sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Universitários indígenas relatam detalhes do ataque ao cacique Nisio



Universitários indígenas relatam detalhes do ataque ao cacique Nisio


A carta dos universitários indígenas faz um relato, detalhado, da execução de Nisio Gomes, a partir de depoimentos coletados junto aos índios que estavam no acampamento Tekohá Guaiviry, na hora do ataque da milícia que atua na região da fronteira com o Paraguai, clandestinamente, desde 2008.

O texto revela em detalhes a ação dos pistoleiros que, pela versão descrita, agiram de acordo com um planejamento antecipado da ação – que tem se repetido impunemente no sul do MS. Nesse caso, treinamento de ataque pode significar experiência em tática militar.

Segundo a carta, o uso de balas de borracha indica que o motivo da ação era eliminar a liderança do acampamento indígena, e aterrorizar os demais acampados, e assim evitar assim um número maior de vítimas fatais - fato que teria repercussões incalculáveis contrárias ao grupo, com a que ocorreu no caso de Eldorado de Carajás.

Mas a proporção assumida pelo caso, inclusive com notícias dos principais sites de informação do mundo, como a inglesa BBC, indica que a estratégia do grupo foi uma espécie de “tiro que saiu pela culatra”. 

Como a PF tem coletado os depoimentos de dezenas de índios que estavam acampados, seguramente o mesmo conteúdo é de conhecimento do delegado Alcídeo de Souza, da Delegacia de Defesa Institucional, responsável pela elucidação do caso.

O texto da carta, publicado como o escrito, foi enviado para a revista Fórum, de São Paulo, que é ligada aos movimentos sociais do país. Leia:

“Por volta das seis horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em fila já chamando pelo Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o Nísio. Quando Nísio é visto recebe o primeiro tiro na garganta e com isso seu corpo começou tremer. Em seguida levou mais um tiro no peito e na perna. O neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu para agarrar o avô.

Com isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de Nísio com a arma. Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros receberam tiros, mas sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também. As pessoas gritavam e corriam de um lado para o outro tentando fugir e se esconder no mato.

As pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento. Um rapaz que foi atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e quebrou a perna. Ele não conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que esconder ele embaixo de galhos de árvore para que ele não fosse morto.
Outro rapaz se escondeu em cima de uma árvore e foi ele eu me ligou para me contar o que tinha acontecido. Ele contou logo em seguida. Ele ligou chorando muito. Ele contou que chutaram o corpo de Nísio para ver se ele estava morto e ainda deram mais um tiro para garantir que a liderança estava morta.
Ergueram o corpo dele e jogaram na caçamba da caminhonete levando o corpo dele embora.

Nós estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento.
Afinal, o que é o índio para a sociedade brasileira?
Vemos hoje os direitos humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais. Mas e as populações indígenas, como vem sendo tratadas?
As pessoas que fizeram isso conhecem as leis, sabem de direitos, sabem como deve ser feita a demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito na justiça. Então porque eles fazem isso? Eles estão acima da lei?
O estado do Mato Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o primeiro em violência contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a população indígena.
Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas.
Prova disso é a execução do Nísio. Quando não matam assim matam por atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.
E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria Constituição?
E nós estamos aí sujeito a essa violência. Os índios vivem com medo, medo de morrer. Mas isso não aquieta a luta pela demarcação das terras indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a justiça final é ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de Deus vai funcionar”.
Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de ciências sociais e história e moradores da aldeia de Amambaí.

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