sábado, 10 de agosto de 2013

O estuprador já tem voz e fala mais alto que a vítima

O estuprador já tem voz e fala mais alto que a vítima

A maior digressão do mundo

Não é função minha e nem de ninguém confiscar carteirinhas feministas. Desde que embarquei no feminismo entendi ser essa uma luta plural, com espaço para as mais diferentes opiniões. Por isso, mesmo com todo o respeito que tenho pela Lola Aronovich (que é uma das minhas maiores referências em feminismo), me sinto no direito de discordar. Não é a primeira vez que discordo da Lola, mas é a primeira vez que senti o desejo de expressar essa divergência. Esse texto não é um ataque, mas um contraponto ao guestpost da Lola escrito por um estuprador arrependido.

O estuprador tem voz e fala mais alto que a vítima. Quando acontece um estupro, não podemos supor que as duas pessoas envolvidas (estuprador e vítima) tem o mesmo poder, um sobre o outro. E que por isso devemos observar friamente a situação como se pesássemos em uma balança ou nos dividir em duas partes igualmente predispostas a aceitar a culpa ou o arrependimento do agressor. Na balança do estupro, o que pesa mais é sempre o trauma da vítima. 

Publicado no Washington Post
Não vivemos em uma sociedade igualitária onde se escutam os dois lados. O lado da vítima não é o lado mais ouvido, caso contrário não haveria um gráfico de condenação em casos de estupro como este ao lado. A vítima do estupro se torna ré, tem sua denúncia deslegitimada, é chamada de suposta vítima. Tudo na pessoa que foi estuprada é analisado buscando justificar os atos do seu agressor. E não é à toa que quem sofre o estupro se culpa, pois é assim que ela é tratada: como o motivo, a justificativa, a razão de ser do estupro. 

Estupradores não se identificam como tal por um motivo: Cultura do estupro. Os homens são criados para não respeitar o espaço da mulheres em todas as instâncias. Por isso seguem sem se questionar porque ganham mais ou tem melhores oportunidades de emprego que a amiga, ou jogam cantadas para mulheres nas ruas ou ainda pior: estupram. Tudo sob um manto de normalidade. Impera o silêncio nas agressões sexuais dentro da família. A família é uma zona cinzenta onde a agressão tem status de normalidade. Ninguém quer falar sobre isso, pois a família deve ser o refúgio de amor. E onde há o amor, a agressão não poderia existir. Mas ela existe e é varrida para baixo do tapete, escondida com ameaças, vergonha e medo.

Aos que encaram o estupro apenas como a penetração, recomendo se informar. A chave para o entendimento reside em duas palavras: "Não consensual". Qualquer passada de mão não consensual é tipificado com estupro no código penal. Defender isso numa lei escrita e a sua devida aplicação não é punitivismo, é proteção. Ninguém acredita que o sistema penitenciário brasileiro é perfeito e que seja o ambiente propício para a reabilitação. Porém a simples alegação de arrependimento não significa que: 1- O agressor está de fato arrependido, e 2 - Que esse arrependimento será suficiente para que ele não volte a agredir. É preciso lembrar que o arrependimento como argumento para o perdão é um dos motivos pelos quais a violência doméstica se perpetua. O agressor se arrepende, a vítima perdoa, a violência segue seu ciclo.

Para todos os efeitos, arrependimento e perdão são questões muito entrelaçadas às religiões. E não é a religião que deve regular a justiça. A justiça não deve medir os arrependimentos, ela deveria medir os fatos, as provas, o contexto (sem com isso tentar justificar com "ela estava pedindo por isso"). Cabe sim, à justiça, ouvir os dois lados.

O que eu acho problemático é que diante de um cenário desproporcional onde pouco se ouve a vítima, estejamos ainda, em ambientes libertários, dando mais voz aos agressores do que eles já têm. Como disse Ayres Britto, "A mesma liberdade para cordeiros e lobos é excelente para os lobos". Uma boa definição de isonomia. Eu defendo o direito do estuprador a se defender, se arrepender, tentar melhorar, se reabilitar, procurar apoio psicológico e etc. Eu defendo esse homem como a qualquer pessoa que seja acusado de um crime. Porém, aqui fora dos tribunais, onde a vítima pedirá socorro, eu estarei mais disposta a ouví-la. Porque o feminismo que eu defendo empodera as mulheres. Sejam elas cis ou trans, brancas ou negras, pobres ou ricas e etc. O machismo afeta cada uma de nós de forma diferente, por isso eu busco (nem sempre consigo) um feminismo interseccional, mas que esteja sempre ao lado das mulheres.  Serei prolixa: Feminismo pró-mulher (óbvio? redundante? sim, mas às vezes é preciso recordar). Isso não significa que eu queira dizer que homens não são oprimidos pelo patriarcado, porém, esse não é o meu foco da luta. Eu entendo que o patriarcado também oprima aos homens, mas a opressão sobre as mulheres é muito maior, mais abusiva e violenta. 

Não concordo em ceder espaço a quem estupra, ainda que essa pessoa alegue arrependimento, não nos empodera. Pelo contrário, há um risco enorme de trigger. Não acho justo fazer isso com as leitoras que já sofreram abusos. E acredito que chamar quem deseja que o estuprador cumpra o seu tempo de prisão, estipulado pela justiça, de punitivismo, é silenciar vítimas. Não são só as feministas que desejam que o estuprador seja preso (esse do guestpost, ou outro estuprador), mas também as suas vítimas. Essa afirmação só coloca mais dúvidas e culpa em quem sofreu a violência. Então, por hoje é só, pessoal. Peço desculpas por criticar longamente um posicionamento de uma companheira, mas preferi fazê-lo da forma mais clara possível, sem dar margem para que me chamem de difamadora, caluniadora, sem sororidade e etc.

PS1: Mais um texto sobre o assunto: Arrependimento não leva para o céu feminista.
PS2: Não estou dizendo que a Lola não dá voz a vítima, sabemos que é bem o contrário.
Voltamos agora à nossa programação normal.

1 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito, RÔ, Perfeito!
- Janeslei