domingo, 7 de março de 2010

Mulheres que mudaram o mundo - 9 Heloneida Studart

Heloneida Studart, a feminista


Criada para ser mãe-de-família, Heloneida Studart nasceu e cresceu no Ceará, até decidir que adotaria o Rio de Janeiro como a sua segunda cidade. Achava que se ficasse em Fortaleza, teria a sina de tantas mulheres nordestinas e seria apenas dona-de-casa com uma enorme prole. Filha de família tradicional nordestina _ e descendente do Barão Studart_, foi preparada para se casar com alguém do seu nível social. Mas resolveu contrariar as regras de família, estabelecidas logo cedo. Aos 18 anos, decidiu que viria para o Rio de Janeiro em busca da realização de dois sonhos: ser escritora e jornalista.

Heloneida era uma menina tímida e fez dos livros seus companheiros desde a infância. Alfabetizou-se bem cedo, pelas mãos da babá, semi-analfabeta. Para a surpresa da família, que não acreditava no feito,quando tinha apenas cinco se divertia ao contar que leu a sua primeira notícia no jornal: “Paris está em chamas”. Foi um alvoroço. A pequena Helô havia aprendido a ler, com a ajuda da babá, sem que ninguém tivesse percebido.
No Rio, ela selaria para sempre o seu destino: conheceu numa palestra o húngaro Franz Orban, quando trabalhava na biblioteca volante do Sesi, em 1952. Na foto do álbum de família, o casamento parecia “caretão”, como gostava de dizer Heloneida, sempre que mostrava a foto às visitas. Mas começaria ali um relacionamento diferente. Os dois passaram a morar em casas separadas depois que os filhos foram viver suas vidas. Mas o “Gordo”, como Heloneida se referia carinhosamente, e de forma brincalhona ao marido, conviveria com a líder feminista até o fim da vida: ficaram casados para sempre.

Helô, como gostava de ser chamada pelos amigos, procurava não se enquadrar às regras familiares, mas de uma coisa não escapou: se tornaria mãe de uma prole de seis filhos, todos homens, nascidos ao longo de dez anos: Francisco, João, Juarez, Marcos, Vicente e Cristóvão. Passou praticamente uma década como parideira. Costumava carregar as crianças atrás dela para o trabalho e alguns atuaram na política com a mãe até o fim da vida, como Cristóvão e João.

Heloneida era uma pessoa simples, alegre e gostava muito de cozinhar. Mas já avisava que só cozinhava para quem gostava. A vocação para a política e para a culinária fez Heloneida famosa também pelos pratos que cozinhava, como a Galinha Húngara, que acabou virando o cartão de visitas de vários encontros políticos e das suas campanhas.

Adorava de ver a família reunida em grandes almoços de fim-de-semana. Invariavelmente, recebia a todos sentada na sua cadeira de balanço, que ficava no centro do apartamento simples, de dois quartos, na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, onde morou boa parte da vida. Depois do Leme e do Ceará, sua paixão era a casa de Maricá, onde passava as horas escrevendo e próxima dos netos, paixões tão grandes quanto os filhos.

Em 2006, a Fundação de Mulheres Suíças escolheu mil mulheres para concorrerem coletivamente ao prêmio Nobel da Paz. Dentre elas, 52 eram brasileiras e Heloneida estava entre elas, por causa de sua luta parlamentar e feminista.

O interesse de Heloneida pela política começou muito antes de iniciar a vida pública como deputada, em 1978. Jornalista de sucesso, era filiada ao Partido Comunista Brasileiro e presidente do sindicato dos escritores, o Senalba. Presa em 1969, cassada pelo AI-5, perdeu o emprego em todas as redações e inclusive no Sesi, onde trabalhava na biblioteca volante, que levava livros para os conjuntos habitacionais na zona norte e no subúrbio. Ao ser presa, ganhou uma extensa ficha no Departamento de Ordem Política e Social, a polícia política do regime militar. Suas histórias da prisão deram origem a dois episódios do caso verdade da TV Globo: “Não roubaras” e “Quero meu filho”.

