quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Escândalos de que governo?


Escândalos de que governo?


Lista, que circula na internet com 102 escândalos atribuídos ao governo Lula, revela: inúmeras denúncias contra os governos FHC/PSDB e aliados; ações que comprovam probidade e eficiência do Governo Lula no combate à corrupção; denúncias vazias; e  pouquíssimas acusações procedentes a Lula/PT
Por Raul Longo, com QTMD?(*)
A internet é diferente da televisão e das páginas de jornais e revistas onde só se pode acreditar ou não acreditar. Assim como as maquiagens e cabelinhos bem cortados da TV ou o textinho bem arranjado da revista e do jornal vendem uma impressão de credibilidade, na internet é a inscrição de um link que passa essa impressão de conteúdo e embasamento para uma afirmação.
Se além da cara de bom moço ou de simpático casal cotidianamente no mesmo horário, não se apresenta outra certeza às dúvidas do telespectador, na internet há a irrefutabilidade do link. Já que assim é, ninguém perde tempo em seguir a indicação de uma afirmação, pois lá está o link para confirmar que se disse a verdade.
Acontece que nessas mensagens sem assinatura, sem um nome que a assuma, quem seja responsável pela informação ali transmitida, quando um dedinho curioso clica bem em cima do link inserido, geralmente descobre ali mesmo o desmentido do que é afirmado de pés juntos. Põem o link exatamente pela certeza de que muito poucos dedinhos sejam curiosos ou disponham de tempo para ir dispensando-o por tantos clicks.
“Causos” também há diversos, mas infelizmente nem todas as pessoas aprenderam a lidar com a internet. Isso é muito ruim para elas, pois fazem uso apenas de duas propriedades dessa estimulante inovação tecnológica: primeiro a mesma já utilizada na mídia convencional, assimilando informações sem questionar. Segundo, numa relação muito mais comprometedora e, no mínimo, vexatória: distribuindo o assimilado.
Na internet o cidadão de boa fé não é apenas um receptor de mentiras que, quando muito, repassa em conversas para pequeno grupo de familiares, colegas, amigos e vizinhos. Pela internet, além de receptor também se pode ser distribuidor de mentiras em larga escala.
A única forma de não passar por mentiroso e tolo perante as centenas de amigos virtuais que cada um tem em sua lista de correspondentes, é utilizando a terceira possibilidade da internet. Exatamente a que a torna o mais estimulante dos veículos de comunicação. Nenhum outro oferece essa possibilidade, embora seja exatamente a que menos se usa: a de verificação da veracidade das informações recebidas.
Talvez os mais jovens ou a próxima geração disponha melhor dessa possibilidade, mas percebe-se que muitos ainda usam seus computadores como se estivessem assistindo TV, comprando qualquer bagulho como algo confiável.
O mais lamentável é que quem produz as mentiras apócrifas — que, ao distribuir, nosso incauto usuário assina e assume de graça — além de covardemente se esconder no anonimato, evidentemente está ganhando com essa utilização da ingenuidade e preguiça alheia.
Não se trata de preguiça moral, claro que não! É que dá mesmo preguiça. E quem é que vai ter tem tempo disponível para abrir 102 links? Também por isso essa lista é tão longa e tem até investigação de crime comum arrolada como escândalo político.
Mas não foi só para garantir a não leitura de cada tópico que se desenvolveu 102. Um número aleatório, mas substancioso, embora paradoxalmente a maioria das unidades do conjunto não apresentem substância alguma. Poderia ser 103 ou 101, o importante é ser mais de 100 para estimular a capacidade de indignação através da quantidade, pois num país com a nossa história 50 ou 60 casos de corrupção num governo, é nada! Só o Geraldo Brindeiro engavetou 600. Aquele sim é que foi governo de peso!
Mas naquela época não escandalizava ninguém, porque para ser escandaloso o desvio cometido precisa de quem o divulgue e não que se o engavete. Não existe escândalo se não houver notoriedade! Mas se houver um profissional de escandalizações, ou um conjunto de veículos de comunicação, até rezar “Pai Nosso” e “Ave Maria” se torna profano. Se souber mexer com os recônditos do imaginário, vira até escandaloso!
Aqui, no caso dessa lista, o autor não foi pago pra tanto. Coube-lhe apenas juntar ao que já foi especulado pela mídia corporativa, algo mais que conseguisse catar ou inventar, transferir de lá pra cá, qualquer coisa desde que fizesse volume.
Dessa forma se acusa o governo Lula até pela morte do Herzog. Foi em 1975 e é o caso mais antigo, mas tem também de décadas posteriores e ainda antes de qualquer indício de que Lula viria realmente a presidir o país.
