quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"Eu era escrava sexual dele", diz mulher que atirou 12 vezes no ex

"Eu era escrava sexual dele", diz mulher que atirou 12 vezes no ex

Ana Raquel Santos da Trindade vive com medo mesmo depois da morte do homem


"Eu era escrava sexual dele", diz mulher que atirou 12 vezes no ex Léo Cardoso/Agencia RBS

Ana Raquel Santos da Trindade, 29, saiu da cadeia, mas ainda vive trancada com medo atrás das grades da casa que foi cenário do pior momento de sua vida. Nem mesmo o reforço no muro com cerca elétrica e um portão de ferro foram suficientes para impedir que seu ex-namorado, Renato Patrick Machado de Menezes, 35, entrasse no local para agredir, estuprar e ameaçar Ana, até o último dia 16 de novembro, quando a mulher disparou 12 vezes contra o ex. Nove tiros acertaram o comerciante  35 anos, que morreu duas semanas depois no hospital. 

A massagista ainda não tem a menor ideia de como será a vida daqui para frente. Durante os 24 dias em que esteve presa, Ana pensou várias vezes em tirar a própria vida, mas recebeu forças das outras detentas, que a aplaudiram quando deixou a cadeia. No retorno para casa, recebeu inúmeras mensagens de apoio pelas redes sociais, e pedidos de ajuda de mulheres que sofrem de violência sexual e doméstica.

 — Não me sinto uma heroína. Só queria viver em paz, lembrei de todas as ameaças contra o meu filho, tudo que ele já nos fez passar — disse. 

Soltura ocorreu por decisão unânime 

A 2ª câmara criminal concedeu por unanimidade o alvará de soltura no dia 9 de dezembro, porém com medidas cautelares. Ana Raquel precisará comparecer semanalmente em juízo, e também está proibida de se ausentar de Florianópolis. O advogado da massagista, Lídio Moises da Cruz, explica que os desembargadores entenderam que a Ana não representa perigo à ordem pública, por isso ela ganhou o direito de responder em liberdade.

— Ela ainda está indiciada por tentativa de homicídio, mas agora que o homem morreu o Ministério Público deve trocar a denúncia quando receber o atestado de óbito. No decorrer do processo vamos provar que ela agiu para se defender. Todos os fatos mostram isso, os mais de 20 boletins de ocorrência e já conversei com um delegado que estava concluindo um processo para pedir uma medida restritiva contra ele pouco antes disso acontecer — explicou Lídio. 

Em um papel higiênico na prisão, Ana Raquel escreveu um carta relatando o drama que viveu. Segundo ela, desde o ano passado, era tratada como uma escrava sexual do comerciante. 

Contraponto 

A reportagem tentou localizar algum familiar de Renato, porém não obteve sucesso. Segundo Ana Raquel, ele relatava ser do Mato Grosso, e teria sido rejeito pela mãe na infância. Atualmente ele vivia em São Paulo, e vinha com frequência para Florianópolis atrás de Ana.  

Confira a entrevista:

Hora _ Como vocês se conheceram? 

Ana Raquel Santos da Trindade : Eu trabalhava com massagens tântricas. É um tipo de massagem que trabalha com a energia sexual da pessoa. Infelizmente, muita gente confunde com prostituição, mas não é. O Renato entrou em contato comigo para trabalhar com ele em Curitiba (PR), disse que estava montando uma nova equipe por lá. Ele foi me buscar na rodoviária e, depois, sumiu por uns três dias. Quando ele voltou, primeiro, disse que ia fazer uma massagem em mim. E confiei, em princípio, ele era o meu chefe. Não imaginava que ele estava drogado e que eu seria estuprada. Fui dopada, trancada no quarto, lembro dele em cima de mim tendo relações comigo. E ele não era o único. Várias vezes, ele trazia alguns amigos que pagavam para ele para ter relações comigo. Eu estava fraca demais para conseguir reagir.

Hora _ Você não tentou fugir? 

Ana _ Tentei fugir várias vezes de lá, em uma ocasião ele chegou a agredir um taxista enquanto eu tentava entrar no táxi. Ele me ameaçava. Ameaçava matar a minha família, o meu filho. Várias vezes, pedi para me matar, mas ele dizia que eu estava dando lucros para ele. Quando eu me comportava, ele deixava eu ligar para o meu filho uma vez por dia e mandava eu entrar no Facebook e colocar alguma coisa para as pessoas acharem que eu estava bem. Tudo monitorado por ele. Passei a colaborar. Eu era a escrava sexual dele. Então, ele fez eu me relacionar com ele ou mataria o meu filho. Quando consegui voltar para Florianópolis, ele veio atrás de mim. Em seis meses me mudei 11 vezes, até vir para esta casa. 

Hora _ Por que ele fazia isso com você? 

