quinta-feira, 4 de março de 2010

Mulheres que ajudaram a mudar o mundo -3



Homenagem às mulheres guerreiras anônimas, não figurantes na história oficial, mas que exerceram com muita garra, sofrimento e luta o seu empoderamento.

“Mulheres, mães e viúvas da terra”

O documentário “Mulheres, mães e viúvas da terra” conta a história das viúvas de Dezinho e Zé Pretinho (líderes camponeses assassinados no massacre da fazenda Ubá), que assumiram o lugar dos maridos na luta sindical e na luta pela terra.

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Década sangrenta


Boa parte dos casos contados no documentário ocorreu na década de 1980, considerada a mais sangrenta no Pará e durante a qual a União Democrática Ruralista (UDR), o braço da intolerância dos ruralistas, reinava absoluta.

Geraldina era viúva de João. Executado em 1985. Na década de 1990, D. Geraldina perdeu os filhos José e Paulo, no município de Rio Maria. Maria Joel é viúva de José Dutra da Costa (Dezinho), dirigente sindical assassinado em 2000 no município de Rondon do Pará. Marina Silva é esposa de Zé Pretinho, executado na Chacina Ubá, ocorrida em São João do Araguaia, em 1985.
A perda brutal dos maridos, a luta pela justiça e a necessidade de assumirem o lugar dos maridos executados na direção sindical. são os laços que as unem. Agora a ameaça da morte paira sobre elas.

O que os casos possuem em comum? A impunidade. A sina da maioria das execuções de dirigentes sindicais e seus apoiadores. A partir dessas mulheres e outros pares foi criado o Comitê Rio Maria.


Para aprofundar o tópico postamos a seguir, trechos de uma entrevista do padre Ricardo Rezende, que viveu 20 anos no sul do Pará à Democracia Viva

Ricardo Rezende revela um conhecimento profundo sobre uma das mais enraizadas questões nacionais: a violência no campo. Suas conseqüências, entre elas o trabalho escravo, são milimetricamente expostas em seu relato. “A escravidão nunca é uma ação individual, é sempre fruto de trabalho de equipe: o fazendeiro, o gerente, o empreiteiro, o motorista, o aliciador etc. Juridicamente, é o que poderia ser chamado de quadrilha, trata-sede um grupo que se organiza para cometer um crime” – garante.

Como o senhor vê a participação das mulheres nessa resistência?

Ricardo Rezende – As mulheres sempre foram muito importantes na resistência. Também havia no trabalho a preocupação com a questão de gênero. Muitos assuntos eram levantados nessas reuniões, e a participação feminina no sindicato se expressou fortemente.
Sempre tivemos candidatas femininas para a diretoria.
A Aninha, Ana de Souza Pinto, da CPT de Conceição do Araguaia, a Heloisa e a Marilza, por exemplo, tiveram um papel importantíssimo ao investir na formação das mulheres.
Lembro de um conflito em Xinguara em que a polícia fez um cinturão em torno dos trabalhadores porque eles estavam entrincheirados.
Só quem conseguia passar eram mulheres porque achavam que elas não representavam perigo. Justamente uma delas– uma grande amiga nossa que era evangélica, usava cabelo comprido, saia bem comprida e uma bíblia sempre debaixo do braço – levava a munição para a defesa dos trabalhadores, e os policiais nunca poderiam imaginar isso.
Outro caso de mulher que descobriu muita coisa foi a d. Pureza, no Maranhão. Ela até recebeu mais tarde um prêmio da Anti-Slavery, que tem sede em Londres.
Quando o filho dela desapareceu e ela soube da história de trabalho escravo, saiu louca pelo mundo.
Ela era evangélica e carregava a bíblia, um gravador, uma máquina fotográfica e um caderno que ela chamava de “o caderno da encrenca”. Ali, ela registrava o que considerava fazenda brava e fazenda mansa.
Fazenda “mansa” era a que usava o trabalho escravo, mas não matava; e a fazenda “brava” matava.
Ela saiu atrás do filho e conseguia entrar nas fazendas porque não levantava suspeitas, ninguém imaginava que ela pudesse representar um perigo, assim ela transitava de fazenda em fazenda, sem risco de vida.

Vocês criaram o Comitê Rio Maria. Como funciona hoje?

Ricardo Rezende – O Comitê Rio Maria Foi criado em 1991, numa reunião que fizemos em Redenção. A idéia era criar pressões políticas e jurídicas para frear as mortes, a impunidade no campo e acelerar o processo de reforma agrária.

Acho que o Comitê Rio Maria, a presença de frei Henry e o apoio dos advogados foram definitivos para dar visibilidade ao sul do Pará.

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