Riscos ao processo de participação social
Eu gosto muito de conversar e, num daqueles papos ótimos e muito criativos, uma menina me saiu com esta: “Tia, eu sou só pequenininha, não sou boba não, sabia?” É mais ou menos assim que eu estou me sentindo nessa interlocução com o governo sobre participação social no novo modelo de planejamento. E (...) no caso, com décadas de luta feminista, nem mais pequenininha eu sou!
As mulheres estão muito entusiasmadas com a presidenta e suas ministras. E também com os seus projetos, como é o caso do Plano Plurianual (PPA 2012-2015): Plano Mais Brasil — Mais Desenvolvimento, Mais Igualdade, Mais Participação. Mas, por mais que estejamos enaltecendo e propagando os avanços do PPA, com seus indicadores e algumas metas definidas para as mulheres e o combate ao racismo, desassociá-lo da Lei Orçamentária Anual (LOA) invalida essas conquistas pelo simples fato de dificultar a transparência, a participação e o controle social.
A Constituição definiu o ciclo orçamentário como um processo que se inicia com o PPA e se efetiva ano a ano com o Orçamento. As boas intenções do governo, como o Plano Plurianual, só se concretizam com a execução orçamentária das ações da LOA. Desvincular essas duas leis impede o monitoramento qualificado das realizações governamentais e das políticas públicas e a avaliação da efetividade, eficácia e eficiência na gestão dos recursos públicos.
Ao separar a informação sobre o planejado da informação sobre o executado, o governo com certeza dificulta o controle externo e o controle social, que existem não apenas para fiscalizar a lisura do governo, mas principalmente para contribuir com proposições críticas e análises qualitativas da implementação das políticas públicas para melhorar a gestão e o uso dos recursos públicos no sentido da garantia dos direitos da cidadania. Se alguns parlamentares optaram por abdicar de seu poder de acompanhar a execução orçamentária da União e pouca atenção estão dando às prestações de contas apresentadas pelo Executivo, nós, dos movimentos sociais, estamos lutando para ampliar os espaços de exercício ativo da cidadania sobre o Orçamento Público e, quase sempre, é bem difícil devido à concepção do modelo de planejamento adotado pelos governos.
Ninguém ganha com a falta de transparência nem dificultando o entendimento e as informações à população. O orçamento para 2012 tem previsto 102 subfunções e o PPA tem 65 Programas Temáticos, com objetivos e iniciativas confusas que, por sua vez, orientam e agrupam as ações orçamentárias que definem os recursos e apresenta a meta a ser atingida.
Como o PPA não especifica as metas anuais, fica difícil saber se os recursos alocados são adequados para a obtenção dos resultados definidos. Por exemplo: a presidente Dilma se comprometeu em construir 6 mil creches em seu mandato. Já se passou praticamente um ano e ainda não conseguimos saber quantas creches foram implantadas até agora, nem quanto isso custou, nem onde e como elas estão funcionando. E também não sabemos quantas creches se planeja implantar e qual o recurso alocado para essa ação governamental para 2012.
Não basta analisar as intenções do governo, expressas no PPA. Precisamos ter instrumentos para avaliar a efetivação de políticas públicas e se as ações do governo trouxeram condições para o bem viver das pessoas. Se enfrentaram as desigualdades sociais, de gênero e de raça/etnia. Quais prioridades e compromissos o governo cumpriu? Quanto gastou para isso? A resposta a essas perguntinhas básicas hoje — com muitas lacunas em relação às desigualdades de gênero e raça — temos disponível no portal do Sigabrasil (www.senado.gov.br/siga) e em alguns portais de transparência governamental, como manda a LC131/2009.
Compartilhar e não confundir os dados é o primeiro passo que o governo deve dar se, de fato, quer “mais participação”, como vem afirmando. É a transparência das informações que viabiliza e democratiza o processo orçamentário. É através de uma relação sem dependência, respeitando a autonomia dos movimentos sociais, que se desenvolve o controle social e se constrói mais possibilidades para toda a sociedade viver bem, com justiça socioambiental e igualdade neste nosso “Mais Brasil”, presidido pela primeira vez por uma mulher.
Vi na Universidade Livre feminista
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