por Caio Zinet, César Fernandes e Naiady Piva
Lorena Mussa, estudante do Ensino Médio de Arica, uma cidade do Chile, foi expulsa de sua escola após fazer um chamado, por meio do Facebook, a seus colegas para debater e aderir às recentes mobilizações no país por uma educação pública gratuita e de qualidade. Apesar da tentativa de intimidação, Lorena continua participando ativamente das mobilizações no Chile.
Assim como no Brasil, a educação chilena sofre diversos ataques comandados por organismos internacionais como o Banco Mundial, que caminham no sentido da privatização e da mercantilização do ensino. O governo chileno do presidente Sebastian Piñera apresenta um projeto de reforma da educação do país centrado principalmente na privatização das escolas, atentando contra a educação pública acessível a todos.
Os estudantes, no entanto, não deixam com que tais reformas sejam introduzidas de maneira tranqüila e resistem. Assim como em 2006, milhares de jovens vão às ruas, convocados pela Federação de Estudantes do Chile (CONFECH) e pelos sindicatos docentes, para reivindicar a gratuidade do ensino, maior repasse à assistência estudantil, entre outras pautas. Somente na última quinta-feira, cerca de 400 mil pessoas foram às ruas em seis cidades do país para protestar.
O Barricadas, compreendendo a importância da luta da juventude em todo o mundo, e visando dar repercussão às mobilizações, entrevistou, por e-mail, Lorena Mussa, que em meio à correria das mobilizações estudantis reservou um tempo para enviar informações ao Brasil.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Quem é você, onde estuda e como é sua participação nas manifestações recentes?
Sou Lorena Mussa, tenho 17 anos e sou militante da Frente de Estudantes Libertários. Atualmente expulsa verbalmente do Colégio Alemão de Arica (Chile) por convocar uma assembléia aberta para meus companheiros de colégio. Estou há sete dias sem assistir às aulas (após conceder a entrevista, Lorena seria expulsa do colégio, decisão revertida pela justiça no último dia 20 de julho).
Minha participação nas recentes manifestações vem de algum tempo. Eu e outros companheiros secundaristas de luta organizamos a primeira assembléia de 2011 em Arica para formar uma coordenação de secundaristas. Esta coordenação - AGEAP (Assembléia Geral de Estudantes de Arica e Parinacota) - agrupa todos os centros de estudantes e também estudantes sem cargos.
Este foi o início das escolas tomadas e mobilizadas em Arica. Não tenho nenhum cargo na minha escola, mas no calor da luta acabei com um papel de direção.
O que ocorre hoje no Chile? Qual a participação da juventude nestes processos em curso?
Está se desenvolvendo no Chile um importante movimento político que começou como luta estudantil e está se transformando em luta político-social. Temos hoje mais de 500 colégios ocupados pelos alunos e a maioria das universidades está paralisada, é algo que não se via há muitos anos e tem encontrado apoio em outros setores da sociedade, reunindo mais de 400 mil pessoas nas manifestações que têm ocorrido todas as semanas, há mais de um mês.
A forma de organização tem sido a mesma que tem caracterizada a Primavera Árabe ou os Indignados da Espanha: as redes sociais. Grupos no Facebook, chamados no Twitter e outras ferramentas têm servido como meio de difundir e massificar. No entanto, a utilização destes recursos serviu de desculpa para que a diretora Luz Marina Osoria me expulsasse por convocar uma assembléia em que se informaria sobre um abaixo-assinado unitário apresentado pelo movimento e as demandas dos estudantes chilenos.
Esta luta da sociedade chilena tem gerado uma maturidade importante. O povo chileno está reivindicando ter uma educação melhor a serviço do povo. Entendemos a educação como um direito social, portanto deve ser de livre acesso, gratuita e socializada. Sem dúvida, hoje no Chile estamos vivendo um momento histórico e isto depende de nós!
Fazemos um chamado como estudantes chilenos à radicalização do movimento e à unificação de forças. Por um projeto de educação pública construído por todos.
Por que te expulsaram da escola?
Expulsaram-me por convocar uma assembléia via Facebook. O objetivo da assembléia era unicamente informativo. Isto demonstra que aqui no Chile se viola a liberdade de expressão, o direito de reunião, a democracia.
Assim que me comunicaram que eu estava expulsa, mantiveram-me reclusa por 5 horas, incomunicável e sem deixar que eu saísse para almoçar. Além disso, anteriormente eu já tinha recebido ameaças de morte por parte da diretora, caso ocupássemos a escola.
Como foi o processo de expulsão?
Minha expulsão ocorreu apenas de forma verbal. No dia em que fui à escola com meus pais, fomos tirados de lá com a polícia, porque nos negamos a assinar um documento que atestasse a minha expulsão. Não me deixam assistir às aulas e bateram a porta na cara do meu pai quando ele foi entregar um documento para apelar às instâncias internas do colégio. Meus companheiros estão ameaçados pela diretora e pelos inspetores do estabelecimento.
