Das 5,1 mil crianças para adoção, 25% têm alguma enfermidade ou deficiência
Renata Mariz
A história de um bebê com síndrome de Down deixado em um dos mais caros hospitais do Rio de Janeiro, há pouco mais de uma semana, virou notícia nacional, despertando a comoção de gente do país inteiro. Embora uma analogia com o folhetim Páginas da Vida, no qual uma criança nas mesmas condições acaba rejeitada pela família na maternidade, tenha sido feita exaustivamente, o drama do recém-nascido na unidade carioca nada tem de enredo de novela. É um problema não apenas real, como também frequente no Brasil. Para se ter ideia, a cada cinco crianças e adolescentes hoje no Cadastro Nacional de Adoção, um tem doença grave ou algum tipo de deficiência. A chance de serem chamados de filhos diminui consideravelmente em relação aos saudáveis.
“O perfil exigido pela maioria das pessoas realmente não contempla as crianças com problemas de saúde. É um desafio maior trabalharmos para que elas sejam escolhidas”, diz o juiz Nicolau Lupinhaes, do Conselho Nacional de Justiça, que gerencia o Cadastro Nacional de Adoção. Há, atualmente, 5.157 meninos e meninas registrados. Desse total, 1.356 (26,3%) apresentam algum tipo de problema: 176 têm deficiência física; 326, doenças curáveis; e 99, não curáveis. O estado de saúde de 206 é ignorado. O número de crianças e adolescentes com deficiência mental é de 410 — ou seja, 8% do total de aptos à adoção. Na população em geral, o índice não passa de 2%. A discrepância fica nítida também no caso dos infectados por HIV. Enquanto 2,6% (139) dos incluídos no cadastro têm o vírus, a taxa no Brasil está em torno de 0,6%.
Carolina fez parte da triste estatística desde o nascimento, quando foi abandonada pela mãe biológica ainda na maternidade, até os quatro anos. Durante esse tempo, a menina, que tem paralisia cerebral e síndrome de Möebius, uma desordem neurológica complexa, morou em um abrigo. Até que, três anos atrás, as autoridades verificaram no Cadastro Nacional de Adoção pretendentes que, ao contrário de quase todos, não tinham perfil de criança definido. “Deixamos em aberto. Podia ser saudável ou não, homem ou mulher, de qualquer cor. O importante é que fôssemos tocados”, lembra Cleciani Cabral. Ao lado do marido, André Cabral, ambos com 32 anos, e dos dois filhos biológicos, o casal foi conhecer Carolina depois de saber da história da menina por meio das autoridades que lidam com o processo de adoção.
“Foi amor à primeira vista”, conta Cleciani. André lembra com bom humor a reação de alguns familiares e amigos. “Eles diziam que a gente era louco, que ia dar trabalho. Mas muitos deram força também”, afirma o analista de sistemas. A experiência com a pequena Carol foi tão fantástica, segundo o casal, que, em janeiro deste ano, aumentaram a família com Maria Vitória. Com microcefalia e atraso no desenvolvimento, a menina de 2 anos passa atualmente por uma bateria de exames para fechar o diagnóstico. Mas a evolução, em 10 meses de convivência, é notável. “Quando ela chegou, não conseguia firmar o pescoço, não ficava sentada sozinha. Agora, já está muito melhor”, diz André, enquanto beija a caçula.
AdaptaçãoOs filhos biológicos João Vítor e Jordana, ele com 5 e ela com 9 anos, também mimam as duas irmãs especiais. “É engraçado, porque eles nunca me perguntaram por que o pezinho da Carol é virado para dentro ou por que a Vitória não fala, não anda. Acho que as diferenças, para os dois, nem existem”, alegra-se Cleciani. O casal não descarta aumentar a prole com mais adoções. Por ora, entretanto, está entretido com a adaptação de Vitória. Quanto à missão de cuidar de quatro crianças, duas delas com um maior nível de dependência, Cleciani e André garantem que tiram de letra. “É gostoso. Eles retribuem absolutamente tudo. As meninas (Carolina e Vitória) estão nos ensinando muito”, afirma a mulher, olhando para a meninada na sala de casa, em Sobradinho. Tweet
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