O volume é o que importa. Pois o que realmente interessa é que se compreenda que não adianta pensar em política, não resolve se interessar por política, não se deve se meter com política. Quanto menos se falar de política, menos conversar sobre política, menos se faz cobranças políticas. E é aí que a coisa fica boa para quem detém a política.
Quem detém a política detém o poder sobre quem não quer saber de política. E esse poder serve inclusive para se usar politicamente do cidadão que se crê apolítico. Como dizia Bertolt Brecht, não há melhor arma política para um político corrupto do que o cidadão que se pretende apolítico. São exatamente os que não acreditam em possibilidades de mudança através da política, quem mantêm a política do jeito em que está. E quando acontece de aparecer alguém com visão política para mudar o jeito, serão exatamente os apolíticos os usados para fazer voltar àquele jeito em que estava.
Como? Por exemplo com números grandiosos como estes 102 que indignam pela quantidade e o apolítico sem perda de tempo para conferir ou pensar o conteúdo, faz o que lhe parece ser a única coisa possível de ser feita: repassa a informação falsa para outros, colaborando com a expansão de seu ideal de mundo apolítico. Aristóteles definiu o homem como animal político, mas o verdadeiro beneficiado pelos apolíticos são os políticos que neles encontram um aliado gratuito e muito eficiente.
Posso estar enganado, mas me parece que a intenção ao tornarem a circular essa lista, é a de aproveitar a onda internacional e motivar as pessoas a imitar os que tomam Wall Street, as praças dos países árabes e da Espanha, as periferias de Londres e Paris, os gregos e os italianos.
Isso é ótimo e devemos todos ir para as ruas mesmo, mas antes é preciso estar realmente informado do por que se tem de ir às ruas, do contrário será mero bate pernas sem rumo nem objetivo. Precisamos conhecer o conteúdo de nossas palavras de ordem, pois não se pode gritá-las em azul e sublinhar para fazer de conta que temos algo de substancial a ser dito. E se é só pra dizer o que se “acha”, que se faça uso do telefone. Telefone é o aparelho indicado para os “achismos”.
Todo mundo pode dizer “merda”, mas ninguém sobe num palco para dizer “merda” como todo mundo. Ir para as ruas sem dignificar a indignação é ser tratado como massa de manobra pelos donos da política. Aí, melhor ficar em casa e procurar se informar sobre os motivos que levam multidões às ruas da Europa, Oriente e América do Norte.
Na minha adolescência também fui um esquerda festiva. E sei bem que entre esquerda e direita festiva a inconsequência é a mesma. Não resulta em nada. Se quisermos dignificar nossa indignação ao menos para nós mesmos, precisamos conhecê-la e compreendê-la em todos seus motivos.
Do contrário é integrar a massa de manobra. É se fazer de inocente útil e assemelhar-se ao personagem de comédia teatral que repentinamente suspirava lamentando “- Não tô legal.” e quando perguntado da razão, respondia: “- Sei lá! Mil coisas!”
É preciso ir às ruas por mil coisas! É preciso ir às ruas por uma única coisa! É preciso ir às ruas por 102 coisas! Mas não adianta ir às ruas sem conhecer os motivos de cada coisa que nos leva às ruas, pois a ressaca moral do festivo é a vergonha perante si mesmo pelo resto da vida.
Apenas o que difere o inconsequente pretensamente politizado, seja de esquerda ou direita, do pretensamente apolítico, é que o apolítico se alienou de sua condição como integrante da massa e não se sabe usado. O festivo, o que vai às ruas por onda ou moda, acha bonito ou engraçado se deixar usar. Mas ao se descobrir usado, nunca mais poderá se livrar da lembrança de que já foi usado.
O apolítico colabora com o que aí está, mas não sabe. O outro também, mas sabe. Ou se não sabe, saberá. E essa será a dor e vergonha que não poderá mentir a si mesmo.
O que constantemente tenho ouvido e lido pela internet são muitas revindicações de esquerdas com discurso de direita e muitos direitas assumindo discursos que condenaria na boca de outros aos quais acusaria de esquerdas. E não se apercebem que estão falando sozinhos, seja por anacronismo ou pelo desajuste da máscara que lhes escapa no decorrer do próprio discurso.
Nas ruas, ambos quebrarão a cara, pois como bem definiu Castro Alves “A praça é do povo como o céu é do condor”. E que não se meta a voar quem não tenha asas definidas.
Mas é preciso, sim, ir às ruas. E esse é o momento. Não por modismo, não como meros colonizados imitando os loiros do hemisfério norte. É preciso ir às ruas para mudar o mundo antes que acabem com o mundo. É preciso ir às ruas por nossas vidas e pela vida da próxima geração que talvez não tenha oportunidade de gerar a que deverá sucedê-la, se não formos, hoje, às ruas.
