Com uma leitura singular da Bíblia, o pastor Silas Malafaia ataca feministas, homossexuais e esquerdistas enquanto prega que é dando muito que se recebe ainda mais
De olhos fechados, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, deixava-se empoar pela maquiadora, que encobria as manchas e o brilho de seu rosto. Dali a pouco, ele gravaria seu programa semanal na televisão. Naquela manhã de agosto, Malafaia estava amuado. Na véspera, soubera que um pastor – de quem se considerava amigo – havia lhe tirado o horário da madrugada na TV Bandeirantes, uma negociação feita pelas suas costas. Também lhe pesava a má repercussão de seu último programa, no qual havia pedido doações de 911 reais e 10 011 reais a seus fiéis. Na internet, o mais polido dos sites que tratou do assunto o chamou de “estelionatário”.
A moça domava suas sobrancelhas com rímel transparente e, antes de lhe baforar laquê nos cabelos, ele falou sobre o caso. “A oferta é o que viabiliza minha missão, que é pregar o Evangelho e arrebanhar o maior número possível de fiéis”, explicou. “Eu gasto milhões, milhões e milhões por mês com horário na televisão, congressos, cruzadas evangelísticas, treinamento de pastores, abrindo novas igrejas. Como se paga isso? Não é um anjo do céu que desce com um cheque em branco para mim.”
Levantou-se da cadeira com os bicos do colarinho em riste, pegou uma gravata vermelho-sangue e, com o queixo colado ao peito, passou à confecção do nó. “Então, quer dizer que eu tomo dinheiro há vinte anos dos pobres coitados e nenhum deles reclama? O cara lá do raio que o parta me dá 10 mil contos porque ele é um burro e eu sou um fera, porque ele é ingênuo e eu fiz lavagem cerebral nele?”, protestou, enquanto conferia a gola no espelho. “Isso é preconceito da elite, que acha que todo evangélico é tapado, idiota, a ralé da classe social explorada por um malandro. O cara dá oferta porque ele sabe onde eu invisto a grana dele, porque ele confia no trabalho que fazemos aqui e não quer que ele acabe.”
Há 29 anos, o carioca de origem grega Silas Lima Malafaia está na televisão falando de Deus. Seu programa Vitória em Cristo é como um longo comercial da Polishop – ofertas e promoções de DCs, livros e DVDs de sua empresa, a Central Gospel –, intercalado de sermões bíblicos e mensagens na linha motivacional/autoajuda de matriz norte-americana. Dublado em inglês, é transmitido via satélite para 200 países pela Daystar e Inspiration Network, redes evangélicas dos Estados Unidos. No Brasil, Malafaia pode ser visto na Rede TV, Rede Bandeirantes e CNT, emissoras nas quais compra horário.
O seu discurso é socialmente conservador, e suas trovoadas retóricas recaem sobre grupos organizados que militam pela afirmação das minorias e pelos direitos individuais. Considera-os liberais, termo que nas suas pregações ganha conotação pejorativa, deslizando no mesmo campo semântico de libertinagem: umbandistas, a esquerda da Igreja Católica, pastores de outras denominações religiosas, feministas, defensores do aborto e da eutanásia. Nos últimos tempos, o seu alvo predileto tem sido os gays.
Aos 53 anos, Malafaia anda impecavelmente penteado e se veste com apuro, não obstante os ternos marrons e as gravatas em tons plausíveis apenas na paleta da Caran D’Ache. Há anos, compra roupas e acessórios na mesma loja de um shopping na Flórida. O bigodão preto que o acompanhou por décadas foi tirado há quatro anos para rejuvenescer sua imagem. Ele tem um forte sotaque carioca que transforma a letra “s” em “r” característico, como em “são duarr da tarde”.
No púlpito e na televisão, cultiva um estilo iracundo e indignado – o que lhe valeu o apodo de “Ratinho Evangélico”, em referência ao apresentador cascadura do sbt, de quem é amigo. Ao defender seus pontos de vista, fala de maneira virulenta, mas ao pedir dinheiro ou vender seus produtos é ameno e não adota a estratégia do pé na porta. “Eu sou o único pastor que realmente prega a palavra de Deus na televisão.” E explicou: enquanto o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, dedicaria muito tempo de seu programa ao exorcismo e ao pedido de ofertas; o apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus), à cura; e o missionário R. R. Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus), a transmitir imagens de cultos de sua igreja, ele interpreta a Sagrada Escritura à luz da vida cotidiana – o que faz de sua exegese bíblica uma peça única.
Recentemente, quando pregava como a glória de Deus pode deixar a vida do crente, ele tratou assim da cobiça e do pecado: “Aí vem a irmã dentro da igreja com a roupa arroxada, os dois melões de fora e o cara do lado só olhando, só no somebody love. (...) Se você está indecorosa, você peca e faz o outro pecar! E se você deixa sua mulher sair assim, você é um mané, um otário! Bota o silicone que você quiser, minha irmã! Mas se você quiser ser o instrumento do pecado, a glória de Deus vai embora e você vai pagar a conta com Jeová!”
Entre o anúncio de um kit de Bíblias e a interpretação de um versículo, Malafaia também divulga campanhas para arrecadar doações, como a do Clube de 1 Milhão de Almas, na qual o fiel doa 1 mil reais em troca de uma graça igualmente generosa. O objetivo é levantar 1 bilhão de reais com 1 milhão de doações. No final de agosto, o contador eletrônico de seu site contabilizava quase 38 mil adesões. Malafaia também já pediu para os fiéis doarem parte do aluguel e 30% de seus rendimentos, em vez do dízimo literal de 10%. Em abril, quando tinha uma promissória de 1,5 milhão de reais a vencer, superou-se: pediu ofertas individuais de 100 mil reais. Levantou o dinheiro em menos de uma semana. “Ralé que doa 100 mil... As pessoas não têm ideia do que está acontecendo no meio evangélico”, disse-me no camarim do estúdio de televisão.
