quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um alerta: Não use os argumentos que os imbecis usam contra você

Um alerta: Não use os argumentos que os imbecis usam contra você

Feliciano, Ronaldo, Mara e as críticas sem cérebro

Gospel LGBT


HOMOFOBIA, TRANSFOBIA, MACHISMO E MISOGINIA: POR QUE INTERNALIZAMOS (E EXTERNALIZAMOS) TUDO ISSO?

por João Marinho

Tenho me mantido quieto até agora sobre certos protestos que acompanhei no Facebookenvolvendo Marco Feliciano, Ronaldo “Fenômeno” e Mara “Maravilha”, mas penso que certas reflexões são, no momento, pertinentes.

Em primeiro lugar, devo dizer que sou plenamente a favor de manifestações críticas a esses personagens.

Marco Feliciano é um pulha, incapaz de tecer qualquer comentário relevante sobre o momento histórico que vive o Brasil, incapaz de apresentar qualquer projeto relevante – mas é o primeiro da fila quando se trata de “fiscalizar” os ânus alheios.

Ronaldo “Fenômeno” foi muito infeliz ao dizer, no momento em que a população – correta ou inadequadamente – pedia por melhoria nos serviços públicos, que Copa não se faz com hospital. Irmanou-se a Pelé, que quis tornar a seleção mais importante que a coisa pública. Seleção é legal de assistir, mas não resolve saúde, educação, transporte. Nem vida.

Mara “Maravilha”, tanto pior. Ao defender Feliciano e chamar gays de “aberração”, une-se ao que de mais retrógrado, fundamentalista e moralmente condenável existe na política, na sociedade e na religião brasileiras.

Merecem todos serem criticados... Mas o problema está NA FORMA como parte dessas críticas têm surgido.

Para Feliciano, tem sido comum dizer que ele é “gay enrustido”, “bicha crente”, “passiva não assumida”, que “precisa de um pau” e outras coisas desse naipe.

Para Ronaldo “Fenômeno”, vi fotos “respondendo” a ele que, se Copa não se faz com hospital, orgia não se faz com travestis.

Mara “Maravilha” tem sido crucificada por ter posado nua e acusada de “hipócrita”, “sirigaita”, “velha” e “decadente”. Aqui, subentende-se que gays não são “aberração”, mas ela, que teve a pachorra de posar nua!

Ora, o que essas críticas dizem a respeito de nós mesmos, externadas, inclusive, por LGBTs e por mulheres?

A meu ver, nada de bom.

Não sei de onde vem a ideia de que homofóbicos são “gays enrustidos”.

Antes que me digam que existem estudos apontando para isso, devo dizer que eu conheço esses estudos e sei, também, ao contrário da maioria, que eles se remetem a certos tipos de homofobia e a certas categorias populacionais. Seus próprios autores alertam que não podem ser generalizados para outros grupos ou populações em termos amplos.

É de se pensar que, de fato, muitos homofóbicos, especialmente os mais agressivos, são, na verdade, pessoas com profundos problemas sexuais e que, tal como a pessoa maníaca por limpeza, tentam “reprimir” desejos do que consideram “sujeira” apelando para o extremo oposto.

No entanto, a homofobia não possui apenas essa face, mais agressiva.

No Ocidente e no Oriente Médio, ela é fortemente calcada em uma cultura judaico-cristã e islâmica, que, inclusive, espalhou-se para outros povos.

A extrema dicotomia artificialmente construída para homens e mulheres – muito superior a qualquer fundamentação biológica possível de analisar – resvala na tese de que o gay, a lésbica, o/a bi é um/a “desviado/a”, que não contempla seu papel dado pela “natureza”. Pior ainda para travestis e transexuais. Argumentos errôneos, sabendo-se hoje que, mesmo em outras espécies, existe comportamento homoerótico e transexual.

Culturalmente, porém, isso ainda contém um forte apelo popular – e resultam daí as milhares de faces da homofobia e de suas derivadas. Da mãe e do pai que se perguntam “onde foi que erraram” ao fato de “viado” (ou “veado”) ser um xingamento comum, no que é possível perceber a herança, difusa e obscena, de considerar o “homem que dá a bunda” como inferior ao “macho”.

