quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O crack, o leite das crianças em São Paulo






















Como aponta o texto linkado, nesta campanha eleitoral o mote de todos os candidatos é o maldito crack. As campanhas eleitorais são pautadas por temas que, na realidade, já ultrapassaram o nível do aceitável por qualquer sociedade minimamente organizada.
Para a sociedade paulista o tema já ultrapassou, e muito, o limite do aceitável .
A cracolândia é o cartão postal da babárie e poderia ser incluído no roteiro turístico da cidade de São Paulo como uma das ruínas de uma civilização, assim como está no roteiro turístico de Roma o Coliseu.


Porém, neste possível ponto turistico da cidade de São Paulo, não há apenas ruinas de edificações. Há ruínas de vidas humanas e de uma sociedade inteira.

Mas a cracolândia não é o único ponto turístico maldito da cidade de São Paulo, a oferta de espetáculos dessa barbárie pode ser visto por todos os bairros da cidade.

O mago da revitalização e higienização do centro de São Paulo, Andrea Matarazzo , que é quase um irmão siamês de José Serra esteve à frente da secretária das sub prefreituras na durante a breve passagem do prefeito Serra pela cidade de São Paulo. Eficientíssimo na sua tarefa de revitalizar e higienizar o centro da cidade, fez uma verdadeira operação "espalha entulho" do centro para os bairros, pois maquiar o centro da cidade era para ele ponto de honra.

O bairro em que moro, relativamente perto do centro, passou a ser um dos pontos procurados por esses zumbis para se abrigar.

O bairro passou por transformções radicais:

As bocas de fumo, que antes eram especializadas em venda de maconha e cocaína, passou a ofertar preferencialmente a pedra maldita, afinal no limbo da sociedade capitalista a lei da oferta e da procura também vigora.

Jovens e crianças passaram a dormir nas calçadas do bairro dando aos moradores, atônitos , a oportunidade de ver um dos espetáculos mais dantescos de uma sociedade em decomposição.

Na calçada de minha casa, passou a morar um jovem de 26 anos.

Magro, sem os dentes da frente, cabelos loiros e encaracolados pela sujeira de muito tempo sem um banho.

Dormia o dia inteiro enrolado em um cobertor imundo, debaixo de um sol de verão de quase 35 graus. Lá pelas 18/19 hs. levantava-se e começava a sua peregrinação em busca de recursos para comprar a pedra do diabo.

Um dia o acordei, pois o jovem estava ressecado como uma múmia egipcia, para pedir-lhe que procurasse um lugar onde houvesse um sombra e lhe ofereci água fresca.

Fiquei impressionada com a educação do jovem e com a conciência que tinha do seu problema, quando sóbrio é óbvio.

Disse-me que já havia trabalhado numa companhia área, que tinha estudado até o nível médio, que estava nessa vida há 10 anos e que sua família, desiludida o havia expulsado de casa.

A aproximação foi lenta e gradual pois o jovem desconfiava de tudo e de todos, pela chamada "nóia" que a dependência causa e por já ter sido escurraçado e espancado pela polícia, por comerciantes e até pela própria família.

Após algumas semanas de aproximação ele me disse que não aguentava mais viver nas ruas, que não aguentava mais o sofrimento que a dependência do crack causava e que se pudesse iria se tratar.

Daí começou o meu drama, pois como diz o Pequeno Principe: você é responsável por tudo o que conquista e eu havia conquistado a confiança do jovem.

Foram ligações e mais ligações para a prefeitura solicitando da Assistência Social que me ajudasse a encontrar uma clínica para interná-lo.

Depois de saturar as atendentes e assistentes sociais com meus telefonemas, mandaram uma Kombi com um motorista e uma senhora que se apresentou como assistente social.

Me informou que o levariam para um abrigo da prefeitura para passar a noite, mas que na manhã seguinte ele teria que deixar o abrigo. Eram as regras.

Mas como assim?

Quando alguém chama o Samu para remover um enfartado ou acidentado ele não é internado e tratado de sua doença?

Será que o poder público não reconhece que um dependente de crack é uma pessoa enferma?

A assistente social da prefeitura me disse:

Nós não podemos fazer nada, pois não há nenhuma clínica pública para dependentes de crack.

Agradeci a "visita" da assistente social, me desculpei por ocupar o precioso tempo dela e mandei-a "passar muito bem", enviando "lembranças" ao Serra e ao Andrea Matarazzo.

Consegui, depois de algum tempo, internação para esse jovem numa comunidade terapêutica mantida por uma igreja católica do Ipiranga.Nao sei se deu resultado, pois não tive mais contato com ele.

Cada vez que vejo, na propaganda eleitoral para presidente, o Serra dizer que vai construir não sei quantas clínicas de recuperção de usuários de crack pelo Brasil perco a calma, o bom humor e tenho vontade de quebrar a minha televisão.

Mas me acalmo, pois quebrar a minha televisão seria tão eficaz quanto o trabalho que a prefeitura e o estado de São Paulo vem fazendo para recuperar a vida dos dependentes de crack.



João Paulo Cechinel Souza (*)

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