A sede da Associação Vitória em Cristo ocupa uma área de 40 mil metros quadrados no bairro de Jacarepaguá, Zona Norte do Rio. A construção moderna e envidraçada contrasta com os arredores de comércio pobre e terrenos baldios abandonados. A entidade cristã – considerada sem fins lucrativos, o que a exime do pagamento de impostos – financia as ações do ministério religioso de Malafaia. São projetos sociais em favelas, cruzadas evangelísticas – que reúnem mais de 100 mil pessoas em praças públicas pelo Brasil –, congressos pentecostais, encontros anuais para a formação de mais de 3 mil pastores, além de seu programa na tevê. Por ano, fatura 40 milhões de reais, captados nas ofertas e doações de fiéis e admiradores. Segundo Malafaia, 20% dos que lhe mandam dinheiro não são evangélicos.
No ano passado, a entidade adquiriu por 4 milhões de dólares, nos Estados Unidos, um jato Gulfstream III de segunda mão. É nele que Malafaia e sua família se locomovem pelo Brasil e no exterior. Fabricado em 1986, o avião tem doze lugares, sofá, cozinha, sistema individual de entretenimento e autonomia de oito horas de voo. Em sua fuselagem está escrito In favour of God.
Numa manhã de julho, em seu escritório decorado com sobriedade em tons de preto e carvalho, ele usava um cardigã de listas azuis e brancas da grife Tommy Hilfiger, calça social e sapatos de verniz pretos. Como muitos pastores, também é adepto do relógio dourado, do anel de brilhantes na mão direita e, eventualmente, do celular pendurado no cinto.
Desde 2006, quando o Projeto de Lei 122, que criminaliza a homofobia no país, entrou na pauta dos parlamentares, Malafaia se tornou uma das principais vozes contrárias à causa. Foi ele quem, em junho, conseguiu reunir 50 mil pessoas em frente ao Congresso Nacional para protestar contra a votação. Também pediu a seus 180 mil seguidores no Twitter para entupir a caixa postal e congestionar os telefones de parlamentares favoráveis à proposta – no que obteve sucesso. Dias depois, na Marcha para Jesus, em São Paulo, ganhou espaço em jornais e televisões ao dizer que o Supremo Tribunal Federal havia “rasgado a Constituição” no momento em que aprovou a união homossexual.
“Não tenho problema com gay, tenho problema com ativista gay, porque são um bando de intolerantes, intransigentes, antidemocráticos”, falou. Segundo ele, caso o projeto seja aprovado, um diretor de escola que reclame de dois meninos se beijando no recreio poderá parar na cadeia.“Todo mundo se acha no direito de chamar evangélico de ladrão e não acontece nada. Mas se alguém falar um ‘a’ dessa bicharada, é o fim do mundo”, disse. (Há controvérsias. “Dependendo de como odiretor abordasse o casal, caberia uma reprimenda, mas prisão nunca. De qualquer maneira, essa cena não aconteceria num colégio, onde nem héteros podem ficar se beijando”, explicou Denise Taynah, assessora da Superintendência de Direitos Individuais Coletivos e Difusos, do governo do Rio de Janeiro.)
Malafaia estava perplexo. Não conseguia compreender como o Supremo Tribunal Federal garante o direito à liberdade de expressão para a Marcha da Maconha enquanto uma lei federal cogitava punir quem não concordasse com a homossexualidade. “Também fico louco porque essas bichas ganham dinheiro para viver nessa palhaçada. Sabe quem patrocina a Parada Gay? Petrobras, Caixa Econômica. É com o nosso dinheiro”, protestou.
Ao argumento de que um evangélico não corre o risco de ser espancado na rua por preconceito – como havia ocorrido com o pai que andava abraçado a seu filho e ambos foram tomados por um casal gay –, ele respondeu que o episódio foi uma “idiotice altamente condenável”, porém se tratava de uma tragédia isolada. “Mas os gays vão lá e propagandeiam como se fosse regra. Para isso, que é verdadeiramente homofobia, tem que ter cadeia, mas o que eles querem é privilégio”, disse. Depois que avivou a polêmica com os homossexuais, Malafaia passou a ser acompanhado por dois seguranças à paisana. “Se eu chegar num aeroporto e tomar tapa de bicha, vai ficar mal, né?”
Segundo Malafaia, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais tentava, sob o argumento da homofobia, cassar pela terceira vez o seu registro de psicólogo junto ao Conselho Regional de Psicologia. Essa seria a origem de sua rusga com o movimento gay. “Se quisessem apenas defender os direitos deles, o.k., eu não ia me meter, tenho mais o que fazer. Mas quando vi que o que queriam era cercear o MEU direito, aí me chamaram para a briga”, falou. Sobre a possibilidade de perder a licença profissional, ele não se deixa abalar. “O que falo digo no púlpito, não em consultório, por isso o Conselho nada tem a ver com isso. Mas toda hora eles conseguem reviver essa história porque ali tem um bando de viado que foi fazer psicologia para se descobrir”, completou.
Sua secretária – elegante e de preto, como todas as funcionárias da empresa – serviu água em copos de cristal. Malafaia se lembrou de outro embate à época da discussão do aborto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. “Eu não debato tema polêmico usando religião. Eu uso a ciência, a biologia, a medicina, por isso não conseguem me contestar.” Afirmou ter emudecido os presentes ao desafiá-los a dizer se era a mãe ou o bebê quem controlava o líquido amniótico do útero ou decidia sobre a data de um parto normal – o que deixaria patente que o agente ativo da gravidez é o feto e, portanto, ele tem vida própria.
Para Malafaia, o mundo está em decadência e os valores da sociedade estão no fundo do poço. Sua missão, como pastor e profeta de Deus, é chamar a atenção das pessoas para o que prega o Evangelho. Como exemplo da debacle humana, citou o caso de um pedófilo, preso nos Estados Unidos, que obteve o direito, concedido pela Suprema Corte, de assistir na prisão a todos os vídeos pornográficos que gravou com crianças. “Aí, você vai quebrando, você vai afrouxando, vai banalizando ser pedófilo, daqui a pouco eles estão pedindo também para serem respeitados”, disse. Referia-se ao caso do piloto Weldon Marc Gilbert, preso em 2007, que, por ter assumido a própria defesa, teve acesso, durante o processo,às peças incriminatórias sem as quais não poderia se defender.