O que me constrange nas tirinhas contra Feliciano, publicadas INCLUSIVE POR GAYS, é as pessoas não perceberem toda essa herança verdadeiramente maldita e reforçarem-na.

Sim, porque, não importa quanta raiva justificada você tenha de Feliciano, ao dizer que ele é “gay enrustido”, “bicha crente”, “passiva não assumida”, que “precisa de um pau”, você está, sim, fazendo o mesmíssimo uso homofóbico de considerar a homossexualidade de alguém, real ou suposta, como índice de inferioridade. Como vai exigir respeito depois quando, frente a um preconceituoso, for você o alvo de idêntica estratégia?

É homofobia internalizada, pura e simplesmente.

O que você pensaria, por exemplo, se visse um negro criticando outro partindo justamente da cor da pele daquele outro, porque “se não fez na entrada, faz na saída”? Ou um judeu criticando outro partindo justamente do fato de o segundo ter, vejam só, mãe judia, porque judeus, “óbvio”, são “mãos de vaca e interesseiros”?!

Ridículo, não é?

Então, por que raios criticar Feliciano partindo de uma homossexualidade “suspeita” porque, “claro”, só “bichas malresolvidas” perseguem “as demais”?

Não sei vocês, mas eu não nasci “fora do armário” – e não me recordo, da época em que me escondia entre mofos e gavetas, de, por isso, ter me tornado um Feliciano da vida...

Ora, se Feliciano é homofóbico – e ele o é –, é isso que deve ser criticado, e não sua suposta sexualidade. Mesmo porque, na sociedade homofóbica e heteronormativa em que vivemos, não é preciso ser “enrustido” para ter preconceito. Basta seguir a maré.

O caso de Ronaldo “Fenômeno” já flerta com a transfobia. Não dá para acreditar na história de que ele “se confundiu” com travestis e mulheres. Quem vive em grandes cidades, como São Paulo e Rio, metrópoles que conheço bem – e foi no Rio onde se desenvolveu o imbróglio –, sabe perfeitamente que garotas, garotos e travestis de programa, até por necessidade de público-alvo, não dividem o mesmo espaço urbano. Existe uma divisão geográfica, ainda que informal.

No entanto, se Ronaldo se deixa levar por uma transfobia cultural e prefere passar pelo “carão” de “confuso” em vez de assumir que realmente tinha interesse nas travestis, é esse aspecto transfóbico que deve ser criticado.

O que não pode é explorar uma mensagem que coloca as travestis, já tão marginalizadas, como um anátema, portadoras de algum aspecto “nojento”, que as impediria de serem candidatas a momentos de prazer com outrem, ainda que num bacanal.

As críticas direcionadas a Mara “Maravilha” já flertam com o machismo e a misoginia. Sim, Mara foi infeliz até a medula em sua declaração e merece toda a nossa revolta por isso.

No entanto, que fique claro. O que deve ser criticado em Mara é sua homofobia e seu fundamentalismo religioso da pior espécie. Não é o fato de ter posado nua, de ser “sirigaita”, de ter “dado mais que chuchu na serra”, de estar “velha”.

Mara ou não, o corpo da mulher é da mulher – e o uso que ela faz dele é de foro personalíssimo. Até quando flertaremos com a ideia de que o número de parceiros sexuais ou a exposição do corpo e da nudez determinam o grau de empatia, moralidade, respeitabilidade de alguém?

Há mulheres prostitutas, e muito felizes, como na censurada campanha do Ministério da Saúde, que dão um banho em termos de respeito ao próximo frente à beata virgem mais intransigente. Ademais, idade, que eu saiba, não é defeito.

Ao criticar Mara por ter posado nua, flerta-se com a pior espécie de machismo. Aquele que quer ter controle sobre o corpo da mulher – e que, na impossibilidade de tê-lo, faz do corpo da mulher e do uso soberano que a mesma lhe dá razão para agredi-la socialmente.

Então, você gay, você lésbica, você mulher, você travesti, trans, bissexual... E você hétero consciente... PAREM! Parem de fazer uso dessa cultura triste e brasileira e saibam criticar sem utilizar os mesmos argumentos do que aqueles imbecis que, vira e mexe, atacam você.


.

0 comentários: