Por Ana Helena Tavares(*)
Sim, já fui viciada em telenovelas. Isso tem muitos anos. Perdi o vício de novela e de TV. Mas um amigo me enviou uma entrevista bem recente do consagrado autor Lauro César Muniz, hoje na Record, e resolvi assistir. É ótima.
O dramaturgo conta que saiu da Globo, em 2004, pela decisão da emissora de diminuir a qualidade das novelas. “Houve uma mexicanização”, garante. E diz que se espanta com o tratamento preconceituoso que ainda hoje é dado aos homossexuais nas novelas.
Mas a cereja do bolo é quando Muniz revela toda sua frustração por ter sido obrigado a mudar o final de “Salvador da Pátria” (1989). Novela em que o personagem Sassá Mutema (Lima Duarte), legítimo representante do povo, foi entendido por muita gente como referência a Lula.
Segundo Muniz, o próprio Lula, anos mais tarde, já presidente, perguntou-lhe ao pé do ouvido: “Eu sou o Sassá?” Em 89, uns achavam que isso era ruim (Sassá era um sujeito rude, ignorantão), mas outros viam isso como um enaltecimento da figura de Lula. Foi o caso do ministro da Justiça da época, que considerou Sassá como “propaganda subliminar pró-Lula”.
Por conta disso, Muniz começou a ser pressionado para desviar o viés político do personagem, focando no aspecto policial. Qualquer semelhança com a mídia policialesca que nós temos é mera coincidência.
O roteiro da novela previa que, ao final, Sassá seria cooptado a aceitar ser vice-presidente. E teria que assumir o lugar do presidente eleito, morto por uma organização criminosa. Muniz não o cita nominalmente, mas me arrisco a dizer que essa idéia teve inspiração na controversa morte de Tancredo. E aí fica a pergunta: se Sassá era uma crítica a alguém, seria a Lula ou a Sarney? Pelo bigode, tenho minhas dúvidas.
Seja como for, “a Globo achou a coisa forte demais para aquele momento do 1º presidente eleito livremente no Brasil depois da ditadura militar”, relata Muniz. E o fato é que Sassá, por ser entendido como representação de Lula (e, consequentemente, do povo), não pôde terminar a trama subindo a rampa do Planalto. Cena que, inclusive, aparece rapidamente na arte de abertura da novela. Mas teve que ser cortada do último capítulo devido a acordo da Globo com Brasília.
Interessante frisar que, como o próprio Boni confessou recentemente, naquele ano a Globo moveu céus e terras e não impediu Lula de subir o Planalto somente censurando a ficção. Mas também manipulando a realidade.
*Ana Helena Tavares é editora do site “Quem tem medo da democracia?”.
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