Se um homem deseja fazer sexo com outro homem, o que teria ele a ver com isso? “Nada! Cada um faz sexo com quem quiser. O que tenho é o direito de falar que isso é pecado, que é condenado por Deus e que a Bíblia diz que é uma perversão. Agora, o que esse pessoal quer não é o direito a fazer sexo – porque isso já fazem e não vão parar de fazer. Eles querem é colocar uma mordaça na nossa boca para nos proibir de falar qualquer coisa sobre eles. Olha o absurdo que é isso!”, indignou-se.
Malafaia nasceu na Tijuca, Zona Norte do Rio, filho de um militar da Aeronáutica – que, ao se aposentar, tornou-se pastor – e de uma diretora de escola, ambos ligados à Assembleia de Deus. Desde criança, participava de cultos domésticos e acompanhava os pais em eventos evangélicos. Aos 14 anos, conheceu Elizete, de 13, com quem viria a se casar e a ter três filhos. Um irmão dele também se casou com uma irmã dela.
Foi nessa época que ele diz ter recebido “o chamado”. Ouvia uma pregação, quando no meio da frase do pastor sentiu algo inexplicável. “É como um estalo. De repente, tudo passa a fazer sentido. Você consegue integrar o emocional, o intelectual, o psicológico, você entende por que você está aqui. É uma coisa muito forte e muito pessoal”, contou. A experiência foi marcante, mas ele tinha dúvidas, sobretudo quando notava as dificuldades financeiras enfrentadas pelos religiosos de seu círculo social. Aos 20 anos, andava pela rua pensando no assunto, quando foi abordado por um amigo que, do nada, lhe disse para não temer porque ele teria como sustentar sua família. “Era Deus falando através dele”, disse Malafaia. Foi a confirmação de sua vocação de evangelizador.
Ele, a mulher e amigos faziam parte de um grupo gospel chamado Coral e Orquestra Renascer, no qual era o baterista. Chegaram a gravar um LP, apresentavam-se em qualquer galpão e, nos fins de semana, Malafaia alugava uma Kombi para evangelizar mendigos e turistas na praia de Copacabana. A família vivia com os rendimentos da mulher, que trabalhava na Caderneta de Poupança Letra. Foi quando cursou a Faculdade de Teologia do Instituto Bíblico Pentecostal. Com diploma em mãos, tornou-se, aos 23 anos, pastor auxiliar na Assembleia de Deus da Penha, onde seu sogro era titular, ganhando cinco salários mínimos por mês.
Nos anos 80, quando algumas emissoras brasileiras passaram a retransmitir programas de televangelistas americanos – como Jimmy Swaggart e Rex Humbard –, Malafaia ficou fascinado com o poder de evangelização da tevê. Vendeu um carro, pediu dinheiro emprestado a um amigo bem posicionado na hierarquia da igreja e contou com a simpatia de um rico empresário evangélico, Sotero Cunha, que durante anos o ajudou financeiramente. Foi assim que comprou um horário na antiga TV Record (atual CNT).
Com duas câmeras paradas, sentado atrás de uma mesa, Malafaia chamava pastores para cantar e palpitava sobre qualquer assunto. Com muitas contas a pagar, completava o orçamento com palestras, conferências e sermões em igrejas de amigos. Em uma ocasião, chegou a pregar noventa vezes em setenta dias. Perdeu a voz. Em 1990, ele já era o campeão de audiência da emissora.
“A explosão dele se deu quando passou a aparecer em rede nacional descendo o pau em todo mundo e falando de temas atuais. Ele não poupava ninguém. Falava de pastor safado, de evangélico falso, de político corrupto. As pessoas sentiam que ele estava verbalizando publicamente o sentimento que cada um carregava dentro de si”, disse o pastor Silmar Coelho, um dos melhores amigos de Malafaia, durante uma viagem de avião.
Ia para as gravações de ônibus pela manhã e à noite cursava psicologia, na mesma sala da mulher, na Faculdade Gama Filho, no Rio. Nunca atendeu pacientes em consultório. Sua visibilidade e intrepidez no discurso atraíam ofertas, que ele sempre pediu. Com dinheiro em caixa, passou a organizar eventos de evangelização e, paralelamente, investia em oportunidades que nunca foram para frente: loja de decoração, fábrica de “guaraná gospel” e uma rádio.
Em seus negócios privados, sua grande alavancada, como ele diz, deu-se quando conseguiu vender Bíblias em parcelas a perder de vista na televisão. Até então, as editoras dividiam o valor em apenas três vezes. Graças à amizade com um evangélico da diretoria do Banco Cédula, no Rio, Malafaia conseguiu que lhe dessem crédito na emissão de boletos bancários e junto a operadoras de cartão de crédito. Em 2005, em três meses, vendeu 100 mil Bíblias de 120 reais divididos em dez vezes sem juros – um recorde ainda inédito no mercado.
Era hora do almoço e Malafaia se dirigiu a uma sala a poucos metros da sua, que faz as vezes de refeitório da diretoria. Réchauds prateados ocupavam uma mesa comprida, diante da qual o cunhado, a cunhada, uma filha e a nora faziam seus pratos. Quase toda a família trabalha na Associação Vitória em Cristo ou na Editora Central Gospel – que dividem o mesmo prédio –, onde exercem cargos administrativos. Além deles, Elizete é conferencista, autora e também apresenta um quadro no programa de tevê do marido, e o primogênito Silas Filho, formado em teologia nos Estados Unidos, é pastor e vice-presidente do conglomerado.
Enquanto comia, Malafaia contou ter aberto mão do salário de pastor da Assembleia de Deus da Penha e disse que não usava um centavo das verbas da associação para despesas pessoais. Segundo ele, sua única fonte de renda era o que retirava como empresário na Central Gospel, cujo catálogo chega a quase 600 títulos, entre livros, CDs e DVDs. Os autores são ele mesmo, seus familiares, amigos ou pastores best-sellers americanos.
