quarta-feira, 24 de abril de 2013

Defendendo Lula

Sobre Lula colunista do New York Times: Defendendo Lula

Pedro Munhoz

Não sou filiado a nenhum partido político e tento não pautar as leituras que faço da realidade política brasileira pela emoção, embora, muitas vezes, eu faça o exato oposto do que eu prego. Acho importante não confundir partido político com time de futebol e jamais tomei as dores, de forma incondicional, de nenhum deles. Partidos, governos e figuras políticas devem ser criticados quando pisam na bola e de forma dura. Se podemos ser lenientes com um jogador ou um time de futebol por ele se encontrar em uma fase ruim, não acho que o mesmo se aplique à política partidária. Se eu fosse filiado a algum partido e assistisse a uma deturpação, ainda que parcial, de sua plataforma, tentaria lutar internamente para que isso mudasse. Baldados os meus esforços, pediria desfiliação.
Por isso, não sou petista, nem tucano, nem coisa alguma. Não afasto a possibilidade de me filiar a algum partido um dia, com a condição de que essa filiação não me impedisse de exercer o meu direito à crítica, mas sei que isso quase nunca acontece. Votei, no entanto, no Partido dos Trabalhadores em muitas ocasiões e, se por vezes me arrependi de meu voto, em algumas outras, saí, ao término de cada mandato, com a nítida sensação de que fiz a coisa certa. Não tenho vergonha dos meus erros e nem dos meus acertos nas urnas e me sinto absolutamente confortável, repito, para criticar duramente um político que ajudei a eleger.
Votei, por exemplo, duas vezes no ex-presidente Lula e não sinto nenhum pudor em criticá-lo, quando é o caso. Tenho críticas a Lula, a Dilma e aos governos do PT. Creio que as alianças em prol da “governabilidade” feitas pelo partido com legendas fisiológicas, corruptas e notoriamente conservadoras, acabou contribuindo para que muito do projeto de esquerda e de renovação política apregoadas pelo partido antes de sua chegada ao poder acabasse se perdendo no meio do caminho e para que chegássemos a ter que lidar com aberrações como Marco Feliciano e Baliro Maggi em comissões legislativas importantíssimas e diametralmente opostas ao que esses parlamentares representam. Tenho críticas ao pragmatismo a toda prova de certas figuras do partido e aos escândalos de corrupção que acabaram envolvendo uma legenda em que depositei meu voto mais de uma vez.
Lula
Lula durante premiação em Nova York na noite desta segunda-feira (22)
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Critico Lula e confesso um tanto envergonhado, que me sinto mais confortável criticando figuras proeminentes do que as defendendo. É apenas um dos aspectos de minha personalidade que gostaria de mudar. Mas todas as vezes que em que me aventuro no mundo distópico, pós-apocalíptico, dos comentários em portais de notícia e todas as vezes em que visito, por simples masoquismo, a coluna dos blogueiros de Veja, sinto-me na obrigação de defender o ex-presidente com unhas e dentes, irmanando-me, nesse ponto, com os petistas mais fanáticos. Hoje é um bom dia para isso, já que a notícia de que o ex-presidente agora tem uma coluna no New York Times deixou os justiceiros das maiúsculas ouriçados.
Há no Brasil uma série de seres humanos adultos e, supostamente, plenamente aptos para o trabalho, que passam dias inteiros destilando contra Lula, em comentários de portais de notícias e nas redes sociais, o ódio mais abjeto, irracional e disseminado que já presenciei em meu tempo de vida. Os cacoetes de linguagem dessas pessoas são tão marcantes e onipresentes em cada um dos comentários que me sinto tentado a acreditar que todos foram escritos por uma só pessoa, embora seja humanamente impossível para uma só pessoa povoar tantas mídias com suas “opiniões”. Falo daquelas pessoas que escrevem sempre em caixa alta, que grafam “Lulla” ao invés de Lula, que adoram abusar do termo “PeTralha” e que associam toda e qualquer má notícia, de um crime violento à queda da bolsa de Nova York, ao “DES-GOVERNO” petista. São pessoas que passam por cima, como quase todos nós, das regras de ortografia e concordância, mas que não hesitam em chamar o ex-presidente de “apedeuta” (aposto que poucos sabem o que isso significa), analfabeto e ignorante. Adoram quando a mídia, sempre atenta e um tanto ociosa, transforma em notícia um deslize linguístico, geográfico ou histórico cometido por Lula em notícia e, quando isso ocorre, parecem orgulhosos em confessar, sempre com letras maiúsculas, a imensa vergonha que sentem de serem brasileiros. ´
Há, repito, críticas políticas possíveis, ponderáveis e fortes aos governos de Lula e ao PT. Porque então o ódio ao linguajar de Lula, aos modos de Lula, aos hábitos pessoais de Lula, à origem de Lula? Estamos tão ressentidos assim com o fato de termos sido governados por um ex-operário que nos esquecemos de atentar para o que realmente importa?
