segunda-feira, 24 de setembro de 2012

É preciso vomitar o ‘sapo barbudo’

É preciso vomitar o ‘sapo barbudo’

Roberto Amaral - Carta Capital


“Lula, considere-se ele intimimamente de esquerda ou não, socialista ou não, é, independentemente de sua vontade, tratado como um inimigo fundamental da elite”. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Quem quiser, no que resta de esquerda brasileira, que construa castelos de areia sobre a ilusão do fim da luta de classes, ou da conciliação dos interesses populares com a burguesia reacionária, rentista, quatrocentona, de nariz arrebitado e cartórios na Avenida Paulista. Nossas ‘elites’ conservadoras têm consciência de classe, mais aguda e mais profundamente que os dirigentes da Força Sindical. A classe dominante (vai a expressão em desuso como homenagem ao sempre saudoso Florestan Fernandes) conhece seus objetivos e sabe escolher os adversários segundo a ‘periculosidade’ que  atribui a cada um. Uns são adversários passageiros, ocasionais, outros são inimigos históricos, que cumpre o quanto antes eliminar.
Lula, considere-se ele intimimamente de esquerda ou não, socialista ou não, é, independentemente de sua vontade, esse inimigo fundamental: de extração operária (daí, contrário senso, a boa vontade da classe média com Dilma, pois não vem do andar de baixo) está, no campo da esquerda, no campo popular e no campo das lutas sociais. Para além, portanto, das reivindicações econômicas do sindicalismo, quando chegou a encantar certos setores da burguesia que nele viam então apenas uma alternativa sindical aos cartéis do “peleguismo”, dóceis,  e do que restava de varguismo e comunismo. Hoje,  queira ou não, continua a ser o “sapo barbudo” que a direita foi obrigada a engolir, mas está sempre tentando regurgitar. A direita — impressa ou partidária (esta sob o comando daquela, ambas mercantis, desligadas do interesse nacional) –, ao contrário de certos setores pueris de nossa esquerda,  age em função de seus objetivos estratégicos e em torno deles se unifica. Recua, quando necessário, em pontos secundários em face de dificuldades conjunturais para avançar no fundamental, exercitando a lição leninista do “um passo atrás, dois à frente”. Muitos de nós operam na inversão da frase.
No governo, cingido à realidade fática da “correlação de forças”, nosso governo (o de coalisão liderado pelo presidente Lula, que abarcou todos os partidos de esquerda e mais os apêndices que foram do centro à direita assistencialista) não realizou as reformas políticas, da estrutura estatal, que poderiam, passo a passo, abrir caminho para uma efetiva, ainda que a médio e longo prazos, alternância de poder.
Neste ponto, conciliou com mais competência que Vargas e Jango (pois se manteve no poder e o conservou ao fazer sua sucessora), para realizar o que não conseguiram esses seus antecessores, atingidos que foram por golpes de Estado, do que Lula se livrou em 2005. O governo Lula realizou, porém, o inaceitável: transferir o centro ideológico dos interesses do Estado para as maiorias marginalizadas pelo capitalismo predador, o que o tornou inimigo estratégico da nossa carcomida direira. E, audacioso – rompendo com o complexo de vira-latas das ‘elites’ econômicas alienadas ao forâneo–,  construiu (salvas a Amorim-Samuel-Marco Aurélio) uma inserção soberana no cenário internacional, rompendo com décadas de submissão  aos interesses externos, cujo exemplo maior é oferecido pelas administrações dos dois Fernandos. Ao contrário de Jânio, que acenava no plano externo com uma política independente para no campo interno realizar uma política recessiva e anti-popular, Lula, que encontrou falido o país de FHC, rompe com a submissão recessivista para colocar o Brasil na rota do desenvolvimento com distribuição de renda, incorporando à cidadania milhões de brasileiros até então marginalizados.
Para a burguesia reacionária essa política soou como um rompimento com a “Carta aos brasileiros”, e era o sinal para a tentativa de desestabilização do governo.
Tudo o que se segue é história recente, daí decorrente.
Nada de novo, portanto.

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