De sua lavra, Malafaia lança a média de quatro livros por ano. São cerca de noventa publicados, todos entre 64 e 72 páginas (“Mais do que isso, o cara não lê, acha grosso demais”), cujo enfoque é quase sempre superar desafios e romper barreiras no contexto da palavra divina. Um ghost-writer reúne suas falas em palestras, cultos e congressos e as transforma em texto corrido. Os títulos incluem Lições de Vencedor, O Perigo da Inversão de Valores, Como Vencer as Estratégias de Satanás, O Cristão e a Sexualidade, entre outros.
A Central Gospel é a segunda editora que mais vende livros evangélicos no país, em torno de 1 milhão de exemplares por ano. Recentemente, a empresa de cosméticos Avon, que agora também distribui produtos populares, comprou um lote de 400 mil livros para comercializar de porta em porta. Segundo Malafaia, seu patrimônio se resume a uma casa, quatro apartamentos pequenos no Recreio dos Bandeirantes, um no Espírito Santo e um imóvel de dois quartos, financiado em trinta anos, em Boca Raton, na Flórida. Ao ouvir que, para um empresário de sucesso, o patrimônio parecia modesto, respondeu que ele não era ganancioso.
Desde 2007, Malafaia já foi investigado duas vezes pela Receita Federal e outras três pelo Ministério Público Federal por suspeita de desvio do dinheiro do dízimo e lesão à crendice popular. Em uma das vezes, disse que ficou provado o erro de um contador que, sem sua anuência, deixou de recolher um tributo. “Paguei tudo no outro dia sem contestar. Quem atira pedra como eu atiro não pode ter telhado de vidro. Eu sou besta?” Quando se servia de sobremesa, pediu para remarcarmos o próximo encontro, pois o prefeito do Rio, Eduardo Paes, o chamara para uma conversa de última hora. “Já até sei o que ele quer”, disse rindo.
Estima-se que 45 milhões de brasileiros sejam evangélicos, mais da metade deles ligados a denominações chamadas pentecostais. É o grupo que acredita em dons espirituais extraordinários, como a cura de enfermidades, o exorcismo, a liberação de profecias e o dom de falar em línguas estranhas (glossolalia), como ocorreu no Dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo se manifestou aos apóstolos por meio de línguas de fogo e fez com que eles pudessem se comunicar em outros idiomas com a multidão.
Com forte estrutura midiática, as igrejas pentecostais deram origem às neopentecostais, que catapultaram às alturas a ideia da valorização do aqui e do agora, da atuação do diabo na vida cotidiana e da relação de troca monetária entre Deus e os homens.
Testemunhos de ventura e redenção, insistentemente repetidos nos programas, sites, jornais e revistas das igrejas neopentecostais, fazem com que a esperança do alcance da graça nunca esmoreça. A promessa da prosperidade terrena é sua marca mais evidente. “Antes era: céu, céu, lindo céu, quando eu morrer eu vou ter tudo, mas enquanto isso, aqui na Terra, eu serei um lascado, todo ferrado. Mas a Bíblia fala da vida abundante, de a pessoa conquistar e ser feliz aqui e agora”, explicou-me Malafaia, uma tarde em seu escritório. “Na Bíblia, o assunto finanças é como qualquer outro, as pessoas é que fazem alarde com isso”, disse. Uma das passagens mais evocadas pelos neopentecostais é a Segunda Carta de Paulo aos Coríntios: “Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará.”
Na Vitória em Cristo não se fala em dinheiro, mas em semente; tampouco em graça, diz-se colheita. Por isso, menções à parábola da semente, do Evangelho de Marcos, capítulo 4, versículos 26 a 29, são recorrentes. “O Reino de Deus é assim como se um homem lançasse uma semente à terra (...) porque a terra por si mesmo frutifica (...) e quando já o fruto se mostra, mete-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa.” É o que Malafaia chama de “princípio da agricultura” ou “lei da semeadura”: quem quer receber dinheiro deve doar dinheiro. “O semeador planta a semente do limão porque ele quer colher limão, não laranja ou mamão ou abacaxi”, costuma repetir em suas pregações.
Na porta de entrada de sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, há uma plaquinha em forma de borboleta onde se lê: “Aqui mora gente feliz.” O imóvel de dois pavimentos é grande, mas não suntuoso. É decorado com muitos objetos dispostos pelas estantes e em mesinhas. Os móveis, talhados em madeira, parecem saídosde um castelo: imensos, pesados, escuros. Há dezenas de porta-retratos mostrando a família em natais, passeios no Beto Carrero World ou em viagens ao exterior.
Num fim de tarde, Elizete Malafaia, de 51 anos, uma mulher delicada e simpática, arrumava-se para o culto do marido, na igreja da Penha. Quando bati o joelho pela terceira vez na mesa de centro, ela se desculpou dizendo que o mobiliário – originário da casa da família nos Estados Unidos – era mesmo grande demais para aquele ambiente. Ao volante de seu utilitário preto, ela se dizia preocupada com as polêmicas levantadas pelo marido, sobretudo com os homossexuais.
Segundo ela, não há casos na família. “Se tivesse, iríamos ajudar a tratar, não tenho preconceito”, afirmou. Na igreja, disse, há vários que são facilmente identificáveis. Basta observar como se comportam nos shows de cantoras gospels. Como psicóloga, ela também atendeu inúmeros gays e sustentou que a maioria teria sido abusada na infância. “A homossexualidade é uma desorganização emocional e espiritual. Se a pessoa não perdoou o abuso, ela canaliza aquela raiva para a vingança e, inconscientemente, se torna um abusador também.”
