O vale-tudo é uma categoria do esporte, assim como a pornografia é um tipo de cinema. É legítimo e faz parte do capitalismo. Há pessoas fazendo e há pessoas comprando. Ótimo. Canais e sites especializados. Perfeito. Mas se o vale-tudo vai mesmo pra Rede Globo, cabe uma inquietação filosófica: por que mostrar uma perna fraturada é menos hediondo do que exibir um ânus dilatado? Ou libera tudo ou larga de hipocrisia. Cadê a bancada da putaria nessa hora?
Eis o fato: a Globo, que outrora zelava pela família brasileira, está se desintegrando e apelando pro mercado, digamos, não convencional. A sessão de espancamento à meia noite de um sábado não cai bem a uma empresa-família. E os valores da Globo sempre foram familiares. Foi em cima da família brasileira que a empresa construiu a sua imagem, se valendo da cultura do país pra produzir mercadoria.
Será que o vale-tudo da Globo seria o tipo de programa que Willian Bonner e Fátima Bernardes indicariam aos seus filhos? O que o Roberto Marinho diria disso? Mas o patriarca morreu, e agora três herdeiros reencenam Shakespeare e Dostoievsky no Rio de Janeiro: José Roberto Marinho, Vice-Presidente Responsabilidade Social; Roberto Irineu Marinho, Presidente Executivo, e João Roberto Marinho, Vice-Presidente Editorial – executivos das Organizações Globo e acionistas da Globo Comunicação e Participações.
“O vale-tudo também passa na TV aberta nos Estados Unidos.” Beleza, mas lá eles também não são gênios em tudo. Me parece apenas que a experiência mefistofélica de ver Galvão Bueno gritando “Na cabeça!” enquanto a cabeça de um ser humano é severamente esmurrada não deve ser repetida. Aliás, Galvão deve ter se achado O POETA ao cunhar a expressão “gladiadores do terceiro milênio.” E o arauto da perspicácia ao gritar “Na cabeça!” pra explicar qual era o membro seviciado, como se não fosse explícito.
O capitalismo é mesmo uma selvageria: enquanto a Globo apela pro vale-tudo, a Som Livre, sua gravadora, se rende a música Gospel. Como anda difícil vender CD hoje em dia, o lance é apelar pra um mercado que considera a pirataria não só um crime, mas também um pecado e uma blasfêmia. E assim a empresa que por décadas teve como paradigma uma certa classe média carioca, hoje é mais a cara do Brasil real, com doses explícitas de violência e de fanatismo religioso.
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