JENNA SAUERS
A revista de moda búlgara 12 simplesmente publicou um editorial contendo nada menos do que fotos de modelos com terríveis maus tratos. É a “beleza” espalhada — tipo de recurso que normalmente enfatiza a habilidade do maqueador e ajuda a vender a “nova” cor de sombra da estação — mas isto não é bonito. Há modelos caracterizadas como Black Dahlia (apelido de Elizabeth Short, americana esquartejada em 1947), sorrisos aumentados com navalha à la Coringa do Batman, modelos sendo estranguladas e que tem seus brincos e piercings arrancados e outras sendo mutiladas com ácido. É tudo efeito especial de maquiagem, mas continua doentio. Estas fotos dão a você a ideia da natureza da divulgação. E não é a primeira deste tipo.
É que as revistas de moda – assim como outras formas de mídia de massa – muitas vezes querem chocar. Porque elas gostam de atenção. Porque elas gostam de ganhar dólares. Porque elas gostam de rebelar reputações que estes chocantes quadrados nos conferem. Mas ainda vale a pena analisar os meios pelos quais buscam este tipo de choque. O mundo da alta moda em geral ama pensar sobre si mesmo como contrariador, a elite e corajosamente em desacordo com os gostos e costumes do público em geral. É como pensar que, de fato, ele é que nos apresenta o que é bom. Mas a maioria do imaginário da indústria de moda apenas ecoa estas mensagens e na pior das hipóteres reforça a ideias culturais negativas sobre mulheres e garotas. Assim como todos sabemos graças a Joan Didion, “é possível que as pessoas sejam instrumentos inconscientes dos valores que eles rejeitam em um nível consciente”. Moda, em todas as suas contradições, é uma grande evidência disso.
A história da moda está cheia de representações e referências de violência contra mulher. Historicamente, fotógrafos incluindo Helmut Newton e Guy Bordin tem apresentado uma particular fascinação com sangrentas, feridas ou modelos mortas, muitas vezes apresentadas em posições sexualizadas (uma veia que o fotógrafo de moda contemporânea Steve Klein continua a investigar). A “garota morta” foi imitada em America’s Top Model – há cinco anos.
Assim como Margi Laird McHue escreveu no seu livro em 2008, “Violência Doméstica: um livro de referência” este tipo de imagem é fortemente problemática.
Exemplos marcantes de mulheres como um objeto sexual que merece ser agredido são encontradas sempre na publicidade. Na década de 80, por exemplo, alguns anúncios de moda com mulheres que abusadas, amordaçadas e amarradas ou em sacos. Estas imagens apareceram em vitrines de lojas de departamento que também tinha mulheres agredidas e colocadas dentro de latas de lixo como conquistas de homens vestindo couro. Depois de protestos de grupos de mulheres, estes anúncios foram removidos. Revistas mainstream de moda trouxeram mulheres puxando seus laços de espartilhos, seus pescoços em coleiras de estrangulamento, presas em camisas de força, com olhos vendados e recheando sacos de lixo. Um anúncio da Epsrit mostrava uma mulher em uma tábua de passar com um somem prestes a queimar sua virilha; um anúncio da Fox Lady mostrava uma mulher derrubada no chão com sua camisa rasgada e Michael Mann teve um anúncio com uma mulher em um caixão.
Então enquanto o editorial da 12 pode ser um exemplo particularmente explícito de formato, estes tipos de imagens não são nada novos. Ver mulheres sendo mostradas como vítimas de uma violência masculina implícita – ou vítimas de qualquer violência, francamente – em uma indústria esmagadoramente feminina, em revistas que esmagadoramente falam sobre, escrevem e são editadas por mulheres, é algo que sempre me incomodou. Isso me incomoda desde quando eu era modelo e fui convidada a participar de editoriais que tinham como tema violência e morte. Perturba-me agora ao ver isso em meios de comunicação de moda, voltados em sua maioria para mulheres.
Porque a moda continua pensando que é inovador retratar mulheres como objetos a serem agredidos e mortos? Como uma revista de moda minúscula na Bulgaria tem a ideia que isso é legal e decide fazer uma história da beleza onde todas as mulheres parecem agredidas? (Resposta: talvez eles leiam a Lula).
As pessoas geralmente julgam as mulheres que estão interessadas “demais” em moda como “vítimas da moda”, as conhecidas fashion victims, um termo que implica que todo interesse em moda seja patético, patológico e contrário aos interesses da própria mulher. “Há muitas ‘meninas burras em moda/vítimas capitalistas’ falando que rejeitam o consumismo da moda como uma estupidez feminina”, como Minh-Ha T. Pham escreveu. Moda justamente não é coisa de menina burra, escreve Meg Clark em um dos argumentos mais apaixonantes (e uma das minhas favoritas) em defesa de se levar moda a sério. “Isto é sociedade, uma representação de nós mesmos, uma economia, o patriarcado, a sociologia e bilhões e bilhões de dólares”.
Esta ideia vazia de que o consumidor de moda como uma vítima da moda – de uma estúpida leitora da Vogue alienada demais para perceber que aqueles cosméticos e roupas de design são nada além de distrações frívolas de coisas importantes – está claro no trocadilho feito pela 12. “Ha ha”, diz a divulgação, “e se mulheres fossem literalmente vítimas da beleza”? Meus olhos caem do meu rosto. Se nós finalmente aceitarmos a ideia que moda é coisa de vítima da moda, talvez nós veríamos mulheres vitimizadas nas revistas de moda.
Para finalizar, meus sentimentos sobre estes tipos de publicação estão bem na linha do que diz Cheryl Wischover em Fashionista: “violência contra mulher existe muito frequentemente na vida real para nós desejarmos ver isso em uma revista de moda”. A moda tem uma fascinação com mulheres vítimas de violência porque nós vivemos em uma cultura onde cerca de um terço de nossas mulheres são assassinadas por seus maridos, onde mulheres vivem cerca de 4,8 milhões de ataques de violência doméstica e estupros todos os dias, onde aproximadamente um quarto das mulhers vão viver violência das mãos de seus parceiros íntimos durante sua vida. Moda reflete uma cultura mais ampla e nós temos muito trabalho pela frente.
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