Por Candice Soldatelli 1
O recente episódio envolvendo a modelo Camila Macedo – considerada inadequada para um desfile do Fashion Rio por ter manequim 38 – só reforça a ideia de que o conceito de beleza hoje existe dentro de cercados diversos.
No mundo da moda, por exemplo, ser bela é ser magérrima, esquálida, com os ossos aparentes ganhando lugar de honra nas fendas e decotes das roupas que vestem na passarela. A óbvia comparação a um cabide não poderia ser mais perfeita: esqueletos humanos bem-vestidos equilibrando-se em saltos imensos para, segundo alguns stylists, pode mostrar melhor as criações.
Neste cercadinho fashion, uma mulher de 28 anos e manequim 38, com o corpo claramente saudável e bem torneado graças a uma boa dose de exercícios físicos, não será aceita. Camila Macedo e assemelhadas que encontrem outro cercado, provavelmente o das “saradas de academia”. Lá, importante mesmo é “ser durinha”, custe o que custar, sendo que algumas até exageram e passam a ostentar a forma de um halterofilista. Se as modelos de passarela passam fome para adquirirem o corpo ideal e chegarem a um peso inferior a 50 kg – mesmo tendo mais de 1,70 de altura -, as saradonas passam horas e horas puxando ferro, dando socos em alvos imaginários, correndo em esteiras e se alimentando de misteriosos “suplementos”, geralmente importados, que prometem um corpo tão musculoso quanto o de um homem.
Aqui no Brasil, há ainda outro cercado facilmente identificável: o das “popozudas” ou o das “gostosas”. Para poder pertencer a este grupo, importante mesmo é ter “bundão”, “coxão”, “peitão”, termos que seriam mais adequados se estivéssemos falando de um peru de Natal, ou de um chester, não de um ser humano. A coisificação das mulheres neste cercado parece não perturbar suas integrantes, que ostentam apelidos estranhos como “Mulher Fruta” ou “filé” – sempre algo relacionado à comida, num trocadilho desagradável de tão óbvio, dadas as intenções dos homens em seu relacionamento (físico, sempre) com as gostosas.
Outro dia, eu estava no elevador do meu prédio quando uma garota de 20 e poucos anos, num arroubo de sinceridade, acabou pensando em voz alta: “Se eu tivesse o teu cabelo, fazia chapinha todos os dias”. Fiquei sem ação e sem palavras, porque sinceramente não compreendo por que haveria a necessidade de deixar o cabelo liso, escorrido, todos os dias - ou no que eu me beneficiaria com isso. Acabei me dando conta de mais um cercado: o dos cabelos alisados. Por algo entre 200 e 500 reais – varia muito de um salão de beleza a outro -, qualquer adolescente, jovem ou adulta de cabelos cacheados ou ondulados pode adotar olook padrão “liso-escorrido”. Loiras, morenas, ruivas – verdadeiras ou tingidas – encaram um processo químico um tanto quanto sofisticado – e até mesmo perigoso, pois alguns alisamentos envolvem formol – para ficarem todas com capacetes iguais, esta é que é a verdade. Não sei quem decretou que o cabelo ondulado é feio, mas o estrago já foi feito: o cercado das alisadas é um dos maiores do país.
A maioria de nós, mulheres, tenta a qualquer custo entrar num cercadinho desses, mais para fazermos frente a outras mulheres do que para seduzir os homens, numa busca insana por um padrão de beleza – ou por padrões de beleza – estabelecidos artificialmente sabe-se lá por que motivo. Felizes as mulheres que descobriram que o mais importante é se contentar com a beleza de serem únicas e belas ao seu modo e, então, viver num mundo livre de qualquer cerca, com todos os caminhos , as vivências e os sonhos que só a liberdade pode proporcionar.
1 Jornalista e tradutora/ Rio Grande do Sul
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