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O PREFEITO DE SÃO PAULO TEM NESTE MOMENTO 20 ESPAÇOS PÚBLICOS PARA ENTREGAR, DE MANEIRA MAIS OU MENOS EXPLÍTICA, À INDÚSTRIA IMOBILIÁRIA; CONSTRUTORAS JHSF E SETIN ESTÃO NA FILA DE OPORTUNIDADES; BOLA DA VEZ É O PARQUE AUGUSTA; MEXER NO IBIRAPUERA É UM ABSURDO, MAS DO JEITO QUE A COISA VAI...
Rodolfo Borges_247
O prefeito Gilberto Kassab está com a faca e o queijo na mão. A faca é representada pelas vinte autorizações para desapropriar áreas públicas que ele recebeu dos vereadores nos últimos meses, todas elas publicadas no Diário Oficial do Município. O queijo é a maior cidade do País, São Paulo. Sob os pretextos mais variados, como abrir avenidas ou trocar próprios municipais como teatros e postos de saúde por creches nos bairros mais carentes, Kassab obteve poderes que atraem a atenção de grandes, médias e pequenas construtoras, todas interessadas em encontrar novos terrenos para erguer seus espigões.
O prefeito, na prática, age com um discurso e trabalha, efetivamente, com outro. É assim, por exemplo, no caso do chamado Parque Augusta. Situado no valorizado bairro de Cerqueira Cesar, em torno da avenida Paulista, o terreno de 24 mil metros quadrados, com 600 árvores, é considerado de utilidade pública desde 2008. E o que Kassab pretende fazer ali, com o terreno, formalmente, de “utilidade pública”? Um parque, como diz o nome? Não exatamente.
A intenção do prefeito em relação ao “Parque Augusta” é permitir, lá dentro, a construção de duas torres, uma comercial e outra residencial, sob a garantia de não ocupação de mais de 20% do terreno. Os subsolos dos mais de 30 andares de cada uma abrigarão dois mil carros. A construtora Setin já está escalada para fazer a obra. Você acredita nas boas intenções de Kassab e dos agentes imobiliários? Os moradores da região também estão fortemente desconfiados desse acordo entre o município e o empresário que se apresenta como proprietário da área que foi tornada, em 2008, de utilidade pública, Armando Conde.
“Nosso receio é que a municipalidade não cumpra com o prometido, deixando construir na área, acabando com o sonho da população em ter um parque, causando um sério impacto ambiental e de vizinhança, além de comprometer a arborização do local e a floresta ali existente”, explica Célia Marcondes, presidente da Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Cerqueira César.
É preciso registrar que, sob Kassab, este ano, São Paulo perdeu 12 mil árvores, abatidas pelos mais diferentes motivos, o principal deles as construções de edifícios residenciais e comerciais privados. No ano passado, a cidade assistira à derrubada de outras 7 mil árvores. O prefeito alega, em defesa, que sua administração plantou 1,5 milhão de árvores desde 2006 – 540 mil só no ano passado. Mesmo assim, São Paulo continua com a média de apenas 2,3 metros quadrados de área verde por habitante, longe do mínimo de 12 metros quadrados por habitante recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Dizer que São Paulo é verde, à luz desses dados, pode ser útil ao prefeito nas futuras propagandas de seu candidato à sucessão, o secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge. Na vida real, porém, São Paulo é, sim, uma das cidades mais poluídas do mundo e dominada pelo cinza. “Veremos agora, com a decisão e desapropriação da área do Parque Augusta, se ele é realmente um prefeito sustentável ou se é apenas discurso”, desafia a líder comunitária Célia Marcondes.
QUARTEIRÃO DA CULTURA AMEAÇADO - A apreensão vivida pelos moradores de Cerqueira César é semelhante à enfrentada pelos que vivem no Itaim. Esse bairro nobre da zona sul, tão ou mais valorizado que Cerqueira Cesar, o chamado “quarteirão da cultura”, com 22 mil metros quadrados, teatro, escola, posto de saúde e creche municipais, está entre os que podem ser, de uma canetada, desapropriados por Kassab. Ali, quem já faz um projeto para trocar a obtenção do quarteirão pela construção de algumas creches na periferia da cidade é a construtora JHSF, do empresário José Auriemo. O caso foi notícia em 247 dias atrás (leia). Hoje, na coluna da jornalista Sônia Racy, no jornal O Estado de S. Paulo, uma fonte da JHSF adianta que a construtora “não irá entrar em bola dividida”. Lembre-se: nada menos que 18 mil moradores do Itaim firmaram abaixo-assinado contra a desapropriação; o quarteirão foi ‘abraçado’ pelos cidadãos e duas ações do Ministério Público correm na Justiça para impedir a desapropriação. Mas nada indica que Kassab esteja sensibilizado com essa mobilização e, a não ser pela nota em ‘off’ no Estadão, será mesmo que a JHSF não vai querer entrar “na bola dividida”, agora que o mais difícil já passou? A Câmara, afinal, autorizou Kassab a desapropriar o ‘quarteirão da cultura’ na noite da terça-feira da semana passada – e logo dois dias depois Kassab sancionou a lei.
O movimento da Prefeitura de São Paulo em se livrar, de uma ou outra forma, de áreas municipais é diametralmente oposto ao que está sendo feito em cidades como Londres, Paris e Madri. “Lá fora, as municipalidades estão comprando área privadas para transformar em parques e praças”, afirma o empresário Marcelo Motta, presidente da Associação dos Moradores do Itaim. “Aqui, Kassab quer vender o pouco que temos de público”. Nesse ritmo, não será surpresa se ele atacar o Ibirapuera.
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