terça-feira, 4 de outubro de 2011

"Rafinha é grosseiro. Arrogância não combina com humor", diz professor

"Rafinha é grosseiro. Arrogância não combina com humor", diz professor


A suspensão imposta ao comediante Rafinha Bastos, no humorístico "CQC", da Band, reacendeu o debate (em alguns casos, o blá-blá-blá) sobre os limites do humor de constrangimento. Em 19 de setembro, ao falar sobre a gravidez da cantora Wanessa Camargo, Rafinha troçou: "Eu comeria ela e o bebê". Marco Luque, outro integrante do programa, chegou a criticar a piada, solidarizando-se com o marido da artista e sócio do ex-jogador Ronaldo, Marcus Buaiz.
O professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia, Maurício Tavares, doutor pela PUC-SP com a tese "Paródia no Rádio (PRK-30 e Café com Bobagem)", critica o "humor de humilhação" e vê "arrogância" na postura dos novos praticantes do "stand-up comedy".
- Acho estranhíssimo um humorista ser arrogante. Para mim, é a velha coisa: ele tem que derrubar os poderosos, não é para chutar um cachorro morto.
Para o professor, as piadas de Danilo Gentili, Marco Luque e Rafinha Bastos representam a "era do vazio", como definiu o filósofo francês Gilles Lipovetsky. "Rafinha faz a piada vazia, eternamente adolescente, sem graça. Como diz Lipovetsky, é um humor da era do vazio, a graça pela graça, muito próximo do adolescente típico", ataca Maurício Tavares. Nessa polêmica, acrescenta, é preciso combater uma armadilha:
- Rafinha Bastos é o tipico menininho classe média que tira onda com os fodidos. A defesa deles é usar a lógica bipolar que não dá certo: politicamente correto ou politicamento incorreto. Como se fosse uma coisa automática: se você critica, é politicamente correto. Eu sou a favor do humor politicamente incorreto. Mas nem tudo é engraçado.


Maurício Tavares: "Comediantes de stand-up fazem piada vazia, eternamente adolescente"
Maurício Tavares: "Comediantes de stand-up fazem piada vazia, eternamente adolescente"

