sexta-feira, 5 de julho de 2013

Médicos defendem a vinda de médicos estrangeiros: “Nossos médicos não sabem mais fazer uma boa clínica"

Médicos defendem a vinda de médicos estrangeiros: “Nossos médicos não sabem mais fazer uma boa clínica"

Eles defendem a vinda de médicos estrangeiros para os rincões do País

"Nossos médicos não são bons clínicos e se baseiam só em exames. Não dá para equipar um hospital no interior com tantos equipamentos", diz doutor em Saúde

De sua casa em Araguaína, interior de Tocantins, Eduardo Medrado, cirurgião geral aposentado de 67 anos, observa a polêmica da vinda dos médicos estrangeiros ao Brasil com atenção.
Em 1995, então secretário estadual de Saúde, ele firmou um acordo com Cuba para trazer médicos cubanos para o interior do Tocantins. “A ideia inicial era ‘importar’ 200 médicos, mas, no fim, vieram 90 médicos distribuídos em várias etapas entre 1995 e 2002”, diz.
“Foi uma experiência muito boa. O médico cubano tinha formação socialista. Aqui no Tocantins a maioria das casas era de palha. Qual é o médico brasileiro, de classe média, que vai querer morar numa casa de palha?”, questiona Medrado, com uma leve risada.
Marco Aurélio da Rosa, doutor em Educação e Saúde pela Universidade de Sorbonne, na França, e com pós-doutorado na Universidade de Bologna, Itália, também é favorável à vinda de cubanos para os rincões do País. Para ele a questão não se resume apenas à falta de interesse dos profissionais brasileiros em irem para o interior, mas está relacionada principalmente com a má formação do médicos no Brasil.
“Os nossos médicos estão mal preparados e têm medo de ir para o interior, pois lá eles não encontram a mesma infraestrutura que encontram em hospitais das capitais do País”, diz o gaúcho, que atualmente é professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Rosa também afirma que já foi comprovado que o problema não é dinheiro, pois muitas prefeituras do interior oferecem altos salários, alguns chegam a R$ 20 mil.
Para ele, o problema está no tipo de medicina ensinado, baseado apenas em exames de alta tecnologia e não no exame clínico, que torna a oferta de emprego no interior descolada da expectativa profissional dos recém-formados.
“Nossos médicos não sabem mais fazer uma boa clínica e baseiam os seus atendimentos apenas em exames. Não dá para equipar um hospital no interior do País com tantos equipamentos assim para fazer exames”, disse.
Marco Aurélio da Rosa, no entanto, é contra a vinda de médicos portugueses ou espanhóis para o Brasil. “Os médicos da Espanha ou de Portugal vêm para cá para disputar mercado com os nossos médicos nos grandes centros do País, pois não há mais mercado para eles na Europa. Eles também não vão querer ir para o interior do Brasil. Quem vai para lá é o médico cubano que recebe esta formação social e a ideia é que eles fiquem por um período apenas”, disse.
De acordo com o Rosa, o Brasil tem dois milhões de brasileiros em áreas sem atendimento médico.
“Temos 6.602 unidades construídas e que estão sem médico, só com enfermeiro, principalmente em regiões da Amazônia, interior do Nordeste. O que se pretende fazer com isto? Quem topa ir para a Amazônia?”
De acordo com o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D'Ávila, há 1,8 médicos para cada mil habitantes no País. Porém, ele reconhece que há desigualdade entre as regiões.
Experiência no Tocantins
No projeto do Tocantins, os médicos cubanos passavam um mês estagiando no Hospital Público de Doenças Tropicais de Araguaína.
“Neste estágio eles se atualizavam sobre vacinação e doenças imunopreveníveis. De malária, por exemplo, eles não sabiam nada, mas como tinham boa formação em fisiopatologia aprenderam rápido.”
Medrado conta que os médicos cubanos recebiam o mesmo salário que os brasileiros. “O salário era de 8 mil ou 10 mil, uma fortuna para eles. O governo cubano cobrava 30% do que eles ganhavam independentemente se fosse do hospital público ou do particular. E eles pagavam. Claro, o governo deu a educação.”
O cirurgião-geral aposentado conta que o problema da falta de médico no Tocantins foi solucionado, na época, “a partir da complementaridade” entre brasileiros e cubanos.
“Não tínhamos médicos brasileiros de todas as especialidades que precisávamos. Com a vinda dos cubanos, os 17 hospitais ficaram com todas as especialidades”, disse. Ele conta que, antes do projeto, conseguiam preencher apenas 50% das vagas com brasileiros. As principais carências eram especialistas em ortopedia, anestesista e cirurgia.
De acordo com Medrado, em 1995, havia apenas 64 leitos em todo o Estado – que tem 139 municípios. ”Com os cubanos foi para 2.640”, afirma.
O entrosamento entre os médicos dos dois países não foi imediato. “É uma formação diferente. Um é socialista o outro capitalista”, brinca o médico que teve a vida política iniciada no PC do B, quando ainda era estudante de medicina na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Medrado conta também que logo os brasileiros passaram a atuar nas clínicas particulares, enquanto os cubanos permaneciam no SUS.
“Porém o dermatologista cubano é melhor que o brasileiro, né? E todo mundo ia se consultar no SUS. Com o tempo os cubanos foram trabalhar também nas clínicas particulares.”
Idioma e doenças locais
Uma das principais críticas do Conselho Federal de Medicinal para o atual projeto de “importação” de médicos estrangeiros é rebatida por Medrado. Ele afirma que a diferença de idioma entre médico e paciente no programa realizado no Tocantins não era problema.
“É melhor ter um médico que fale espanhol do que nenhum. Precisávamos resolver o problema de falta de opção."
Embora lembre do projeto com muita alegria, Medrado afirma que teve problemas com a baixa aceitação no Conselho Federal de Medicina. Algo que acredita que irá se repetir com o novo plano do governo.
“Foi muito difícil para conseguir emplacar este projeto. Eu respondi por 25 processos entre 1995 até 2010. Só não gastei com advogado porque meu filho é advogado”, conta.
Medrado afirma que na época tinha de responder em vários estados brasileiros aos processos do Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina.
“No Amapá, fui recebido no aeroporto por médicos segurando cartolinas contra mim. Cheguei a ficar 30 dias sem exercer a medicina por causa de um processo”, diz.
Embora admire a formação socialista dos médicos cubanos, Medrado entende a falta de interesse dos médicos brasileiros em preencher vagas em hospitais nos rincões do País. Além do filho advogado, Medrado tem uma filha que é médica. “Eu tiro a medida por mim, se eu tivesse um filho que fosse trabalhar no interior do Tocantins, eu não ia deixar.”A filha de Medrado trabalha na Beneficência Portuguesa em São Paulo.
.IG

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