A Operação Cracolândia foi precipitada por uma decisão do segundo escalão da Polícia Militar (PM) e do governo do Estado. Há dois meses, a ação era planejada em alto nível. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), o prefeito Gilberto Kassab (PSD) e as cúpulas da Segurança Pública, Assistência Social e Saúde das duas esferas de governo estavam acertando tudo para que o trabalho começasse em fevereiro, depois da abertura de um centro de atendimento com capacidade para 1,2 mil usuários de drogas na Rua Prates, no Bom Retiro.
Epitácio Pessoa/AE
Policiais fazem revista na região da cracolândia
Eles queriam evitar, por exemplo, que os dependentes se espalhassem pela cidade depois do cerco à cracolândia. Outro objetivo era evitar que a operação focasse apenas políticas de segurança pública, ampliando-a para as pastas sociais.
Até que na segunda-feira houve uma reunião de segundo escalão, na qual Luís Alberto Chaves de Oliveira, o Laco, coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça, disse ao coronel Pedro Borges, comandante da região central de São Paulo, que o governador queria a operação. O coronel disse que poderia fazê-la de imediato, pois tinha acabado de receber 60 homens da escola de soldados.
Assim, na manhã de terça-feira, ele pôs o time em campo sem nem sequer avisar o Comando-Geral da PM, o governador e a Prefeitura. E acabou criando um mal estar entre os dois governos.
No primeiro momento, só a PM participou. A Prefeitura achou que a Segurança Pública queria aparecer sozinha. Kassab conversou com o governo estadual e ouviu as explicações. O próprio coronel teve de se explicar com o Comando. A cúpula da Segurança queria saber por que ele havia feito a operação sem informar ninguém.
Ainda na terça de manhã, quando a operação começou, o governador questionou o secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, e o comandante-geral da PM, coronel Álvaro Camilo. Nenhum deles sabia de nada. Já com os policiais na rua, a Prefeitura convocou equipes de limpeza e de assistência social e a PM teve de dar continuidade à operação que só estava prevista para fevereiro.
Reunião. Ontem, o Comando da PM foi convocado para uma reunião de emergência no Palácio dos Bandeirantes. Alckmin queria explicações do comando. Embora estivesse no QG quando todos foram convocados, o coronel Alvaro Camilo não foi ao palácio.
Estiveram na reunião os coronéis Danilo Antão Fernandes (subcomandante-geral) e Marcos Roberto Chaves (comandante do Policiamento da Capital), além do coronel Pedro Borges. A reunião começou tensa, mas terminou sem nenhuma demissão. A história do mal-entendido com Laco prevaleceu.
Entre os coronéis da PM, no entanto, a atuação de Borges tem outra explicação. Muitos acham que sua ação se explica pela mudança obrigatória do Comando-Geral, que ocorrerá em maio. Borges teria antecipado a operação pensando na cadeira de comandante-geral. Só não esperava a reação dos demais envolvidos no caso.
Camilo ficou irritado - viu na atitude do subordinado uma ameaça a seu relacionamento com Kassab - 30 dos 31 subprefeitos de São Paulo são coronéis da PM. O prefeito preferia que a operação fosse deflagrada após 4 de fevereiro, quando planeja inaugurar o galpão que receberia as pessoas que seriam retiradas da cracolândia.
Ao ver a ação da PM, ele considerou que foi como se ela tivesse "resolvido o problema". À Prefeitura, coube então o papel de inoperante. Ontem, novas explicações foram dadas a Kassab para tentar apaziguá-lo. E a ação nas ruas continua em meio a cotoveladas entre os chefes.
Questionado pelo Estado, o governo do Estado negou precipitação. Segundo assessores do governador, Alckmin havia dado chancela para que PM e Coordenadoria de Políticas sobre Drogas escolhessem o momento adequado de pôr a tropa na rua. Mas não negou que ele desconhecia a data de início. Segundo a assessoria, não há mal-estar no governo e na relação com Kassab.
O coronel Borges afirma que tomou a decisão porque no começo de janeiro, quando parte dos paulistanos viaja, caem as taxas de crimes e diminui o trânsito, o que libera o efetivo de policiais para operações de grande vulto. Borges afirma que tomou a decisão "em acordo com as demais pastas da Prefeitura e do Estado". "Mas não sei se a Prefeitura ou o governador foram consultados", disse.
Discurso. O comandante da PM, Álvaro Camilo, que oficialmente estava de férias e só voltaria na próxima semana, confirmou que não sabia da data da ação. E disse que o chefe do centro tinha autonomia para decidir. No governo, há a tentativa de afinar o discurso de que, independentemente do que ocorreu, o que importa é que daqui para frente todos trabalharão juntos. / COLABOROU BRUNO PAES MANSO
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