sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Reinaldinho protegendo a Liberdade do Salgadinho

Reinaldinho protegendo a Liberdade do Salgadinho

Com Fel e Limão

Reinaldo Azevedo, por razões ocultas que eu não identifiquei (as aparentes são “defesa da liberdade de expressão” e “respeito ao texto constitucional”), abriu fogo contra o Instituto Alana.

Por coincidência, eu assisti ontem ao filme “Muito Além do Peso” (você também pode assistir no link), que fala sobre a pandemia de obesidade infantil, em todas as classes sociais, atribuída por especialistas aos péssimos hábitos alimentares disseminados na sociedade, e sobre as estratégias mercadológicas dos fabricantes de alimentos processados para alcançar o paladar infantil. O Instituto pugna pela aprovação de uma lei que retsrinja a propaganda desses produtos.

A característica mais marcante de um “liberal” (aspas necessárias quando o sujeito é Reinaldinho) é lutar pela liberdade de quem nunca sofreu qualquer tipo de restrição: muito ao contrário, sempre está com a chave da cadeia. Para estes “liberais”, o mundo é dividido emcompetentes apesar do Estado e incompetentes que vivem à custa do Estado. Ninguém precisa ser protegido de nada, o único bem jurídico a ser tutelado pelo Estado é a liberdade de quem hoje está sambando na cabeça do semelhante (que só está na posição de sambódromo porque é um incompetente, claro).

Bem, voltemos ao caso da publicidade dos alimentos dirigida a crianças.

Existem diversas restrições à propaganda de diversos produtos (no mundo todo, não só em Banânia™): tabaco e álcool são as que vêm à mente logo de cara. Posso estar enganado, mas nunca vi um “liberal” se insurgir contra a violação do direito de se expressar da Souza Cruz ou Ambev (e como se publicidade se encaixasse neste direito). A lei está aí, “estuprando a Constituição”, e as restrições só aumentam. E o Reinaldinho, nada?

Ora, mas a Nestlé vende COMIDA!!!1 nadavê cara.

Bem, eu defendo a liberdade de um adulto ingerir qualquer coisa, inclusive MERDA (e textos do Reinaldinho). Defendo até o direito deste adulto OFERECER merda ao seu filho. Desde que ele SAIBA que é merda.

Como o filme mostra de forma inequívoca, a propaganda de alimentos processados é de uma perversidade e desfaçatez comparável às peças publicitárias de cigarro dos anos 1960. Engana adultos, seduz crianças e produz obesos, diabéticos, hipertensos e obesos-diabéticos-hipertensos. Um produto composto por 10% de suco de fruta, 50% de água e 40% de puro açúcar é vendido com o nome de “néctar”, e na TV aparece um senhor grisalho, tipo vovozinho, cheirando languidamente duas tangerinas retiradas do pé e selecionando a mais bonita para preparar o “néctar”; um passarinho voa pela seção de frutas de um supermercado e resolve bicar justamente o saquinho de um kissuco ~sabor~ manga.

Enquanto batuco este texto, aprecio um cigarro (mentira, agora sou dependente e mal sinto o gosto). Quando comecei a fumar, tabaco era vendido como um produto que tornava o homem bonito, forte, destemido e irresistível. Às moças, conferia beleza, sensualidade, carisma e personalidade. A situação saiu completamente do controle, porque o cigarro é cancerígeno, destrói os dentes, dá bafo, tira o fôlego do herói, enche a perna da moça de varizes e entope hospitais.Trinta anos depois do “Carlton, um raro prazer” ou do “Hollywood, ao Sucesso”, o que eu vejo no maço é a foto de um pé corroído pela gangrena. Não foi por iniciativa da Philip Morris que isso ocorreu.

Sim, agora eu sei que cigarro é uma merda, e fumo se eu quiser. Mas a bolacha recheada ainda é vendida como a bolacha do Ben10, sendo que o consumo excessivo dela vai transformar o aspirante a Ben10, com sorte, num lutador de sumô aposentado.

“Ora, é função dos pais educar os filhos!”

Sim, é. Mas eles ENTENDEM a composição, o valor nutricional e o processo de produção desses trecos? Conseguem avaliar com clareza se esses produtos são mesmo alimentos?

Claro que não! E não entendem porque:

1) a propaganda dessas porcarias seduz o adulto com a idéia da praticidade, vida moderna, aplacando sua consciência pesada por não cozinhar para a família com a imagem de que o miojo sai quase igual ao macarrão da mamma com o sachê Sapore di Napoli blablabla.

2) não é nada fácil para o cidadão médio entender o que é maltodextrina, sorbato de potássio ou glutamato monossódicopresentes nas fórmulas impressas nas embalagens. E também porque essas fórmulas NUNCA contemplam a totalidade dos ingredientes usados e a quantidade de cada um deles na composição. Afinal, a fórmula de um produto é considerada propriedade intelectual e segredo industrial do fabricante. 

3) Também não é nada fácil para ele entender as “tabelas nutricionais” que o Estado manda imprimir nos produtos, porque elas são feitas para CONFUNDIR e podem induzir o consumidor a achar que o produto FAZ BEM à saúde! Senão, vejamos: a tabela mostra os percentuais de açúcares, carboidratos, gorduras, fibras, sódio etc. presentes no produto em relação ao NECESSÁRIO para uma dieta equilibrada (chamado “Valor Diário de Referência”). Ou seja, se um saco de Cebolitos™ contém 2% de proteínas necessárias para uma pessoa, o incauto pode achar que 50 sacos de Cebolitos™ equivalem a um bifinho (já ouviram isso?). No filme, é marcante a passagem em que o entrevistador pergunta: “se o produto tem zero gordura trans, o que quer dizer?” “Ah, que faz bem pro coração, né?”

4) o mais importante (e tão óbvio que dá vergonha explicar): criança é… criança. Não tem o discernimento necessário para perceber que uma mensagem publicitária é uma peça de ficção elaborada por adultos espertos e criativos, com o objetivo de despertar no consumidor um desejo em relação ao produto. Impactar a consciência frágil e fantasiosa de uma criança com um filmete publicitário chega a ser uma covardia, de tão fácil. Mostrando na TV os poderes mágicos do salgadinho XYZ, oferecendo à criança um brinquedo (que todo mundo tem na escola, menos ele) junto com o lanche, que pai conseguirá impedir a birra no corredor do supermercado? Além de tudo, “ai, é tão baratinho, deixa de ser pão-duro e faz um agrado pro moleque!”

Pra terminar, Reinaldinho descobriu que o Instituto Alana é dirigido por pessoas ligadas ao Banco Itaú. E aproveitou para construir mais uma das suas incontáveis falácias: saiu caçando anúncios do banco em que houvesse a atuação de crianças. Deu aquela misturada marota no objetivo do Alana (restringir propaganda DIRIGIDA A CRIANÇAS) com o objetivo do Itaú (fazer propaganda DIRIGIDA A ADULTOS usando CRIANÇAS).

Mas fica tranquilão, Reinaldinho: a propaganda do Itaú com o bebê rasgando papel não motivou a petizada a se atirar em porta de banco gritando “mããããe, eu quero abrir uma conta aquiiii!”.

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