Elizete queria saber se eu acreditava em Deus, se era cristã, se já havia lido a Bíblia, se já havia ido a algum culto evangélico, se havia sido batizada na Igreja Católica. Respondi não a todas as perguntas. Falou-se sobre Deus e o Diabo. Ela afirmou que as forças do mal se empenham a todo instante em impedir que o mundo e o ser humano se aperfeiçoem. “Eu não tenho problema com quem não é cristão, mas você pelo menos acredita no bem e no mal?” “Não no sentido metafísico”, respondi-lhe. Não houve mais perguntas.
Quando o carro passou em frente a um templo da Universal, ela estabeleceu a diferença de sua igreja com a de Edir Macedo. “A Universal é como um hospital onde as pessoas chegam muito doentes.” Ali, elas conseguiriam se recuperar de vícios, colocar a vida nos eixos e afastar do cotidiano a presença do mal. “Mas elas não encontram a palavra de Deus para continuar seguindo a vida cristã”, disse. “E é aí que entramos. Somos uma igreja da palavra, do Evangelho, do caminho.”
Até dezembro de 2009, Malafaia era somente um pastor auxiliar, apresentador de tevê, conferencista motivacional e dono da Editora Central Gospel. Com a morte de seu sogro, que foi por 43 anos titular da Assembleia de Deus da Penha, Malafaia assumiu um rebanho de 17 mil fiéis e 104 templos espalhados pelo estado do Rio. Sua primeira medida foi adicionar o nome Vitória em Cristo para caracterizar sua própria igreja. Para fazê-lo, pediu demissão do cargo de tesoureiro da Convenção Geral das Assembleias de Deus, que era contrária à criação da subdenominação. Deixou a função dizendo que as finanças da instituição eram “caso de polícia”.
A Vitória em Cristo tem 150 pastores contratados, cujos benefícios incluem casa mobiliada, escola para os filhos e plano de saúde. O salário de um pastor iniciante gira em torno dos 3 mil reais e pode chegar aos 20 mil por mês, com direito a carro do ano. “Mas não adianta o cara vir com chorumela: tem que saber ler a Bíblia, pregar, explicar”, disse. Em sua igreja, fiéis desempregados ou recém-demitidos têm direito a uma cesta básica (“E não é com arroz de quinta, não!”) até se restabelecerem. Desde que assumiu a igreja, ele já atraiu 7 mil novos crentes e abriu outros nove templos pelo Brasil, rompendo a redoma fluminense. Tem planos de inaugurar outras 250 igrejas nos próximos cinco anos.
Segundo ele, no Brasil, há um imenso campo para evangelizar pessoas. Elepretende ser a alternativa dos fiéis da Assembleia de Deus que deixaram de se sentir representados pelo que ele chama de “assembleiossauros”: “Aqueles que vão jogar futebol de calça comprida”, disse, fazendo graça com o tradicionalismo de seus pares. Até pouco tempo, os assembleianos eram proibidos de ver televisão, ir à praia ou jogar futebol. Ainda hoje, nas subdenominações mais conservadoras, as mulheres usam saias e cabelos compridos. “Eu quero ser essa opção. Tudo me favorece: tenho visibilidade, credibilidade por estar trinta anos na tevê, comungo dos princípios da Assembleia de Deus, mas não fiquei parado no tempo, sou contemporâneo.”
Inaugurada em maio, a Vitória em Cristo da cidade de Curitiba é o retrato do que Malafaia quer espalhar pelo Brasil. O prédio envidraçado de três andares tem um auditório com mais de 3 mil lugares, palco forrado com madeira na cor caramelo, telões e modernos equipamentos de luz e som. O sistema de ar-condicionado e de calefação “nem o aeroporto da cidade tem”, diz ele com orgulho. O espaço é amplo, todo branco, conferindo ao ambiente uma sensação de limpeza e modernidade.
Em noite recente, o pastor titular – um jovem carioca de óculos e roupas modernas – alternava-se entre anunciar a agenda dos eventos e ler sua Bíblia num iPad. Antes do sermão, um dos melhores amigos de Malafaia, o pastor Jabes Alencar, e o filho deste, igualmente pastor e cantor contratado pela Central Gospel, ensinavam à plateia os gestos que acompanhavam um louvor em ritmo de xote:
O inimigo pelejoumas não conseguiuEle tentou me derrubarEu chamei por Jeovámas foi ele quem caiu
Luzes coloridas e estroboscópicas iluminavam todo o palco e a banda aumentara o volume. Homens, mulheres e crianças dançavam como se estivessem numa discoteca. Antes de deixarmos o local, Malafaia fez questão de mostrar o 2º andar da igreja, onde havia berçários e salas de recreação infantil que não pareceriam deslocados na capa de uma revista de decoração. “Eu não faço porcaria, está vendo? Se eu gosto de coisa boa, imagina Deus”, disse.
Eram sete e meia da noite quando Malafaia subiu no púlpito da igreja Vitória em Cristo, na Penha. Os 2 500 lugares estavam ocupados e ainda havia muita gente em pé. O público era, em sua maioria, de mulheres jovens, maquiadas e bem-vestidas, como se estivessem voltando do trabalho. Representavam a ascensão das classes populares brasileiras. Eram as novas secretárias, vendedoras, telefonistas, recepcionistas. Os homens presentes vestiam terno e gravata ou paletó com camiseta por baixo. “A paz do Senhor, irmãos”, disse Malafaia saudando a plateia de microfone em punho.
Durante os 25 minutos seguintes, Malafaia prestou contas e expôs seus planos aos fiéis. Disse que aquele espaço entraria em reforma para acomodar 20 mil pessoas sentadas, que a igreja em Curitiba havia custado 6 milhões de reais (“Feita com a obra e o dízimo de vocês, aleluia”), que a igreja de Nova Iguaçu vai custar 3 milhões de reais, que precisava ainda levantar 2 milhões para concluir o templo de Joinville e outro 1,5 milhão para o de São José dos Pinhais. Contou que, na véspera, havia batizado coletivamente 1 107 pessoas no Piscinão de Ramos, que na televisão “tudo é patrocinado” e que ele gastava “milhões de reais por mês” para se manter no ar. Reiterou a promessa de abrir uma igreja em todos os “cantos desse país” e disse que ali não era clube nem terapia coletiva, então era preciso compromisso por parte dos crentes.
