Disse e reafirmo que o tratamento dispensado aos servidores e à reitoria é racismo. Disse e reafirmo que não é possível exigir que a UFRB funcione, já nos seus primeiros anos, como uma universidade consolidada dos grandes centros, situadas em ambiente em que o sistema capitalista e o Estado atuam e funcionam em condições mais avançadas. Disse e reafirmo que cumprir em curto e médio prazo as “exigências” dos estudantes, na sua última pauta com 106 itens, mesmo que tivéssemos recursos, seria uma exigência desumana com o nosso competente corpo técnico-administrativo. 
A questão da raça ou cor existe apenas em razão da ideologia racista, sem nenhuma base biológica. Segundo Edward Telles no livro “racismo à brasileira”, colocar no centro dessas discussões a cor é importante porque as pessoas continuam a classificar e a tratar o outro segundo idéias socialmente aceitas, e cita W.I. Thomas que declarou: “se os homens definem situações como reais, elas se tornam reais em suas conseqüências”.
É lamentável que esses militantes, alguns já diplomados pela UFRB, desconheçam estudos que demonstram, por exemplo, que a escolaridade é responsável pela maior parte das diferenças na mobilidade social entre brancos e negros. Não é possível se desconhecer pesquisas que demonstram um Brasil no qual, já na pré-escola, existem professores que são mais afetivos com crianças brancas e que muitos ignoram atos discriminatórios entre alunos.
Lembro que na época da discussão do Programa de Políticas Afirmativas da UFBA, o professor João Reis, participando de uma lista de discussão afirmou: “o Brasil é um país miscigenado. Aliás, os Estados Unidos também e diversos da América Latina, idem. Esse aspecto biológico não se traduz imediatamente na mentalidade das pessoas, em nenhum lugar. Uma coisa é a biologia, outra é a sociologia ou a antropologia do fenômeno "racial". No Brasil a cor da pele e outros traços físicos são pretextos para discriminar negativamente. Isso significa que ter a pele clara é possuir um capital simbólico que ajuda grandemente no processo de ascensão social.”
As edições de vídeos divulgados a cada momento não mostram que os estudantes, numa academia, se recusaram a permitir esse franco debate. Fui impedido, a partir dali, de concluir o raciocínio, sob acusação de racismo e determinismo geográfico, tentando expressar o meu orgulho pelos nossos trabalhadores e da nossa história de luta que dura quase meio milênio. E, num julgamento sumário de um verdadeiro tribunal de exceção, fui transformado naquele momento, em um “racista”. Em reuniões anteriores fui chamado repetidamente de Hitler. Eu, que enfrentei a crítica dos que diziam que as cotas iriam “abaixar o nível” da universidade, enquanto o que se provou, por pesquisas, foi o contrário. 
Tudo isso é lamentável. Uma universidade amarrada a uma burocracia estatal desmedida deve se preparar para sobreviver a atrasos de suas obras. Mas, uma universidade não poderá jamais sobreviver sem a capacidade de discussão crítica, sinônimo do próprio trabalho do intelectual. Milton Santos destacou que “a universidade é talvez a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é à morte, pois seu destino é falar”.
Ao invés de aprofundar esta discussão, fundamental para entender as origens históricas das dificuldades infraestruturais e logísticas dessa região esquecida pelo Estado Brasileiro, por sua vez, indispensável à compreensão da gestão acadêmica, os militantes políticos preferiram cortar um pequeno trecho de longos vídeos, oriundo de extensas negociações, gravadas durante vários dias, e me caluniar, numa campanha política para reverter o resultado do recente processo de consulta à comunidade acadêmica, que redundou na minha posse. Daí, aviltando a academia e a democracia, partem para uma sistemática destruição moral de seus pretensos “inimigos”: nós, que lutamos tanto para construir esta universidade.
Tenho orgulho de termos uma universidade em que 71,89% dos estudantes são oriundos das classes C, D e E. Construímos uma universidade na qual 84,3% dos estudantes se declaram afrodescendentes, algo sem precedentes na história da educação brasileira e que, sem as políticas afirmativas não seria possível nesta etapa de nossa história.
Assumi este mandato há pouco mais de dois meses e, durante toda a eleição, defendi a excelência aliada à inclusão social e elas serão as prioridades da nossa nova gestão. Fui eleito com 88% dos votos válidos de nossa comunidade acadêmica.
Se, durante esse processo de greve, negociamos até o final com este específico grupo de estudantes, num universo de mais de 8 mil, é porque, embora minoritários, são também membros desta comunidade e devem ser tratados com respeito. Há muito que o isolamento político de tal coletivo tem os conduzido a uma progressiva e violenta escalada das agressões, ameaças e calúnias.
Ao difundirem agora a acusação de racismo como estratégia política e partidária para agredir a minha história de vida e a trajetória que construí em defesa de uma sociedade mais justa e humana, estes militantes me levam a, na qualidade de professor concursado, membro da UFRB, fazer a defesa de minha integridade e desta universidade, que, para erguer, dedicamos importante parte de nossas vidas.
A todo o momento este coletivo político assaca acusações, distorce a verdade, manipula os dados e realiza uma articulada campanha de destruição da imagem pública da UFRB.  A atitude de atacar a minha honra, após um longo processo de negociação e o fim da paralisação, não tem outro objetivo a não ser construir a fórceps uma crise permanente de modo a inviabilizar as atividades da UFRB, ao arrepio da vontade da ampla maioria da comunidade acadêmica. Não se conformam com qualquer saída negociada, tal qual a que conquistamos, querem o impasse, que não virá. 
Em nome da minha história, do meu nome, da minha família e de todos que lutaram pela implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, não tenho o direito de deixar de me manifestar contra essas agressões e calúnias e, desta forma, repelir veementemente este tipo de prática inquisitória e antiética
Agradeço profundamente as centenas de mensagens de indignação solidária encaminhada pelos servidores docentes, técnico-administrativos, discentes e da sociedade brasileira. Não obstante, tomarei as medidas cabíveis para impetrar ações com vistas à reparação dos danos causados à minha honra e à imagem da UFRB.
Paulo Gabriel Soledade Nacif
Professor e Reitor da UFRB

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