Segundo o Twitalyzer, serviço independente que mede a popularidade dos perfis na rede social, Rafinha é dono do perfil mais influente do Twitter. Fora do "CQC", ele já foi criticado por fazer piadas consideradas preconceituosas. No Dia das Mães, ele comentou em sua página: "Ae órfãos! Dia triste hoje, hein?". Além disso, durante um show, declarou que toda mulher que reclama que foi estuprada é feia; o homem "que cometeu o ato merecia um abraço, e não cadeia". A frase, reproduzida na revista Rolling Stone, motivou uma investigação do Ministério Público Federal.
- Ao contrário de Chico Anysio, Jô Soares, que interpretavam personagens, eles apenas tentam ser humoristas. Mas o humor exige reflexão. (Luigi) Pirandello fala disso. Para Pirandello, o humor te afasta do sentimento emocional em relação ao objeto, para que você tenha uma mirada mais filosófica. É a suspensão da emoção - avalia Maurício Tavares.
A piada de Rafinha sobre Wanessa Camargo lhe fez rir?
Maurício Tavares - Não acho nem um pouco engraçada. A pessoa é mais grosseira do que engraçada. "Eu como ela e o bebê"? Como é, você vai comer um feto e isso é engraçado? E as pessoas ainda tentam explicar: "Ela é tão gostosa que ele comeria com o bebê junto". É engraçado comer uma grávida? As pessoas tentam amenizar o que é apenas grosseiro, e eu acho isso idiota também. "Wanessa é bonitinha, eu comeria ela e o bebê..." O mais irritante é que entrou nos Trending Topics do Twitter: "Volta Rafinha". Tem uma geração dainternet que gosta muito desse humor grosseiro.
Que tipo de humor é esse?
É um pouco babaca e arrogante. Acho estranhíssimo um humorista ser arrogante. Para mim, é a velha coisa: ele tem que derrubar os poderosos, não é para chutar um cachorro morto. O que não é o caso de Wanessa Camargo, que não é nenhum "cachorro morto", porque o marido é sócio de Ronaldo. Mas ele se usa disso, faz humor contra os fracos, como naquela piada sobre Rondônia: "Eu acho todo mundo bonito. Isso é efeito colateral de uma temporada de shows que eu fiz em Rondônia". É grosseira.
Essa geração se distanciou totalmente do humor do Pasquim?
É diferente do Pasquim. É um humor babaca. Deles todos, o menos babaca é Bruno Mazzeo. Rafinha Bastos é o tipico menininho classe média que tira onda com os fodidos. A defesa deles é usar a lógica bipolar que não dá certo: politicamente correto ou politicamento incorreto. Como se fosse uma coisa automática: se você critica, é politicamente correto. Eu sou a favor do humor politicamente incorreto. Mas nem tudo é engraçado. Por exemplo: "Vou meter o pau do cu do papa". Isso é politicamente incorreto, mas é engraçado? É a ideia do choque. Uma coisa sem sentido. Esse tipo de humor de Rafinha é o de chiste, aquele que você fala sem pensar. Que pode até ser engraçado...
No chiste, a socialite Narcisa Tamborindeguy não é mais engraçada?
(risos) É verdade. Ela é mais engraçada. Talvez ela tenha mais senso de oportunidade. Uma coisa que me irrita é o auto-elogio. Saiu uma matéria no "The Guardian" sobre a comédia stand-up no Brasil e Danilo Gentili se auto-elogia e põe o link no Twitter. É uma coisa que acho estranho: humorista vaidoso. E tem mais. Uma coisa é você fazer piada em um bar para 30 ou 40 pessoas. Outra coisa é fazer numa TV aberta. Na TV, seu objetivo é ganhar dinheiro, e bastante dinheiro. Acho estranho uma TV pagar pra ele (Rafinha) fazer isso. Depois vem dizer: "Não posso fazer uma piada neste País!". Então, que vá morar nos Estados Unidos. Parece Carlinhos Brown, que quando é criticado em Salvador, reage: "Vou sair da Bahia". São pessoas intocáveis. A grande saída é achar que os outros são conservadores e politicamente corrretos, essa lógica bipolar.
Eles reforçam preconceitos, em vez de subvertê-los?
Reforçam o preconceito. Ficam em cima do preconceito. É uma fórmula muito usada por humoristas antigos, muito comum no "Zorra Total"...
Você fez uma tese sobre o programa humorístico "Café com Bobagem", que veio do rádio, assim como o "Pânico". Qual a diferença entre o CQC e essa geração?
O "Café com Bobagem" não deu certo na TV. O Pânico deu certo porque é mais vinculado a esse humor da internet, com aqueles trotes: "Seu filho tá fazendo aula de balé...". Pegadinhas telefônicas. Como aquelas do Mução.
Que é bom, né?
Sim, eu gosto desse humor esculhambado do Ceará. Mas o "Pânico" É mais próximo do constragimento, de pegar uma pessoa na festa e jogar o microfone na cara, com uma pergunta escrota. O Pânico se aproxima do humor de Rafinha. Já o "Café com Bobagem" tem grandes imitadores, uma grande capacidade de fazer imitações. Você acha engraçado sem a imagem, com a voz. Não deram certo. Os Sobrinhos do Ataíde, que depois foram fazer o Rockgol, faziam uma coisa parecida. Já esse humor de Rafinha Bastos tem a ver com uma afirmação de Gilles Lipovetsky, em "A era do vazio": o humor da nossa época é sem espírito, é a piada eternamente adolescente". Rafinha faz a piada vazia, eternamente adolescente, sem graça. Como diz Lipovetsky, é um humor da era do vazio, a graça pela graça, muito próximo do adolescente típico.
Há aspecto teatral também. Esses artistas de "stand-up" não são atores, não sabem representar, contar uma piada como faz Marcelo Adnet, que é humorista e ator, interpreta muito bem os personagens.
