terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Jesus, Malafaia e os farisaísmos modernos


Jesus, Malafaia e os farisaísmos modernos

Ser cristão e homofóbico são termos ontologicamente inconciliáveis


Emmanuel Almada - Brasil de Fato
As recentes e recorrentes declarações do pastor Silas Malafaia têm causado revoltas e reação de diversos grupos comprometidos com a defesa dos direitos civis e a dignidade LGBTT. Todavia, um aspecto que chama a atenção em toda essa celeuma é que os pronunciamentos de Malafaia são, em última análise, ícones de uma onda de conservadorismo (político e religioso, ou seus híbridos), fundadas em leituras ultrapassadas e pouco amorosas dos textos bíblicos. O que diria Jesus hoje sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Que diria ele sobre os milhares de homossexuais assassinados todos os anos e outros tantos milhões excluídos e vítimas do preconceito? Se Ele não tratou especificamente deste assunto nos evangelhos, não há duvidas de sua concepção do amor e suas consequências individuais e coletivas.
É preciso lembrar que os textos bíblicos, embora entendidos como revelação de Deus, foram escritos por mãos, pensamentos e corações humanos. O corolário disso é que toda a Bíblia está marcada por preconceitos e contextos culturais do espaço-tempo em que foi escrita.
Por outro lado, uma chave de leitura essencial para todos os textos bíblicos é o anúncio de Cristo da proximidade do Reino e da exigência da vivência incondicional do amor. Se não amas a teu irmão a quem vê, não pode amar ao Pai a quem não vê (João 4, 20). Amar cristicamente implica em acolhida, em viver a diferença, em se abrir para o Mistério e reconhecer a limitação de nossa compreensão como parte desse mesmo movimento de amor. Daí que posturas como a de Malafaia e tantos outros líderes religiosos não se baseiam na vivência do amor ensinado por Jesus, mas numa atenção desproporcional, ingênua e perversa a uma leitura literal da bíblia. Vivem como os fariseus do tempo de Jesus, que confiavam na garantia da salvação pelo cumprimento da Lei. Em nome dessa mesma postura farisaica milhões de indígenas foram (e continuam) massacrados na invasão das Américas, os negros escravizados não tinham alma, as mulheres até hoje são relegadas ao segundo plano na Igreja Católica e a fé no Deus da Vida não gera comprometimento com a luta pela justiça e liberdade.
Professar a fé em Cristo é assumir seu plano de instauração do amor por toda a Terra, é contribuir para que o Mistério que é Deus Pai-Mãe irrompa na história humana, sem exceções, gerando novas estruturas sociais. Ser cristão e homofóbico são termos ontologicamente inconciliáveis. Se o ser cristão implica, muito mais que professar a fé em Jesus, o comprometimento com seu projeto político de amor, a homofobia é um sinal de negação desse amor e do próprio Cristo. É possível viver e praticar o amor sem ser cristão ou mesmo religioso, mas é impossível seguir a Cristo e permanecer na prática dos farisaísmos modernos.
Como bem nos lembra o profeta Amós: Eu odeio e desprezo vossas festas religiosas, desgostam-me essas vossas procissões, não me agradam vossas oferendas, sacrifícios, holocaustos. Afasta de mim o ruído dos teus cantos, não quero ouvir o som de tuas harpas. Mas que o direito corra como água, e a justiça como rio caudaloso (Am 5,21-24).
Emmanuel Almada é biólogo e membro das Pastorais Sociais (RMBH).

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