O DEM, a juíza e a Censura
Andre Miranda
A ideia aqui não é falar apenas de Censura. É falar de ignorância. Aconteceu o seguinte: um grupo político (liderado pelo DEM-RJ) pediu na Justiça que um longa-metragem, “A Serbian film — Terror sem limites”, não fosse exibido no Rio, sob alegação de que ele incitaria a pedofilia. Uma juíza aceitou a ação e determinou o recolhimento da cópia. Os responsáveis por sua distribuição no Brasil recorreram, mas uma desembargadora manteve a decisão inicial. Dirigido pelo sérvio Srdjan Spasojevic, o filme, que seria exibido no RioFan — Festival Fantástico do Rio e cuja estreia nacional está marcada para o dia 5, está preso para “avaliação”.
No Brasil, já existe a classificação indicativa, que sugere idade mínima para que uma obra seja assistida. No caso de “A Serbian film”, sua faixa etária estipulada é acima de 18 anos, a mais rígida possível, o que impede que adolescentes entrem no cinema, mesmo acompanhados dos pais. Mas, em seu parecer, a desembargadora pede “cautela” para “aferir e evitar eventuais prejuízos aos jovens em formação e à sociedade como um todo”. Ela diz ainda que “não se pode admitir e permitir que, em nome da liberdade de expressão, cenas de extrema violência física e moral (…) sejam levadas ao grande público, vez que podem provocar reações adversas (…) em pessoas sem equilíbrio emocional e psíquico adequado para suportar tais evidências de desumanidade”.
Definitivamente eu não tenho equilíbrio emocional para compreender como a Justiça pode determinar quem está emocionalmente apto a assistir a um filme. Então, a única reação que consigo ter frente a essa decisão é imaginar uma nova maneira de classificação. Obras como “Trinta anos esta noite” (Louis Malle, 1963) deveriam ser banidas para quem tiver olhar vazio e aparência pálida sob o risco de incentivar o suicídio. Outras como “Central do Brasil” (Walter Salles, 1998) e “Dois filhos de Francisco” (Breno Silveira, 2005) só poderiam ser assistidas por quem levar um atestado médico de frieza para evitar lágrimas excessivas. E nem pensar em deixar alguém com traço de esquizofrenia chegar próximo a “O mágico de Oz” (Victor Fleming, 1939), pelo amor de Deus!
Se não for essa a sugestão da desembargadora, então admito minha ignorância. E passo a falar de Censura.
O Brasil vive um bom momento no cinema, com aumento de bilheterias, construção de salas e uma produção em busca da consistência. E cinema é muito mais do que entretenimento, pode ser reflexão e debate. Um filme desperta alguma sensação, boa ou ruim. E é aqui que está o ponto que os políticos (do diretório regional do DEM), que a juíza (Katerine Nygaard) e que a desembargadora (Gilda Maria Dias Carrapatoso) não compreenderam: assim como o cinema, o público também evoluiu. E o espectador não aceita que a Justiça diga a ele que tipo de obra artística pode ou não ser assistida. Cabe a ele, a mim, a nós, decidir pagar ou não o ingresso.
ANDRÉ MIRANDA é crítico de cinema.
No O GLOBO | OPINIÃO
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