Um momento marcante no feminismo no Brasil se deu logo após o Congresso Internacional de Mulheres no México, em 1975. A jornalista fez a cobertura pela Revista Manchete e, no mesmo ano, ela, Rose Marie Muraro, Moema Toscano, Branca Moreira Alves, Fanny Tabak e Maria do Espírito Santo Cardoso criaram o Centro da Mulher Brasileira, considerado um dos precursores do movimento feminista no Brasil. A entidade existe ainda hoje e é presidida por Salete Macaloz, com quem Heloneida realizou várias campanhas em prol das mulheres.


O início da carreira política começou em 1978, pelo MDB, com 58 mil votos ainda durante o regime militar. Com o fim do bipartidarismo e a criação do PMDB, em 1979, fruto da fusão entre o PP e o MDB, a primeira eleição direta após a ditadura aconteceria em 1982. Heloneida estava filiada ao partido e perdeu para o fenômeno Brizola no Rio. Ela e vários candidatos do PMDB, como o amigo e advogado Marcelo Cerqueira, não conseguiram se reeleger. Derrotada, receberia da amiga e radialista Cidinha Campos o convite para ser redatora do programa Cidinha Livre, da Rádio Tupi, e se tornaria debatedora do programa que já era líder de audiência. Nessa época, Cidinha ainda não havia sido convidada por Brizola a se lançar na política. Estava selada ali uma aliança que duraria até o fim da vida.

Heloneida Studart voltou a exercer o mandato na Assembléia Legislativa de Janeiro, em 1986, filiada ao PMDB e com uma votação marcante. Em seguida, participou em Brasília do importante lobby em favor das mulheres, a “Bancada do Batom”, que reuniu diversas parlamentares na luta pela inclusão de novos direitos para as mulheres na Constituição, com destaque para a licença maternidade de 120 dias. Em 1990 filiou-se ao PT, de onde nunca mais saiu e se reelegeu nas eleições de 1994, ficou como suplente na de 1998,tomando posse em 2001 e se reelegeu em 2002 pela última vez. Em seu primeiro mandato pelo PT, durante o período das privatizações, destacou-se na luta pelo nacionalismo ao lado de figuras importantes como o jornalista Barbosa Lima Sobrinho e Luiz Inácio Lula da Silva.


Como deputada estadual, por seis mandatos, a deputada aprovou diversas leis que beneficiaram as mulheres, entre as mais recentes, a que garante a cirurgia reparadora da mama em mulheres mutiladas pelo câncer; a do exame de DNA gratuito na rede estadual para mulheres pobres; a que previne a síndrome acoólica fetal, entre outras. A íntegra das leis pode ser obtida no site da Alerj
http://www.alerj.rj.gov.br/ clicando em “leis aprovadas”.

Durante todo o tempo em que esteve na Alerj, não fez apenas leis, se destacou como presidente da Comissão de Direitos Humanos e foi vice-presidente da Casa. Seu lema na vida pública como deputada estadual da Assembléia Legislativa, pode resumir sua atuação neste parlamento: uma vida de lutas, uma mulher de valor.



O feminismo ainda engatinhava no Brasil quando Heloneida se uniu a mulheres como Rose Marie Muraro, Branca Moreira Alves, Moema Toscano para criar a primeira instituição voltada para a questão feminina, o Centro da Mulher Brasileira, que existe até hoje.A luta que agora parece coisa do passado representou o primeiro passo para a liberdade feminina. E Heloneida foi a jornalista que traduziu esse sentimento de liberdade ao escrever o clássico "Mulher objeto de cama e mesa". Um livro obrigatório para quem quer entender o Brasil dos anos 70 e as origens do movimento feminista no Brasil.

2 comentários:

Roanna disse...

Tive o prazer e a sorte de conviver com Helô, aprendi muito e desejo compartilhar a história dessa guerreira com vocês, se deliciem.

La Pasionaria disse...

Como uma das inúmeras mulheres brasileiras vitimizadas por um câncer de mama, posso assegurar a importância dessa lei, que garante às mulheres mastectomizadas reconstruir suas mamas pelo SUS, antes privilégio só das que podiam pagar a cirurgia.
Obriga Heloneida, em nome de todas as mulheres brasileiras.
Obrigada Rosangel Basso por nos trazer essa linda biografia.