sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Para os que acreditam que pau que nasce torto, morre torto: “Agora sou conhecido pela fama e não pelo tráfico”

Para os que acreditam que pau que nasce torto, morre torto: “Agora sou conhecido pela fama e não pelo tráfico”

Ex-traficante do Alemão é sucesso no mundo da moda: “Agora sou conhecido pela fama e não pelo tráfico”

Por Bruno Astuto
Paulo Borges e Diego Santos - o capo do FR está dando uma forcinha para o futuro modelo /Foto: Dani Barbi
Paulo Borges circulava para cima e para baixo com o futuro modelo Diego Santos pelo Píer Mauá, durante o terceiro dia de Fashion Rio, nessa quinta-feira (08). Para ligar o nome à pessoa: Diego nasceu no Complexo do Alemão, tem nove irmãos, e aos 16 anos entrou para o tráfico de drogas como segurança de um chefão da favela. Por lá ficou conhecido como Mister M. Quando o morro foi tomado pelo Exército, em 2010, o jovem se entregou e cumpriu pena de nove meses em Bangu I. No momento da prisão, ele usava uma camiseta da grife Reserva. Quando saiu foi direto trabalhar com o AfroReggae, como cinegrafista do programa Conexões Urbanas, do canal Multishow, e agora foi convidado pela Reserva para ser o garoto-propaganda do selo AR, uma parceria da marca com a ONG — Diego foi fotografado pelo craque J.R. Duran no Alemão. “No dia em que o Mr. M se entregou, recebi mais ligações de pessoas que o viram se entregando com nossa polo do que quando o Luciano Huck, o Selton Mello, o Caetano Veloso, o Vin Diesel, o Ashton Kutcher, o Cristiano Ronaldo e o Cauã Reymond usaram nossos produtos. Todos revoltados e preocupados pelo fato de um traficante ser identificado à marca. Pois bem, ao invés da demagogia e do preconceito partimos para o ataque e, junto ao AfroReggae, criamos o primeiro selo social”, disse Rony Meisler, um dos sócios da grife Reserva. A tal camiseta está exposta numa Igreja Evangélica frequentada pelo irmão, como símbolo de recuperação.
Borges está em plena campanha a favor do rapaz, agora com 27 anos, e o apresentou a várias agências de modelos e produtores de moda para dar um empurrãozinho na nova carreira — é bem possível que Diego esteja nas passarelas da próxima edição da temporada de moda carioca, entre abril e maio. “Ele tem que dar uma ‘secada’ (emagrecer) para ser modelo. Estou fazendo a ponte naturalmente, nada forçado. O José Junior já tinha me falado dele no ano passado, mas foi um ano conturbado. Avisei a ele (Diego) que a carreira de modelo é uma m***, porque é muito efêmera, competitiva e instantânea. A cabeça tem que ficar boa para isso, mas ele tem que aproveitar a oportunidade”, disse Borges à coluna.
Hoje, morador do bairro carioca de Santa Teresa, o ex-traficante tem carteira assinada e ganha um salário mínimo por mês. “Na época do tráfico ganhava R$ 5 mil por semana, mas não tinha nem como gastar”, disse Diego, que é vaidoso e sempre gostou de se vestir bem.
Confira o papo:
Como entrou para o tráfico?
Meus amigos estão lá né? A maioria dos meus colegas entrou e, como eu só ficava com eles, também entrei. Só pensava se ia estar vivo no dia seguinte, não via nada nem ninguém, só o pessoal do tráfico. Eu era segurança do chefão, mas nunca consumi drogas. Mas isso não é vida, só eu sei o que passei e sofri, as noites e dias sem dormir e longe da família.
E como foi estar preso?
Quando o cara está preso, por mais que tenha visita, ele sente falta de muita coisa, fica abandonado. É muito ruim e por isso que eu falo para não entrar nessa vida porque não vale a pena. Fazer o que eu fiz (se entregar) é muito melhor.
Qual foi o maior aperto que você já passou estando do lado de lá?
Na operação policial no Alemão no dia 27 de junho de 2007, quando mataram 19 pessoas. Aí eu falei: ‘É hoje que vou morrer’.
Por que Mister M?
O Mister M (mágico) é branco, mas acho que foi uma alusão à máscara preta. Odiava o apelido, mas quando você fica bolado com algo, aí é que pega mesmo, até hoje.
O que significa José Junior e o AfroReggae para você?
Junior sempre me via no Alemão, mesmo antes da minha prisão, e me chamava para entrar no grupo. Eu só dizia que depois eu iria. Uma vez ele me perguntou se eu tinha um sonho, só para me comprar com o meu sonho e me tirar de lá. Disse que não tinha sonhos e ele ficou apavorado, mas não desistiu. Quando fui preso, ele foi à delegacia e falou que iria me ajudar. Ele é meu anjo da guarda e o Afroreggae está dando oportunidade para todo mundo que quer sair do tráfico. Estou achando o máximo, estou servindo de exemplo para os jovens de que o envolvimento com o tráfico é ruim e dá para sair e ser feliz.
E hoje, você tem sonhos?
Meu sonho é ser ator porque gosto muito e, claro, modelo também. Quero fazer uns filmes, umas novelas – quem sabe a próxima das nove? Está nos meus planos fazer um curso de teatro. O (J.R.) Duran me perguntou se eu já era modelo, porque eu já saí galã na foto. Sou fã de novela e não perdi um capítulo de Avenida Brasil, e agora não perco de Salve Jorge, que tem um núcleo do Alemão. Acho a Cleo Pires linda. (Diego é casado há seis anos com a mãe de um de seus filhos – ele é pai de duas meninas, 3 e 4 anos).
O que está achando do assédio do mundo da moda? Você é vaidoso?
Só tinha acesso a esse mundo pela TV e revistas. Estou achando tudo muito f***. Antes eu era conhecido pelo tráfico e agora pela fama, pelo lado do bem. Sou muito vaidoso e malho todos os dias, corro e pego ferro. A vida toda gostei de me arrumar, de estar bem vestido.

Revista Época

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