É preciso não ignorar que pelas ruas de Nova Iorque sempre houve famintos e abandonados. Em qualquer país capitalista sempre há e haverá famintos e abandonados. E que neste momento a classe média do mundo aprenda que enquanto houver um faminto e abandonado em algum lugar, por mais classe média que seja sempre poderá ser o próximo a dividir o frio e a fome para pagar a farra e a festa capitalista.
Isso não é proselitismo nem “achismo”. Isso é a história do mundo e é o que está acontecendo com milhares de pessoas que até a pouco olhavam os abandonados como seres inexistentes. Que a classe média se descubra, enfim, como mais forte candidata à sarjeta do que às mansões. E melhor recebida nas ruas do que nos condomínios fechados que antes ocupou.
Para que possam encontrar algo para responder a si mesmos quando se perguntarem o que os levou às ruas, exponho aqui a informação divulgada pela BBC de quando a Secretária de Estado Hillary Clinton citou o Brasil como exemplo mundial de transparência em gastos públicos, além de afirmar para os líderes de 60 países reunidos na OGP – Open Governmement Partnership (Parceria para a Transparência Governamental):
“O que o Brasil fez nos últimos 25 anos é notável. Porque expandiu sua base de impostos, aumentou sua receita como porcentagem do PIB [Produto Interno Bruto] e não enriqueceu uma pequena elite, mas espalhou esses recursos amplamente entre o povo brasileiro, em um esforço que tirou tantos da pobreza e ao mesmo tempo aumentou o cada vez mais forte estabelecimento de instituições democráticas e resultados positivos”http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-07-12/acoes-de-transparencia-nos-gastos-do-brasil-sao-exemplo-diz-hillary-clinton
Fizemos o suficiente? Para Dona Hillary Clinton pode parecer que sim, mas para nós mesmos ainda não. Para nós mesmos ainda há muito a ser feito e precisamos ir às ruas por muito mais do que 102 motivos, ou mesmo que seja por um único motivo.
Com a inconsequência que sempre lhes foi própria, em determinado momento de nossa história os festivos do Brasil faziam coro ao Marcos Vale cantando: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos!”, achando que assim propunham algo revolucionário. Pois um bom motivo que temos agora para ir às ruas é de mostrar às pessoas que não devem confiar em ninguém com mais de 3 veículos de comunicação.
Quem tem mais de 3 veículos de comunicação não quer informar nada, mas sim condicionar a todos e nos homogeneizar numa única massa. Apolítica, claro! E a melhor forma de produzir essa massificação de cada indivíduo é a mesma usada nesta lista, onde tudo vira escândalo. Inclusive o combate aos motivos de escândalo.
Se as palavras da Hillary Clinton chegassem ao conhecimento da maioria dos que distribuem esta lista de escândalos, ficariam atônitos: “Como assim? E o que diz a TV? Os jornais? As rádios? As revistas? O impostômetro na Rua Boa Vista de São Paulo?” Pois é… todos os dias eles dizem que o brasileiro é o povo que mais paga imposto no mundo, e todos os dias neles se acredita embora nunca ao ligar o computador se teve a curiosidade de consultar na internet a relação da carga tributária de todos os países do mundo, para conferir se estão dizendo a verdade.
Não adianta alguém dizer que mentem, pois se numa hora se acredita na TV e outro no que escreve pela internet, aí dá tudo na mesma. E isso de escolher entre um e outro por simpatia é coisa de idiota, como o William Bornner afirmou que sejam seus telespectadores.
Temos de nos informar e para isso todos têm o computador na mão. Não podemos ir às ruas com indignações forjadas, condicionadas. É preciso ir para às ruas com a mesma indignação e certeza dos egípcios que foram derrubar uma ditadura, porque sabem que é nas ruas que se derruba ditaduras. Com a mesma certeza que se foi ao Movimento das Diretas, porque se sabia que é nas ruas que se derruba uma ditadura. Com a mesma certeza que em Florianópolis se fez a Novembrada, porque se sabia que novembro como qualquer outro mês sempre é um bom mês para se derrubar uma ditadura.
Felizmente já não somos mais uma ditadura e os que não passaram pela ditadura apoliticamente, conhecem muito bem o motivo de podermos nos felicitar quanto a isso. Mas é a muitos desses que se faz perceptível que os que se interessam pelas ditaduras e estão sempre dispostos a promovê-las, vêm estimulando os discursos desconexos dos festivos e a perigosa apatia dos apolíticos para envolver a todos na onda do protesto internacional.
Adiante se analisa um desses artifícios e farsa e aqui se convida a todos para ir às ruas. Vamos pela Palestina! Vamos pelo Iraque! Vamos por Honduras! E gritemos nunca mais às ditaduras! Vamos pedir pelos gregos, pelos italianos, pelos espanhóis, pelos norte-americanos! Mas vamos sabendo o que precisa ser feito e por que tem de ser feito, para não termos de voltar para casa ainda mais solitários do que dela saímos.

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