sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O silêncio envergonhado e o pedido de desculpas


O silêncio envergonhado e o pedido de desculpas

Denílson Alves e Alessandro Melchior no Portal do PT

Casos de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), têm sido mais noticiados ou mais comuns?


Essa é uma discussão que tem permeado os debates do movimento LGBT no país. Na prática, essa discussão de fundo mais político e teórico – porque aponta níveis e focos de responsabilidade diferentes – tem pouca importância quando a homofobia nos agride fisicamente e não apenas com piadas ou com o conhecimento de agressões a terceiros.

A agressão ocorrida no domingo, 20 de agosto, contra o diretor LGBT da União Nacional dos Estudantes, é um desses casos que aponta a proximidade da homofobia em sua face mais agressiva e próxima. Muitos dos militantes desse movimento conhecem a homofobia institucional, o preconceito social que gera risos e xingamentos na escola ou apontamento de dedos nas ruas, mas poucas vezes a violência esteve de forma tão próxima a esse movimento.

Isso explica de certa forma, a publicidade dada ao caso, que gerou inclusive nota de solidariedade da ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário. Não se tratou apenas de uma forma de publicizar um posicionamento oficial do governo a partir de um caso público e notório de homofobia, mas de reconhecer o quão perto a violência letal causada pelo preconceito tem chegado e batido às portas também dos integrantes desse movimento social.

Causou perplexidade esse fato, pois se acredita – erroneamente - que o movimento LGBT é composto por um recorte populacional diferente dos demais movimentos sociais, prevalecendo um tipo de militância de classe média e de nível universitário, entendendo – também erroneamente – que esse segmento populacional estaria mais imune aos casos de agressão por homofobia.

No entanto, o que esse caso tem de importante a ressaltar, é a evidência de que as coisas vão de mal a pior no país em relação à proteção dada a milhares de cidadãs e cidadãos LGBT. A política nacional de combate à homofobia tem sofrido derrotas há algum tempo. Hoje há um número muito menor de centros de referência de combate a homofobia em funcionamento do que há 3 anos. Os recursos investidos, mesmo antes do corte orçamentário da presidenta Dilma Roussef – que havia garantido, equivocadamente, que os cortes não atingiriam as políticas sociais – que reduziu o investimento em políticas de direitos humanos, juventude entre várias outras, têm decrescido, após o boom dessa política em meados do governo Lula. Tinha-se a impressão, ali, de que estávamos dando um passo na construção de uma importante política de Estado. Hoje, o que fica é a amarga sensação de que não se tratava nem de uma política de Governo, mas apenas das boas intenções e do muito trabalho de uma parte do Governo.

A nota da ministra Chefe da SDH, nesse sentido, por mais bem vinda que seja, nos assemelha a um pedido de desculpas, em nome da ala consciente, democrática e humana do Governo – e não daquela ligada ao reacionarismo religioso em suas diversas faces, organizações e pessoas, de primeiro ou segundo escalão. Trata-se, notoriamente, não apenas de solidariedade, mas de um pedido de desculpas por não poder fazer mais.

Em uma perspectiva local, a situação consegue ser ainda pior. Por mais que o Governo Federal tenha vetado a continuidade do Projeto Escola Sem Homofobia, por meio da produção do kit para escolas do ensino médio, reconhece-se o trabalho e empenho de parte desse governo em financiar e apoiar o projeto. Nos governos estaduais, responsáveis pela educação de nível médio, não há qualquer iniciativa nesse sentido. Deparamos-nos sempre com um silêncio solene a respeito dessas políticas. Silêncio também condizente com uma parte ainda equivocada do movimento LGBT que acredita viver em uma monarquia absolutista, em que o Chefe do Poder Central é o único responsável por todas as políticas. Há pouco conhecimento de que vivemos em um uma República Federativa, na qual os órgãos federados têm responsabilidades específicas. Talvez se aproveitando disso, a quase totalidade dos nossos Estados permanecem em um silêncio ainda mais solene, quebrado, vez por outra, por alguns eventos que em pouco contribuem para o enfrentamento desse mal que atinge nossa sociedade.

Exemplo disso é o Estado de São Paulo, berço eterno do separatismo nacional, do reacionarismo que agride mulheres, nordestinos, negros, jovens e homossexuais. Aqui, tem-se um modelo exato de como agir para não combater a homofobia. Faltam recursos, falta equipe, falta compromisso e tudo isso em grau muito mais elevado que na maioria dos Estados e no Governo Federal. Os expoentes LGBT dessa elite que transformou São Paulo no Estado mais intolerante do país – o tea party arco-íris tupiniquim – se expressa publicamente apenas para se colocar em situações dignas de escárnio, como quando criticaram o veto da Presidenta ao kit anti-homofobia, ignorando que em São Paulo nem mesmo um panfleto foi feito para ser distribuído nas escolas. Hipocrisia, oportunismo ou os dois?

A linha a seguir, ao contrário do que vem sendo feito até agora, não pode ser mais marcada apenas pelo diálogo respeitoso e pacífico. Sabemos que estrutura é algo que define a finalidade. A estrutura dada até agora para as políticas de combate à homofobia mostra que essa não é uma prioridade do Governo Federal e nem mesmo entrou na agenda da grande maioria dos Governos Estaduais, que continuam ignorando solenemente as demandas de milhares de cidadãs e cidadãos LGBT, contando para isso com a conivência de uma parte inconseqüente desse movimento social que ignora a organização política do país, para desfechar criticas oportunistas à Presidência da República.

Sem oportunismo barato, o que precisamos é qualificar nossa organização, pressionar de forma mais enfática e incisiva, para que em novos casos de homofobia, a resposta governamental não fique entre o silêncio envergonhado de quem sabe que nada fez e o pedido de desculpas de quem reconhece que pouco pode fazer.

Denílson Alves, Diretor LGBT da União da Juventude Socialista e da União Nacional dos Estudantes

Alessandro Melchior, membro do Conselho Nacional de Juventude da Presidência da República pela ABGLT e militante da Juventude do PT.

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