quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer: Um ateu apóia o ato religioso

Oscar Niemeyer: Um ateu apóia o ato religioso 


Suplemento especial produzido pelo 'JB'
Suplemento especial produzido pelo 'JB'
Naquela noite acordei sobressaltado. Qualquer coisa me despertara daquele sono tranqüilo que um domingo – como qualquer outro – me oferecia. 
Fui à janela, e o espetáculo que tinha diante de mim, era tão surpreendente que nele me fixei, interessado. Em vez da Avenida Atlântica onde morava, do passeio que nos separava do mar, um grande jardim aparecia, a ele se integrando harmoniosamente. 
O artigo de Oscar Niemeyer no 'JB'
O artigo de Oscar Niemeyer no 'JB'
Preocupado com essa metamorfose inesperada, desci a correr as escadas que me levariam ao andar térreo. Aquela Avenida não mais existia, e o mar, que nela batia por tantos anos, estava mais longe, afastado do prédio de apartamentos onde eu residia mais de 100 metros. E foi quase instintivamente que dele me aproximei, surpreso com a natureza exuberante que me cercava. Às vezes, era um grupo de árvores ou coqueiros majestosos a criarem grandes manchas de sombra; outras vezes, o chão coberto de grama onde as plantas menores, as mais belas, se destacavam. E o silêncio tão raro fazia-me imaginar os cantos mais variados dos pássaros que por ali deveriam viver. 
Curioso, olhava a cidade distante: nenhuma rua, a natureza respeitada em sua beleza extraordinária. Apenas seis ou sete blocos enormes de habitação, e as passarelas indispensáveis a cortarem a vegetação existente. 
De volta ao apartamento, debrucei-me à janela, lembrando aquele estranho sonho de arquiteto. É claro que uma avenida de tráfego rápido separando a cidade do mar poderia ter sido evitada, que os volumes e os espaços livres adotados deveriam corresponder ao equilíbrio desejado. Mas é preciso considerar que a transformação do Rio numa metrópole capitalista não é recente e, nos seus inícios, era praticamente impossível construir nas encostas dos morros os grandes blocos residenciais a que me referi, enfim, que outras eram as possibilidades técnicas existentes. E, apesar de tudo, o Rio de Janeiro é uma das mais belas cidades do mundo.
É evidente que a vida mudou, a pobreza cresceu, a violência está nas ruas e o povo carioca, alarmado, pede uma solução. Os que acreditam em Deus começam a considerar que a solução depende de uma intervenção divina, o que não nos cabe criticar; são milhões de brasileiros que seguem tal pensamento. Outros assistem, revoltados, ao que ocorre, confiantes como eu na atuação do Governo, que procura uma solução apropriada. 
A meu ver, o problema é político – o povo a sofrer esta desigualdade social que o regime capitalista multiplica por toda a parte. O fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos, podemos vivê-la melhor. 
Oscar Niemeyer
Publicado no Caderno Especial Paz do Jornal do Brasil de 21 de abril de 2007.

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