“Como a gente faz tudo isso? Só com a liberalidade e a fidelidade dos irmãos. Vamos zerar essa conta. Se você quiser fazer uma oferta especial, peça um envelope para você”, disse a todos. “Vamos orar para Deus dar as verbas para vocês. Frutifica a semente que eu e meus irmãos plantamos!”, gritou. Ouviam-se brados de “Aleluia”, “Glória a Deus” e “Louvado”. Alertou: “Ninguém pode ser constrangido a dar oferta. Ninguém é obrigado a dar. Ninguém quer que você tire o pão da boca das crianças nem que se endivide.”
Uma banda começou a tocar uma música etérea, suave. Dos cantos do auditório, saíram rapazes e moças distribuindo pilhas de envelopes onde se lia a frase “Minha semente para uma colheita abençoada”, impressa sobre uma foto de ramos de trigo. Dezesseis deles também carregavam máquinas Cielo para o pagamento da doação em cartão de débito ou crédito. Na Vitória em Cristo, 30% das ofertas são acertadas no cartão. “Não se envergonhe, não se cale, você é um agente de Deus”, disse Malafaia. O barulho dos zíperes de bolsas e carteiras era ensurdecedor.
Do alto, ele mantinha uma postura de desbravador, espichando a vista em direção ao horizonte. Uma mulher com unhas de esmalte negro escreveu algumas palavras no envelope e doou 50 reais; a que estava a seu lado,20 reais. Malafaia tirou o paletó e anunciou uma agenda de compromissos e eventos. Os presentes conversavam entre si e alguns cantarolavam baixinho a música ambiente.
A seguir, indo de lá para cá no palco, Malafaia contou que, no dia anterior, havia recebido 800 mil reais de um empresário amigo, que queria ajudar seu ministério. “Mas eu disse a ele: ‘Você acha que isso está comprando sua salvação, irmãozinho? Nãããnaninanina! Eu aceito a oferta, mas você tem que mudar a sua vida, você tem que aceitar Jesus, ajoelha aí.’” Em 2009, em entrevista a um site evangélico, Malafaia havia relatado uma história parecida, mas o benfeitor era um atacadista e o valor era de 130 mil reais.
Malafaia perscrutava a plateia, como que preocupado com a possibilidade de uma ovelha se desgarrar. Quando percebeu que o movimento dos obreiros havia cessado, deu a ordem: “Levanta o seu envelope aí.” E, como uma onda feita por torcidas em estádios de futebol, os envelopes foram surgindo um a um e ficaram suspensos no ar. “Glória a Deus”, ele disse antes de iniciar uma oração. Dias depois, calculou ter arrecadado por volta de 10 mil reais naquela noite. “Era meio do mês, o pessoal já está com o dinheiro mais contado”, explicou. Só com dízimos e ofertas, a Vitória em Cristo tem uma receita de 20 milhões de reais por ano. Malafaia sustenta que, proporcionalmente ao número de fiéis, é a maior arrecadação das Assembleias de Deus no país.
O sermão da noite era “Vida de fé ou incredulidade. Qual é a sua?”. Na Vitória em Cristo, não há ênfase em cura ou exorcismo. Malafaia prega sem anotações, apenas consultando a Bíblia para ler as passagens que menciona. Sua performance é uma combinação de memória prodigiosa e desempenho cênico. Ele é onomatopeico, careteiro e versátil no uso da voz – com a qual percorre uma escala extensa, do falsete quando imita alguém que faz uma pergunta tola, ao grave profundo que enfatiza uma frase mais solene.
“É você contra o departamento em que você trabalha, é você contra o seu chefe, contra sua família, mas você está com Deus. Para Ele, você é maioria sempre!”, disse o pastor falando sobre autoestima. Leu o versículo 31 do livro dos Números, no capítulo 13. “Porém os homens que com ele subiram disseram: ‘Não poderemos subir contra aquele povo porque é mais forte do que nós.’” Encarando a plateia com o dedo espetado no ar, gritou: “Sabe o que Deus está dizendo aqui? Que aqui tínhamos que viver como ferrados. Era assim.” Da plateia ouviam-se louvores.
“E olha aqui o complexo de inferioridade!”, exclamou diante do versículo 33: “Também vimos ali gigantes (...) éramos aos nossos olhos como gafanhotos e assim também éramos aos seus olhos.” Com a voz ainda mais alta e trêmula, ele trovejou: “Você está se vendo errado, irmão! Você não é gafanhoto! Tem gente que acha que você é inteligente! O complexo de inferioridade é CON-TA-GI-AN-TE! Enterra essa ideia, irmão!” Uma mulher gritou: “Aleluia!” Na minha frente, uma grávida sentada num degrau do altar enxugava lágrimas. “Olha para o seu irmão e diz: ‘Deus tem um projeto para você!’” A meu lado, Elizete Malafaia me olhou nos olhos e falou: “Deus tem um projeto para você e para toda a sua geração!”
Ao final, Malafaia convidou aqueles que estavam se reconciliando com Deus a se aproximar do palco. Eram pessoas que haviam largado a igreja ou ainda andavam em pecado. Oito delas apareceram, foram abençoadas e abraçadas por obreiros, que as ampararam para deixar o local. Depois de duas horas, o culto foi encerrado. Havia uma sensação de redenção e bem-estar no ar. As pessoas pareciam satisfeitas, cheias de si, animadas e confiantes. Malafaia foi cercado pelos fiéis que queriam fotos e consultas individuais. Na saída da igreja, sentia-se um forte odor de fritura e lixo. Dezenas de carrinhos de churros, pipocas e mesas de camelôs dividiam a calçada com detritos de sacos de lixo que haviam sido violados – provavelmente por algum catador de latinhas à procura de alumínio.