Não leio, no tipo de comentário que descrevi acima, nenhum conteúdo crítico relevante, nenhuma opinião estruturada. Leio apenas um ódio irracional ao ex-presidente; declarações ressentidas que manifestam uma contínua e raivosa indignação com o fato de Lula ter chegado ao posto mais importante de nosso país pelas vias democráticas. Fica patente, nesse tipo de manifestação, uma dose cavalar de preconceito de classe, já que a despolitização das críticas e a ênfase no modo de falar e na origem humilde do ex-presidente acabam dando a tônica dos chistes. As muitas referências, veladas ou explícitas, à falta de escolaridade de Lula me levam a pensar que esse preconceito é um tantinho guiado por um desejo incontido por fazer do Brasil uma plutocracia sustentada pela educação formal.
Como exemplo desse desejo, cito um amigo meu, que em 2002, época da primeira eleição de Lula, defendia o que julgo ser a máxima expressão do pouco apego à democracia de que padece parcela de nossa elite: seu sonho era que existissem concursos de provas e títulos para os cargos políticos no Brasil ou que, no mínimo, a Constituição estabelecesse requisitos educacionais mínimos para o exercício do direito de votar e ser votado. Ele, que já mudou de idéia, simpatizava em muitos pontos com o projeto do PT, mas não conseguia crer que uma pessoa com pouca escolaridade seria capaz de comandar um país. Se as conclusões de meu amigo lhe parecem razoáveis, sugiro que pense um pouco a respeito.
Você pode me dizer, fazendo coro com as pessoas que critico, que foi uma massa de analfabetos e de pessoas de pouca escolaridade que nos legou um Collor de Mello, um José Sarney, ou qualquer outro político de quem você não gosta e que isso ilustra os muitos perigos que se encerram por trás do direito a voto das pessoas “pouco educadas”. Respondo que quase nunca são os analfabetos e as pessoas de baixa escolaridade que financiam as campanhas milionárias que possibilitam qualquer eleição vitoriosa em nosso atual sistema eleitoral. Respondo, ainda, que, na República Velha (também e, curiosamente, chamada de República dos Bacharéis), vivemos um período muito mais conturbado e marcado pela corrupção endêmica do que o atual e que, nessa época, analfabetos não podiam votar (o direito foi conquistado apenas em 1988). Posso, ainda, responder que as pessoas que têm curso superior no Brasil são, até hoje, uma minoria e que as pessoas que você julga incapazes de escolher ou votar, necessariamente ajudaram a eleger, também, os políticos que você admira.
Diploma 01
‘E pergunto: o que, em toda a história do Brasil, os letrados
que nos governaram legaram às classes mais pobres?’
Foto: Reprodução/Agência Brasil
E pergunto: o que, em toda a história do Brasil, os letrados que nos governaram legaram às classes mais pobres? Quando, durante o mandato de todos os homens notoriamente “cultos” ou “estudados”, que pululam em nosso passado político, assistimos a medidas que visassem combater o maior de nossos males, a desigualdade social? Podemos contar nos dedos, ao longo de mais de quinhentos anos de história, as iniciativas eficientes no sentido de beneficiar a “massa” de pessoas proletarizadas que constitui a maioria de nossa população e, na maior parte delas, as mudanças vieram a reboque de exigência conjunturais imediatas e como estratégia descarada de controle social. Os governos petistas, especialmente os de Lula, deram passos importantes, ainda que modestos, no sentido de minorar os abismos entre as classes sociais. Não digo que uma pessoa com diploma universitário ou mesmo oriunda de nossas elites, não possa trabalhar no sentido de melhorar a qualidade de vida dos mais pobres, mas há que se reconhecer que, em nossa história recente, o governo Lula fez mais nesse sentido do que os anteriores.
Além disso, Lula, o “apedeuta”, demonstrou imensa habilidade política, ao terminar dois mandatos sob ataque cerrado dos maiores meios de comunicação em massa do país e ao implantar projetos que ajudam a melhorar a vida de uma parcela significativa da população, negociando com um poder legislativo majoritariamente indiferente às demandas dos mais pobres. Quer você goste de Lula ou não, você há de reconhecer que a capacidade que ele demonstrou não precisa ser fruto de educação universitária. Lula governou por dois mandatos um dos maiores países do planeta, saiu do governo bem aprovado e encabeçou a implementação de políticas sociais que se tornaram referências mundiais no combate à fome e à miséria.
Porque então você está estranhando tanto o fato de Lula ter ganhado uma coluna no prestigiado jornal norte-americano New York Times? Você realmente acha que os blogueiros de Veja têm mais a dizer do que ele e que, no lugar de Lula, cairia bem um Diogo Mainardi ou um Reinaldo Azevedo que construíram suas carreiras exatamente criticando o Lula?
Diploma, meus amigos, é importante, mas não é tudo. É preciso ter algo a dizer.
** Pedro Munhoz (@pedromunhoz5) advogado e historiador.
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