Adnet é bom, muito diferente. Eles são comediantes. Ao contrário de Chico Anysio, Jô Soares, que interpretavam personagens, eles apenas tentam ser humoristas. Mas o humor exige reflexão. Pirandello fala disso. Para Pirandello, o humor te afasta do sentimento emocional em relação ao objeto, para que você tenha uma mirada mais filosófica. É a suspensão da emoção. Ele usa um bom exemplo. Há uma velhinha super-maquiada. Ela faz o papel de alguém que não é mais. Se você se distancia, você faz a piada. É uma caricatura grotesca. Se você se emociona com a velhinha, não sai a piada. Rafinha, Marco Luque e Danilo Gentili não têm sutileza. É um humor puro. Mas, como vai ser pra ele voltar a fazer humor sem se policiar? Ele até brincou: "Dois dias sem acidente de trabalho". Esta piada é engraçada, tem humor e perspicácia.
O que você pensa da brincadeira de Rafinha, na noite em que foi suspenso da bancada do CQC? Ele postou fotos em que estava cercada de mulheres gostosas.
Na internet, você não pode ficar por baixo. Aquilo é um pouco isso. Ele recebeu muitos tuiteres. Mas, você sabe, a internet tem de tudo. Como não tem qualificação, tem quantificação. Ele antes tinha botado no Twitter: "Tem como eu bloquear o recebimento de tweets que contenham as palavras 'otário', 'idiota', 'matar' e 'bieber'?". É uma forma de defesa. O ego desses caras é gigantesco. E precisa alimentar 3 milhões de seguidores, o que é uma coisa engraçada, porque originou aquela matéria do "New York Times", falando que ele era uma das pessoas mais influentes do mundo.... Uma coisa questionável.
O "New York Times" deve ter influência menor que a de Rafinha...
Eles têm esse ego gigantesco, o que prejudica um humorista. Danilo Gentili, Rafinho e Marco Luque adoram se auto-elogiar. Esse ego desproporcional. Tenho pensado, às vezes, se não estou ficando conservador. Mas o humor engraçado é pra sacanear quem está fodendo a vida dos outros. É uma arma. Tem uma função. Se ele quiser ter alguma função, é espezinhar quem está no poder, assim como o jornalismo. Se o jornalismo é bonzinho, perde a força.
O humor de constrangimento entra rápido em desgaste?
Ele se desgasta. Tenho dois alunos que entraram em "stand-up" e vivem discutindo comigo, porque fala que o "stand-up" se desgasta pela exaustão. É a velha fórmula da comunicação de massa: novidade, sucesso e saturação. Se todo mundo está fazendo o mesmo tipo de graça, isso perde a graça. Eles ainda são engraçados porque são pessoas que estão afrontando com grosseria. A tendência é perder a força.
Se você olhar as piadas dos programas humorísticos da TV, nota logo que é um troço mais comportamental, bem diferente da geração de Millôr, Henfil, Jaguar e Ziraldo no Pasquim. O humor político, a marca do Pasquim, está ausente?
É só comportamental. No caso do Pasquim, havia aquele humor em jornal porque você tinha a mínima liberdade de expressão. Esse humor na TV, que tem concessão pública, era vigiado. O jornal Pasquim foi catalizador desse tipo de humor. Fiquei muito puto quando Jaguar, nesse filme que fizeram sobre Wilson Simonal ("Ninguém sabe o duro que dei"), ficou se desculpando porque o enterraram... Jaguar e Ziraldo aparecem se desculpando. Na época, eles pegaram pra bode expiatório, mas de qualquer forma tinha sentido a crítica a Simonal. O espaço que eles dão a essas desculpas é desproporcional.
Danilo Gentili provocou reações também quando brincou com os moradores de Higienópólis que estavam contra a presença de uma estação de metrô no bairro. Ele falou: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz". Por que o humor contra judeus é diferente dessa piada contra Wanessa Camargo?
O trem pra Auschwitz eu já consigo achar engraçado. De qualquer forma, você tem que ter cuidado, porque você fala com pessoas que sofreram bastante na Segunda Guerra. Mas aí tem um pouco de inteligência. É invenção.
Esse tipo de humor tem uma carga histórica?
É, você falar do trem tem uma carga histórica, embora seja preconceituoso. É engraçada porque os judeus também merecem levar pau. Já aquela de Rondônia é típica de um branco paulista. Em São Paulo, sempre surge o preconceito contra nordestino. Eu morava em um prédio em Higienópolis e havia uma discussão sobre mulheres do prédio. Logo veio o comentário: "Uma delas é nordestina!". Era nesse nível.
Quanto aos judeus, ainda há outro álibi: o humor judaico tem uma velha tradição, Woody Allen o pratica no cinema, os próprios judeus já se troçam.
Eles próprios se sacaneiam. Há uma tradição enorme de humoristas judeus. Seinfeld mesmo. Outro dia revi Seinfeld e não achei mais tão engraçado. Mas há uma tradição de humor judaico. Há um documentário da BBC sobre como grupos étnicos reagem a piadas. Contaram piadas de negros para negros, e quase apanharam. Houve vários grupos. Com os árabes, eles quase são linchados. E os caras mais permissivos são os judeus. Era bem de uma maneira simplificada. Uma coisa de gênero. Os árabes não têm o menor senso de humor. Querem matar, como tentaram com os chargistas na Europa. Já os judeus têm esse lado mais cosmopolita, um espírito mais refinado.
O humor de constrangimento não estabelece, de imediato, um limite? Porque depois eles são obrigados a se superar nas grosserias, o que perde rapidamente a graça, ou nem sempre é engraçado.
É uma sinuca de bico. Como ele vai voltar pra fazer piada, se ele tem uma espada rondando? É uma situação complicada. O CQC já está sem graça, virou uma auto-referência, as piadas são internas.
Algo como um "Vídeo Show" de humor?
Muita piada interna para um público adolescente. A graça de Rafinha Bastos é ir cada vez mais longe na ironia. É igual à época em que toda peça de teatro, pra ter sucesso, tinha que ter palavrão. A obrigação era ter palavrão. Depois, perdeu o sentido.




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