Malafaia sempre foi brizolista. Votou em Lula duas vezes e, nas últimas eleições, de última hora, declarou apoio ao tucano José Serra. No início da campanha, disse que votaria em Marina Silva, que também é da Assembleia de Deus, mas mudou de ideia depois de ouvir que ela proporia um plebiscito sobre o aborto. Na TV Record, o bispo Edir Macedo insinuou que Malafaia teria recebido dinheiro para mudar de lado. “Arrumei 200 mil votos para o Marcelo Crivella [senador eleito pelo PRB do Rio e sobrinho de Macedo] e o tio dele vem me fazer uma dessas. Ele ia perder pro Picciani, eu me desdobrei... Agora a gente vê quem é o venal”, disse.
O pastor acredita que o Brasil terá em breve um presidente da República evangélico, mas que não será alguém saído dos quadros da igreja. “É alguém que surgirá da política e que, contingencialmente, será evangélico”, especulou. Segundo diz, uma bancada representativa no Congresso pode cauterizar, ainda na origem, projetos como o da legalização do aborto e da descriminalização das drogas. Hoje são 73 parlamentares, mas acredita que o número pode dobrar. Na eleição passada, os três candidatos a deputado federal que apoiou somaram mais de 300 mil votos. Seu irmão, Samuel Malafaia, foi o terceiro deputado estadual mais votado do Rio.
Eduardo Paes o havia chamado para tirar a limpo o boato de que Malafaia pensava em concorrer à Prefeitura nas próximas eleições. “Respondi que nem pensar. Mas ele sabe que trago votos”, disse-me dias depois do encontro. Em 1995, quando o bispo Von Helder, da Universal, chutou uma imagem de Nossa Senhora na televisão, Malafaia foi um dos líderes evangélicos que saiu publicamente em sua defesa. Edir Macedo ficou bem impressionado e o convidou para se lançar candidato a deputado federal em 1998, com a perspectiva de construir o seu nome como alternativa da Igreja Universal à Presidência. “Mas não era minha praia. Não nasci para ser político, sou um pregador”, disse durante um almoço em um hotel de Brasília. A recusa lhe custou o programa que tinha na Record. Desde então, a relação com Macedo é turbulenta.
Em que Malafaia acha que se diferencia do líder da Igreja Universal? “Eles estão muito violentos nessa coisa de pedir dinheiro”, explicou. “E adotam um discurso perverso na relação com os fiéis. Dizem que, se você não tem uma coisa, é porque você não crê. Já eu afirmo que, se você não tem, é porque foi burro ou jogou a oportunidade fora”, prosseguiu. “O Macedo era um cara de ideais extraordinários, mas se perdeu por causadessa tentativa desenfreada de destruir a Globo. Hoje ele usa o dízimo e as oferendas para bancar o profano, aquele lixo moral, que apresenta na programação da emissora dele.”
Um dos eventos mais importantes organizados pelo ministério de Malafaia é o Congresso Fogo para o Brasil. No final de julho, reuniu 3 600 pessoas no Centro de Convenções, em Brasília. O público era composto de pastores de outras denominações, protestantes de várias partes do Brasil, fiéis da Vitória em Cristo e curiosos que o seguem pela televisão.
Já na entrada, via-se um guichê da TAM, que vendera pacotes de até 2 700 reais por pessoa pelos quatro dias de palestras com preletores de várias igrejas, hotel, traslados e café da manhã. Os corredores estavam apinhados de prateleiras lotadas dedvds, CDs, livros e Bíblias em diversos estilos. Todos tinham a etiqueta da Central Gospel. Uma das Bíblias mais procuradas era a de capa de couro imitando estampa de onça, alcinha que a transformava em bolsa de mão e espelho interno para maquiagem. Custava 10 reais. Havia produtos para todo tipo de público e de interesse. Crianças tinham à disposição toda a coleção da Turma do Cristãozim, com o Evangelho ilustrado; adolescentes eram o foco da série de revistas A Galera de Cristo e mulheres podiam comprar até livros de receitas coroados com reflexões bíblicas.
Um banner na entrada dos 26 guichês de caixa avisava que as compras de mais de 29 reais poderiam ser divididas em duas vezes sem juros e as superiores a 150 em até dez vezes. Quem gastasse mais de 400 reais estaria concorrendo ao sorteio de oito iPads. Na fila ao lado do marido, a funcionária pública Bruna Cristina Moura, 25 anos, uma loira de olhos azuis, bem-vestida, que era da igreja Sara Nossa Terra, havia comprado 12 dvds de Malafaia. “Admiro o jeito dele. Ele me inspira confiança e credibilidade”, comentou. A programação incluía uma série de shows de bandas e cantores da gravadora Central Gospel – que, em comum, têm o hábito de afastar o microfone da boca e tombar a cabeça para trás na hora de um agudo.
No hall de entrada do evento, conheci a empresária Andreia Moraes, uma moça de cabelos loiros compridos, que comia uma coxinha, encostada no balcão. Ela havia viajado sozinha para Brasília, estava hospedada em um hotel confortável e esperava ansiosa a fala de Malafaia. Há dois anos vinha contribuindo para o Clube de 1 Milhão de Almas e afirmou que, desde então, sua vida havia se transformado.
Endividada e desempregada, tornou-se empresária, representante da Herbalife em Mato Grosso do Sul. “Eu o conheci pela tevê, me apaixonei pelas coisas que ele falava, faziam muito sentido para mim”, disse. À sua semente, Deus havia proporcionado uma colheita misericordiosa. “Deus me honrou com uma casa de meio milhão de reais. Eu hoje tenho muito para dar e emprestar, minha família toda se converteu.” Para ela, o que diferencia Malafaia dos demais pastores é sua coragem de “comprar brigas” pelos evangélicos e pelo Evangelho. “Eu tenho discernimento religioso, sei que ele é um homem de Deus. Deus fala através dele. Se ele diz que a semente será frutificada, ela será”, falou.