Tenho recebido bastante apoio nacional e internacional, graças aos veículos que divulgaram minha situação.
Há outros casos de repressão, além do seu?
Sim, eu enfatizo muito que esta não é uma luta minha, não é a luta de Lorena Mussa, é a luta de todos. Eu só me encarreguei de denunciá-la. E é algo que está se passando ao redor de todo o Chile. Aqui mesmo em Arica, no momento de tentarem ocupar um colégio particular feminino, houve golpes com pedaços de pau, mesas, extintores etc. Temos um caso na cidade de Iquique (ao sul de Arica), em que a polícia acorrentou os estudantes no momento da desocupação de uma escola. O estado em que nos encontramos é brutal. Mas isso reafirma a todos nós a convicção de que a educação no Chile precisa de uma mudança radical já.
Os proprietários dos colégios agem como donos de empresas e, se vêem seus interesses ameaçados, não hesitam em criminalizar a luta dos estudantes chilenos, ameaçando-os e reprimindo-os. Mas não nos intimidam, ao contrário, inspiram-nos a seguir lutando pela eliminação do lucro na educação, até termos uma educação gratuita, digna e de qualidade para todos.
Quais são os passos a seguir, em relação à expulsão? O que os estudantes de todo o mundo podem fazer?
Primeiramente, estamos apelando a todas as instâncias internas do colégio. Entramos com um recurso de proteção ante a Suprema Corte. O que pedimos, como estudantes chilenos, é a máxima divulgação e a denúncia desses atos criminosos que não podem continuar acontecendo. Não é possível que em uma “democracia” se violem direitos humanos.
Outros setores, além da juventude, têm participado destas ações?
Sim, nessas atuais movimentações que se somam em todo o país, para exigir o que é justo. A educação pública no Chile é possível, não estamos falando de utopias, mas de uma realidade que está latente! O Chile tem, atualmente, uma das melhores economias da América Latina e ainda assim a educação não é gratuita, o que é uma vergonha para os chilenos. Vemos como os países vizinhos, que não têm uma economia como a nossa, possuem uma educação gratuita e de qualidade.
Você vê alguma relação forte entre os atos chilenos e os recentes levantes que têm se instalado em todo o mundo?
Sem dúvida, há uma relação muito forte entre os atos chilenos e todas as mobilizações que estão acontecendo no mundo. Pessoalmente, acredito que é a indignação: indignação no caso dos países árabes, indignação na Espanha e indignação no Chile. Como disse um economista: o Chile é o único país que privilegia a liberdade de empresa sobre o direito à educação.
Nós não acreditamos que seja possível que a mensalidade das escolas seja maior que o próprio salário mínimo - assim o rico pode estudar e o pobre não.
Quais são as principais demandas dos estudantes chilenos?
As principais demandas dos estudantes chilenos estão enfocadas em duas parcelas.
Universitários: aumentar a porcentagem do PIB no financiamento público para a educação; democratizar o sistema de educação e o acesso com equidade, qualidade, integração e heterogeneidade social nas matrículas (dentro do primeiro âmbito, inclui-se o desenvolvimento das universidades públicas, a proibição efetiva do lucro e a criação de um Centro de Formação Técnico de caráter público e nacional); em nível estrutural, exigimos a implementação de uma reforma tributária que tenha como finalidade prioritária outorgar o financiamento adequado para realizar essas políticas nos marcos de uma profunda reforma educacional; finalmente, com vistas a melhorar o acesso e a equidade, a CONFECH reivindica que se elimine a PSU (Prova de Seleção Universitária), que nós entendemos como filtros de classe explícitos e desnecessários.
Já os secundaristas, estávamos inconformados com os rumos da educação, o que gerou a “Revolução dos Pingüins” (uma referência aos uniformes azuis e brancos dos secundaristas da rede pública, que causou uma forte crise no governo Bachelet, mais de 600 mil pessoas foram às ruas). Hoje, voltamos e exigimos novas mudanças na institucionalidade e lutamos por escolas mais dignas.
Nesse sentido, a reivindicação dos secundaristas tem cinco pilares fundamentais: o fim da municipalização e do sistema de subsídios, o aumento da cobertura da assistência estudantil, melhoras na infra-estrutura, regulamentação das escolas-técnicas e rejeição às reformas educacionais do governo.
Para acabar com a municipalização e os subsídios, propomos mudanças na administração financeira e nos requerimentos mínimos para a existência de colégios de responsabilidade do Estado.
Por favor, deixe uma mensagem ao Barricadas e aos estudantes brasileiros!
Avancemos en unidad! Por un proyecto público en educación al servicio del pueblo y no de los poderosos.
Un saludo para los compañeros y compañeras de Brasil.
ARRIBA LAS Y LOS QUE LUCHAN!
Entrevista realizada em 6 de julho de 2011,por Caio Zinet, César Fernandes e Naiady Piva, para o Coletivo Barricadas Abrem Caminhos
Vi no CorreiodaCidadania
0 comentários:
Postar um comentário