sábado, 16 de julho de 2011

“Mulheres e o direito à moradia”.

 “Mulheres e o direito à moradia”.

A urbanista fala sobre o atual projeto da relatoria da ONU: “Mulheres e o direito à moradia”.


raquel rolnikPesquisar a situação da habitação ao redor do mundo com um recorte de gênero é um dos atuais projetos da Relatoria Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Em entrevista ao site da Caros Amigos, a relatora Raquel Rolnik – urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo –  conta como os problemas de moradia afetam as mulheres e os objetivos do trabalho de pesquisa nesta área. Confira a entrevista:

Caros Amigos - O que é moradia adequada? Por que ela deve ser considerada um direito fundamental?
Raquel Rolnik - A moradia adequada foi reconhecida como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vários tratados internacionais após essa data reafirmaram que os Estados têm a obrigação de promover e proteger este direito. Apesar disso, a implementação deste direito ainda é um grande desafio. Vale ressaltar que o direito à moradia adequada não se resume a apenas um teto e quatro paredes. Ele diz respeito ao direito de toda pessoa a um lar e a uma comunidade seguros para viver em paz, com dignidade e saúde física e mental.
A moradia adequada, portanto, deve incluir localização adequada, com acesso a serviços e bens públicos, à infraestrutura (como energia elétrica, água potável, coleta de lixo, sistema de esgoto) e a um meio ambiente equilibrado; boas condições de habitação, com valor acessível ou com subsídios que garantam custos compatíveis com a renda; acesso prioritário para grupos em situação de vulnerabilidade; e condições estáveis de ocupação, ou seja, as pessoas devem morar sem o medo de remoção ou de ameaças inesperadas.
Caros Amigos - Como o direito à moradia se relaciona com o recorte de gênero? As mulheres, em geral, são mais prejudicadas pelos déficits nesta área?
Sim, as desigualdades de gênero também têm conseqüências na realização do direito à moradia adequada. Se verificarmos, por exemplo, os títulos de posse de terras, ou mesmo de imóveis, veremos que a imensa maioria está em nome de homens. Se pensarmos na violência doméstica, o fato de a casa pertencer ao homem ou ser sustentada economicamente por ele, e de a mulher não ver perspectivas de constituição de uma nova moradia por sua própria conta, muitas vezes contribui para que ela permaneça no ciclo da violência. Estes são apenas alguns exemplos.
Entre 2003 e 2006, o ex-Relator Miloon Kothari realizou uma consulta internacional sobre o tema, com coleta de dados e visitas a alguns países. Nesse processo, ele identificou uma série de obstáculos à efetiva realização do direito à moradia pelas mulheres, como a situação das mulheres desabrigadas, a violência, a existência de normas sociais e culturais de cunho discriminatório, o preconceito múltiplo, a moradia financeiramente inacessível e o impacto dos desastres naturais, das remoções forçadas e da AIDS sobre as mulheres. Minha perspectiva agora é atualizar essas informações e avançar na reflexão sobre esta questão.
Caros Amigos - Como vai ser realizada a pesquisa da relatoria nesta frente? O que se espera com este processo mais aberto de pesquisa?
Com a plataforma de debates que a Relatoria acabou de lançar, espero conseguir envolver mulheres e demais pessoas interessadas no tema em todo o mundo para que possamos juntos debater a questão. Penso que devemos utilizar as novas ferramentas proporcionadas pela Internet para criar novos espaços coletivos de discussão e meu próximo relatório temático, portanto, será feito através desse novo processo. Anos atrás isso seria impensável. Através da plataforma de debates, e com a coordenação de 7 pesquisadoras dividas em 7 regiões do mundo, pretendemos mobilizar pessoas interessadas no tema para contribuir com a elaboração do relatório e dos materiais de difusão (cartilhas e folhetos) que vamos elaborar sobre o tema. A discussão sobre esse tema acontecerá até outubro – porque depois entrarei na fase de sistematização do debate e de edição do texto – e o relatório será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em março de 2012.

0 comentários: