Alana Rizzo
Igor Silveira
Contrariando recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) de descentralizar e democratizar projetos culturais, o Ministério da Cultura autorizou a destinação de R$ 12,3 milhões para a produção do Rock in Rio Brasil 2011, o maior e um dos mais rentáveis festivais de música da América Latina. A captação, via Lei Rouanet, feriu pareceres da própria pasta, que contestaram o volume de recursos públicos destinado a um projeto lucrativo e cobraram maior contrapartida dos produtores. Após a aprovação da renúncia fiscal, funcionários ligados ao convênio e autoridades do ministério ainda ganharam passe livre para o festival, realizado entre 23 de setembro e 2 de outubro.
A “caravana” do Ministério da Cultura contou com o aval e a presença do secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Henilton Parente de Menezes. Servidores que ocupam cargos comissionados postaram fotos da viagem nas redes sociais. O Código de Ética da Administração Federal estabelece limite de R$ 100 para presentes. O ingresso mais barato do Rock in Rio custava R$ 190 na bilheteria.
A festa dos funcionários públicos só ocorreu porque o ministério ignorou recomendações da pasta e dos órgãos de controle. Documentos obtidos pelo Correio revelam a preocupação de técnicos do ministério com o descumprimento da legislação, que obriga a adoção de medidas para facilitar o acesso às atividades culturais. Por esses pareceres, o dinheiro público deveria financiar eventos culturais que encontram dificuldades de se bancarem. Não foi o caso do Rock in Rio. A receita prevista do festival era de R$ 34,2 milhões.
Segundo os próprios organizadores, os números do evento surpreenderam. Foram mais de 700 mil pessoas em sete dias de shows. A Instrução Normativa nº 1 do ministério afirma que “os preços de comercialização dos ingressos devem ser estipulados com vistas à democratização do acesso”. Os valores acima de R$ 190 não se encaixam no perfil, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Para o ministério, a democratização do festival ficou por conta da distribuição gratuita de 5.042 ingressos, destinados a jovens e professores de escolas públicas do Rio de Janeiro, e das oficinas de música. Segundo o secretário Henilton Parente de Menezes, que foi ao festival, os ingressos não são considerados presentes e, por esse motivo, não há violação da regra que não permite regalos acima de R$ 100. “É uma obrigação que o produtor envie para o ministério e eles perdem a validade. Adotei então essa metodologia de qualificação. Coloco à disposição para que minha equipe participe do movimento cultural brasileiro. Foi uma decisão minha”, afirma, negando conflito de interesse. “Por que ele vai pagar se é doado por lei?” O secretário sustenta que a prática acontece corriqueiramente e que ele mesmo vai aos eventos — que tem apoio do Ministério da Cultura — de graça. “Sou o secretário de Fomento à Cultura”, disse.
Questionado se a ministra Ana de Hollanda tinha conhecimento da “política de distribuição interna” de ingressos para eventos culturais na pasta, Henilton respondeu: “Ela não sabe de tudo que acontece no ministério”, completando que tem um cargo de confiança que lhe dá esses poderes.
Diligências
O projeto do Rock in Rio, enquadrado como “música popular”, foi alvo de diligências desde agosto do ano passado. A equipe técnica da pasta encontrou irregularidades no projeto inicial, apresentado pela empresa Dream Factory Comunicação e Eventos Ltda. No entanto, a captação de R$ 4,5 milhões foi autorizada em 29 de outubro do ano passado. Os produtores conseguiram apoio de quatro companhias privadas, além da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, um dos maiores contribuintes, com R$ 1,2 milhão. Na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), o parecer ressaltava outra irregularidade já apontada pelo TCU: a de que os projetos não apresentavam informações suficientes sobre a proposta. A CNIC apontava que grande parte do orçamento estava destinado à estrutura do evento, incluindo lojas, bares, restaurantes e entretenimento, e não às atividades culturais. Os conselheiros também alertaram que a proposta não apresentava todos os custos do Rock in Rio e incluía despesas proibidas como passagens de primeira classe e refeições para pessoas que não estavam diretamente ligadas à produção do evento.
A reportagem entrou em contato com a produtora, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição.
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