A persistência de um legado
Walter Hupsel em seu blog On The Rocks
Três vezes por semana faço o mesmo caminho para ir dar aula numa faculdade em São Paulo. Distraído que sou, e sempre ouvindo música, nunca tinha reparado que havia um prédio no meu caminho, desses de altíssimo luxo e de estética duvidosa, que tem entradas completamente diferentes pra moradores/visitantes e pros empregados, serviçais.
A primeira tem um portão alto, gradil trabalhado que dá numa escada. A outra, um portaozinho lateral, sem a escadaria, que dá direto na parte dos fundos do prédio, sem nenhuma comunicação com a outra entrada.
Reparei apenas esta semana pois vi umas cinco empregadas domésticas (ou secretárias como gostam de denominar atualmente) saindo dos seus locais de trabalho e esperando o portaozinho abrir.
Posso ser ingênuo. Fiquei chocado com a cena. Sempre entendi o "elevador de serviço" como uma coisa exclusivamente para serviço, carregar compras, para quem vem da praia ou da piscina (sou de Salvador), enfim, para evitar sujeiras e lama. Claro que a realidade sempre foi além da minha ingenuidade, e o elevador de serviço usado pelos serviçais do prédio. (Creiam ou não já recebi reclamação formal do condomínio pois a faxineira de casa entrava pelo elevador "social". Respondi à síndica com palavras não publicáveis.)
De qualquer maneira nunca tinha reparado em tamanha segregação, assim, na cara dura (a segregação velada é uma constante nossa, como bem aponta Michel Blanco). Comentei isso no Twitter, o quão eu tinha ficado chocado com a situação. Choveram comentários. Vários dizendo que não era o único prédio assim, que sabiam de dezenas de outros (e eu me chocando ainda mais...). Muitos disseram que no Rio de Janeiro também era comum, e a desculpa da praia servia para não verem o óbvio.
Comentei que essas duas entradas separadas, segregadas, como um corredor de gado, me lembrava algumas casas-grande que tinham corredores entre as paredes da casa, para que os escravos circulassem sem serem vistos e, assim, não incomodar os seus senhores.
E, bem.... alguns amigos disseram ter visto isso em apartamentos luxuosos do Rio de Janeiro. Calma lá. Parem tudo. SÉRIO que têm apartamentos com corredores entre paredes para os serviçais? Fontes fidedignas me asseguraram terem entrado em apartamentos assim no Leblon e na Barra da Tijuca.
Se é verdade, não deve ser uma exclusividade carioca. Se é verdade, é o triste retrato das elites nacionais, que se isolam, que se incomodam ao ver os outros, e que abdicaram de uma idéia qualquer de nação e civilidade.
E se isso acontece na esfera da casa, no privado, sua contrapartida pública é o higienismo social, é a segregação espacial. É não querer metrô perto de casa, pois traz gente "diferenciada" , é não aceitar que existam albergues para moradores de rua nas imediações (como pleitearam 1.200 pessoas do bairro de Pinheiros, aqui em São Paulo).
Como na arquitetura dos corredores das casas-grande, não querem ver a existência dos moradores de rua. Sabem que eles existem, mas os querem longe, de maneira que não os incomodem nem atrapalhem seu dia. A miséria e o sofrimento escondido são como inexistentes. Avestruzmente, pensam: Melhor deixá-los escondidos...
O promotor viu nazismo neste abaixo-assinado. Para mim, é a mais pura mentalidade escravocrata, um passado que permanence atual, nos assombrando.
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