Em mais duas voltas pelo espaço do evento, cruzei com Murilo Otávio Benittes, um funcionário público que gostaria que os políticos brasileiros fossem “íntegros” como Malafaia; e com Liana Ribeiro, uma pastora baiana que usava gola de pele e disse ter no pastor “uma referência espiritual pelo tamanho de seu trabalho evangelístico”. E também Neide Batista, uma senhora baixa e atarracada, cujo filho havia largado as drogas e arrumado um bom emprego como gerente de uma lanchonete de fast-food. Em todos, predominava a sensação de redenção, agradecimento e consciência plena da razão de estarem ali. A conversão havia sido um ato consentido e rendera frutos.
Na sala VIP do evento, diante de uma mesa de salgadinhos, Malafaia esperava sua vez de entrar no palco. Ele contava ter recebido um e-mail de um diretor da Rede Globo dando-lhe explicações sobre a queixa que havia feito à cúpula da emissora por causa do beijo gay que seria exibido na novela Insensato Coração.
Silas Malafaia contou que, no final do ano passado, foi chamado para uma conversa pelo vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho. O dono da Globo lhe disse que a rede queria conhecer melhor o mundo dos evangélicos. E contou terem percebido, na emissora, que Edir Macedo “não era a voz” dos protestantes no Brasil. Desde então, eles mantêm um canal de comunicação. “Sabe quantas vezes apareci no Jornal Nacional só este ano?”, perguntou o pastor, dando a resposta com a mão bem aberta. “Cinco.”
Numa série de reportagens sobre o trabalho social de determinadas igrejas, o Jornal Nacional mostrou numa delas o que a de Malafaia fazia na Vila Cruzeiro, no Rio. Três meses depois da ocupação da favela por forças do Exército, o pastor levou até lá massagistas, médicos, terapeutas e até manicures para atender à população, gratuitamente. O nome da igreja foi citado e o pastor ocupou o vídeo, sozinho. Um dos sonhos de Malafaia é comprar um horário na Globo para fazer pregações. “Ainda vou conseguir”, disse. “Eles já estão abrindo. Olha o programa do Faustão: está cheio de cantor evangélico se apresentando lá.” A Globo não comercializa horários contínuos. “Só vendemos anúncios em intervalos comerciais”, disse João Roberto Marinho.
No estúdio de gravação do programa, Malafaia, já vestido com um blazer azul-celeste, continuava a murmurar. “Trairagem, safadeza!”, resmungou enquanto se olhava no espelho. Mais do que ter perdido o horário da madrugada na TV Bandeirantes, ele não se conformava com a ursada do apóstolo Valdemiro Santiago. “Um cara que eu ajudei, que botei em contato com a Globo quando ele precisou. Que botei minha cara para bater quando a Lei do Psiu de São Paulo ia fechar a igreja dele”, dizia. Soube-se que, numa negociação direta com a cúpula da Bandeirantes, Santiago ofereceu 150% a mais do que o pago por Malafaia pelo horário das 2 horas às 6h45, algo em torno de 10 milhões de reais por mês. Em geral, os canais vendem aos religiosos janelas reservadas a espaços publicitários. Assim, não se responsabilizam pelo conteúdo do que é exibido.
Com exceção da Globo e do SBT, as demais emissoras gostam e querem vender horários para pastores evangélicos. O pagamento é em dia porque têm dinheiro vivo na mão; o custo de produção dos programas é baixíssimo, o que reduz muito o risco de bancarrota e, consequentemente, de calote. E, como a concorrência entre eles é forte, acabam pagando muito mais por horários desprezados pela audiência, como é o caso das madrugadas. “O R. R. Soares está saindo da Band até agosto e estão me oferecendo para pegar o horário”, disse. “Mas estão querendo enfiar a faca, estou fora.”
O diretor do programa avisou que deveriam descer para o estúdio. “Se o Valdemiro está pensando que vai levantar grana na madrugada, está muito enganado. Ninguém vende nada nem recebe doação de madrugada. O efeito madrugada é falar com gente com problema. Gente insone, desesperada, que não tem a quem recorrer. É espetacular para a evangelização, mas zero para negócios”, comentou.
No estúdio, uma equipe de vinte pessoas estava à sua espera. O cenário é constituído por um painel pintado com arvoredos que supostamente remetem a um jardim em Jerusalém, além de uma fonte de verdade que jorra água. Como trabalha sem roteiro e improvisa tudo, decidiu usar todo o programa para rebater as ferozes críticas da internet que atacavam as suas reiteradas solicitações de dinheiro. No ar, comunicou que precisava levantar 8,5 milhões, e explicou, tostão por tostão, onde o dinheiro seria empregado. Um milhão de reais para uma cruzada evangélica para 100 mil pessoas em São Luís; outro milhão para cruzada idêntica em Fortaleza; quatro milhões para treinar 2 500 pastores e 500 jovens com vocação ministerial; e 2,5 milhões para a adequação do seu programa ao padrão de alta definição digital.
Quando as câmeras foram desligadas, ele me chamou num canto: “Vê se outro pastor faz isso que eu faço. Eu divulgo onde gasto cada centavo que recebo. Vai lá no R. R. Soares e manda ele dizer onde ele põe a grana, vai lá no Edir Macedo e vê se ele abre as finanças dele.” Terminou a conversa revelando o resultado dos pedidos de oferta. Em menos de dez dias, 145 pessoas haviam doado os 10 011 reais e outras 2 mil, os 911 reais. “Alguma compensação eles devem ter, não acha?”, perguntou.
Vi no ComTextoLivre
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3 comentários:
Vou renovar meu passaporte agora!
Se esse estelionatário estiver certo e o brasil tiver um presidente evangélico, sumo desse país no dia seguinte! Se ninguém me der asilo político, fico ilegal mesmo!
Mas num país evangélico não vivo nem f**#ndo!!!
Eu vou com você, Luciana!
Nem vou comentar todas as barbaridades que li; só não sei como consegui ler tudo, mas apesar de meu estômago ter ficado embrulhado, de certa forama até achei um texto muito fascinante. Pelo menos agora eu sei exatamente todos os porquês de eu nunca ter suportado esse sujeito.
ps: Luciana querida... me leva na mala? Hehehe!
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