Ana _ Ele achou um jeito fácil de ganhar dinheiro: fazer as terapeutas sexuais, como nós chamamos quem trabalha com massagem tântrica, se prostituírem. Eu não aceitava isso. Como eu sabia que ele estava metido com isso, ficava me ameaçando. Via ele enrolar as terapeutas. Ele manipulava as pessoas. Elas tinham de fazer as massagens, e ele começava a segurar o dinheiro, só entregava se elas fizessem programas. Sei de várias que foram estupradas por ele, mas ele as fazia pensar que era culpa delas. Eu muito vezes senti isso. porque tinha pena, ele contava que havia sido rejeitado pela mãe na infância, e eu acabava cedendo as investidas. Ele dizia que queria casar comigo, mas sempre queria ter relações sexuais, e com várias mulher. 

Hora _ Você teve de se prostituir outras vezes? 

Ana _ Teve uma vez que ele me vendeu por R$ 3 mil. Cheguei no hotel, e o cliente já estava esperando. Disse que queria o serviço porque eu estava sendo bem paga. Comecei a chorar e acabei comovendo o cliente. 

Hora _ Por que você resolveu comprar uma arma? 

Ana _ Quando consegui voltar para Florianópolis, ele veio atrás de mim. Em seis meses me mudei 11 vezes, até vir para esta casa. Coloquei a cerca elétrica ele estragou. Uma semana antes do meu aniversário, em outubro, ele quebrou a chapa de ferro do portão da minha casa e entrou por baixo dele. Fazia cinco minutos que eu tinha colocado o meu filho na van da escola. O Renato achou que eu estava com o meu namorado em casa. Quando vi, ele tinha arrombado a porta e estava apontando a arma para mim. Me joguei no chão. Ele estava transtornado, foi pela casa inteira, mas o meu namorado não estava lá. Ele me ligava 100 vezes por dia, me mandava fotos minhas e do meu filho tiradas de longe, para mostrar que eu estava sendo vigiada. Cinco dias depois, consegui a arma.

Hora _ A sua mãe falou que você comprou a arma porque pretendia se matar. Era essa a sua intenção? 

Ana _ Eu já tinha tentado me matar várias vezes. Não aguentava mais o que estava acontecendo, viver sempre com medo. Tentei tomar remédios, cortar os pulsos. Não queria viver trancada dentro de casa com ele me ameaçando. Mas acho que não teria coragem de me matar com uma arma. O que eu queria com ela era me defender. Porque, a maior parte das vezes, ele ameaçava o meu filho para eu ir para a cama com ele, e duas vezes tentou me esfaquear na frente do meu filho. 

Hora _ Você sabia manusear uma arma, tinha feito alguma aula de tiro? 
Ana _ Nunca. 

Hora _ E como você acabou atirando nele? 
Ana _ Ele chegou na minha casa junto com a minha mãe, que ficou esperando no carro. Temos um relacionamento complicado, e minha mãe queria eu ficasse com ele. Ele começou a se masturbar e veio para cima de mim. Eu disse que não queria e que tinha nojo dele. Ele botou o dedo na minha cara e disse que ia me matar, mas que, antes, ia matar o meu filho e o meu namorado, porque queria me ver sofrer. Eu guardava a arma embaixo do colchão. Eu não tinha intenção de atirar. Mas ele veio para cima de mim, e eu atirei. 

Hora _ Foram 12 tiros. Por que tantos disparos?

Ana _ Eu nunca tinha atirado na minha vida. Dei o primeiro tiro, e ele saiu correndo, então, comecei a atirar sem parar. Muitos questionam por que recarreguei a arma, mas, se não tivesse recarregado, quem estaria morta agora seria eu.

Hora _ A sua intenção era matá-lo?

Ana _ Na hora, veio na minha cabeça tudo o que eu passei, toda a raiva do que ele estava fazendo para mim por quase dois anos. Porque não fui estuprada só uma vez. Ele me deixou presa em um quarto, me amarrou, me drogou, fui um tipo de escrava sexual dele. Na minha cabeça, não imaginava que ele ia morrer. Fiquei paralisada, chamei a polícia.

Hora _ E quando você soube que ele morreu?

Ana _ Eu estava na cadeia. Foi meu irmão que me contou. Foi um alívio, mas ainda estou com medo. Às vezes, parece que ele vai entrar na minha casa de novo. Estou respondendo em liberdade, mas estou com medo. Ele tinha colocado capangas atrás de mim. Ainda tenho medo, por mim e pelo meu filho. Todo o dinheiro que eu tinha guardado gastei agora com o advogado. Penso que quando tudo isso passar quer viver em paz com meu filho.

Hora _ Você saiu aplaudida da prisão. Por quê? 

Ana _ Como dizem, eu balancei a cadeia. As presas gritavam, aplaudiam sem parar. Tanto quando eu cheguei quanto quando eu saí. Na prisão, conheci uma mulher de Curitiba que conhecia o Renato e contou que viveu a mesma história e que outras mulheres também tinham sido vítimas dele.


.Diário Catarinense

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