Movimento feminista aponta que, mesmo com limitações, criação de secretaria e de conferências são pontos positivos da gestão
Maíra Gomes - Brasil de Fato
Mulheres participam da Marcha das Margaridas, em 2007 - Foto: Marcello Casal Jr/ABr |
O Partido dos Trabalhadores está completando dez anos de governo no Brasil. Havia grande expectativa sobre o governo Lula por parte dos movimentos sociais. Nalu Faria, dirigente da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), explica que o contexto em que Lula iniciou seu mandato, em 2003, não era favorável à classe trabalhadora.
O Brasil havia passado por uma década de neoliberalismo, com os oito anos de governo FHC, que representou a precarização das relações de trabalho, privatizações em diversos setores, diminuição das políticas sociais do Estado e muitas outras “baixas” para o povo brasileiro. “Tínhamos claro que não seria um governo de ruptura tal como se esperava, por exemplo, se o Lula tivesse sido eleito em 1989. Mas havia a expectativa de superação do neoliberalismo”, declara Nalu.
No campo da luta das mulheres, esperava-se a retomada das políticas públicas de caráter universal, a construção de políticas de igualdade para as mulheres, a mudança do modelo de produção, para priorizar o consumo interno, a distribuição de renda e reforma agrária. “E no caso da Marcha, havia a expectativa de que houvesse a valorização do salário mínimo como uma política de distribuição de renda”, declara a feminista.
Ela aponta que as ações de um governo para as mulheres não devem ser avaliadas apenas pelas políticas específicas, mas pelo todo. “Por exemplo, se um governo tem uma boa política de saneamento básico, isso impacta na vida das mulheres. E, ao mesmo tempo, tem que combinar com a perspectiva feminista e políticas afirmativas”, afirma.
Políticas afirmativas
Logo nos primeiros dias de mandato, o governo Lula criou a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que passou a funcionar com estatuto de Ministério. Segundo a secretária nacional de Mulheres do PT, Laisy Moriere, antes da criação da Secretaria, não havia políticas públicas específicas para as mulheres no país. “A partir do governo Lula, você tem todo um arcabouço de políticas públicas para as mulheres, o que não havia antes. Ele fez questão de, logo no primeiro momento de mandato, cuidar dessa questão, que era um grande desafio para nós”, afirma.
A secretária conta que em 2003 havia apenas 13 coordenadorias e secretarias de políticas públicas para mulheres no país, todas em âmbito municipal. Após 10 anos, já são mais de 300 organismos voltados para este segmento.
Laisy acrescenta que, no campo da política internacional, a SPM teve um papel importante. Na América Latina, foi responsável pela promoção do intercâmbio entre os países para a discussão de problemas enfrentados pelas mulheres e políticas para combatê-los. Já no campo de articulação mundial, o Brasil passou a participar dos encontros e conferências do Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), articulado pela ONU, que se reunia desde 1981 sem a participação do Brasil.
Nalu Faria, dirigente da Marcha Mundial das Mulheres - Foto: ALESP |
Nalu Faria reconhece os avanços, mas pontua os limites. “Um dos pontos que vale comemoração foi a combinação das politicas de transferência de renda com a valorização do salário mínimo, que tem um impacto grande sobre a vida das mulheres, mesmo que essa valorização ainda tenha sido muito aquém da nossa proposta”, declara.
A participação dos movimentos sociais e da sociedade civil também vale ser citada, segundo a feminista. O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) teve modificações em seu formato e papel, tendo agora um processo de eleição, e não mais indicação de membros pelo governo. “Assim, um aspecto importante foram as conferências, que envolvem milhares de mulheres e levam o debate feminista a vários municípios. Mas tem limites, tanto do ponto de vista do seu poder de decisão, como também de romper com certa fragmentação e setorização”, aponta Nalu.
Fundamentalismo
Para o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), que reúne mais de 250 organizações do segmento, Toni Reis, há uma profunda ligação entre as lutas. “O patriarcado é o pai da homofobia, e o irmão é o machismo”.
Ele conta que houve grande expectativa após a vitória de Lula, já que o PT sempre foi um partido comprometido com a defesa dos direitos humanos, inserindo em suas bandeiras as lutas LGBT. Assim, diz que reconhece os avanços para a comunidade, mas afirma que há grande diferença entre os governos de Lula e Dilma.
Durante o governo de Lula, foi realizada a 1° Conferência Nacional LGBT no país, com participação do próprio presidente, além de oito ministros, o que Toni afirma nunca ter havido em outro país da América Latina. Neste período, foi estabelecido o Conselho Nacional LGBT, implantado o Plano Nacional e criada uma coordenação específica, ligada à secretaria de Direitos Humanos. “Chamamos isso de tripé da cidadania, que temos hoje em cinco estados no país”, aponta.
Já no governo de Dilma Rousseff, ele acredita que houve um retrocesso nos direitos da comunidade LGBT. “Esse retrocesso já começou no período da campanha eleitoral. A então candidata cedeu à pressão dos fundamentalistas religiosos no tema do aborto, fortalecendo-os”, declara Toni Reis. Para o militante, a rejeição do projeto de lei que implantaria o material didático contra homofobia nas escolas é caso emblemático.
O material é resultado de três anos de trabalho conjunto entre diversas organizações de luta LGBT, elaborado por mais de 500 especialistas. “Ela suspendeu a votação e nossa pauta agora está congelada no poder executivo. O resultado é uma relação estremecida com a presidenta”, afirma Toni. “O PT não esta sozinho no poder. Por isso, no governo Dilma tivemos retrocesso. Os partidos conservadores chegam às raias do fundamentalismo”, esclarece.
No campo legislativo, ele acredita ter havido um retrocesso total. “Perdemos de 2 a 0 para a Argentina, que já tem legislação sobre identidade de gênero para travestis e transexuais e o casamento civil aprovado. No Uruguai, também já foi implementado o casamento civil. Enquanto isso, o Brasil não conseguiu nem sequer criminalizar a violência contra homossexuais, embate vencido há muito nos dois países. E ainda estamos voltando a Idade Média, com a discussão do projeto de ‘cura gay’”, declara.
Ele afirma ser o poder judiciário a “salvação nas nossas lutas, já que não tem a pressão do fundamentalismo religioso”.
Pontos positivos
Para Neila Batista, também militante LGBT, houve um avanço inquestionável no país na visibilidade do tema. “O governo se comprometeu de maneira enfática com a causa, possibilitando que houvesse a visibilidade respeitosa de um grupo social que era estigmatizado. Ser gay era como crime, um escândalo”, declara.
Foi também durante o governo PT que foi aprovada a União Estável entre casais do mesmo sexo, em 5 de março de 2011. Toni Reis conta que a luta se deu no campo judiciário, mas recebeu o apoio do governo federal. “Nos estados já estamos fazendo a conversão para casamento, garantindo mais de 120 direitos ao casal. Onde não há esta conquista, o Superior Tribunal Eleitoral está dando ganho de causa”, mostra.
Desafios
“No campo LGBT, vivemos numa corda bamba. Avança significativamente em coisas que nem imaginávamos conseguir, depois o retrocesso. A questão da laicidade do estado é muito grave. Você não pode permitir que crenças religiosas interfiram na ação do poder público”, declara Neila Batista.
“Tivemos ponto bons e interessantes, mas esse conjunto não está completamente afinado. Os enfrentamentos ainda são da ordem geral, como educação, cultura, esporte, comunicação. É difícil ser capaz de fazer o diálogo interpolíticas e interórgãos”, aponta Neila Batista.
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