sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Senhor Garotinho, eu não entendo o ódio que Hitler tinha dos homossexuais, isso o senhor deve entender melhor do que eu, não é mesmo?

Senhor Garotinho, eu não entendo o ódio que Hitler tinha dos homossexuais, isso o senhor deve entender melhor do que eu, não é mesmo?

Dilma e Hitler

Marcelo Carneiro da Cunha no Terra Magazine


Adolf Hitler (foto: Gety Images)
Estimados leitores, não é todo dia que a gente tem o privilégio de ver uma mente como a do deputado Anthony Garotinho em funcionamento, talvez devido à baixa frequência com que esse fenômeno ocorre, quem sabe.
Agora, por exemplo, nosso bravo deputado, vem dizer em alto e mau tom que nossa presidente pode ser comparada a Hitler. Dilma Rousseff? Hitler?
Segundo o deputado, assim como Dilma é popular, Hitler também o foi. O que eu imagino, a favor do deputado, é que com os eventuais neurônios atordoados por citações bíblicas nas vinte horas por dia que ele se dedica aos seus afazeres de evangélico, ele não faça ideia do que esteja dizendo. E, com a intenção de contribuir para com a formação, digamos, intelectual, do deputado, vamos tentar explicar a ele por que, se se pode comparar Hitler com alguma coisa, isso jamais seria possível ser feito com relação à nossa presidente.
Por exemplo, deputado, Dilma é uma mulher humanista, democrata, e culta. Ela seguramente é uma pessoa de convicções, mas soube trocar as que talvez tivesse aos 19 anos por teses mais de acordo com as ideias libertárias que foram se impondo ao longo do século 20. Hitler nunca mudou, nunca evoluiu, nunca deixou de acreditar no que acreditava, por mais insano e insensato que fosse - no que se parece sabe com quem, deputado?
A popularidade de Dilma e de Hitler vêm de origens absolutamente distintas e inversas. A origem da popularidade de Hitler não pode ser comparada com a de Dilma, mas pode sim ser comparada sabe com qual tipo de popularidade, estimado deputado Garotinho? Ora, com a sua, vejam só!
Hitler se tornou popular por oferecer promessas irrealizáveis a pessoas desesperadas. Ele também se tornou popular por propor a repressão a minorias indefesas. Não eram apenas os judeus, estimado deputado, mas os ciganos, por exemplo. Por quê? Quem entende a mente de um Hitler, caro deputado? Eu, por exemplo, não entendo. Assim como não entendo o ódio dele pelos homossexuais. Aliás, isso o senhor deve entender muito melhor do que eu, não é mesmo? Isso o faz popular junto aos públicos tomados pela ignorância e pelas trevas, casualmente o mesmo público que Hitler adorava. Viu que coincidência?
Hitler era um populista e prometia simplicidades. Soa familiar?
O senhor se diz cristão. Ora, veja que maravilha! Hitler também! Mas, e aqui vai a opinião singela deste colunista que definitivamente não é cristão: nem Hitler, nem o senhor me parecem minimamente parecidos com o que Cristo, o próprio, dizia que esperava dos cristãos. Ele esperava amor ao próximo, caridade, tolerância para com os diferentes, a busca incessante por justiça.
Quem lutou por justiça, foi presa e barbaramente torturada foi a Dilma, não foi? Que nunca usou isso para nada, nem a seu favor nem contra ninguém. Me parece muito digno, e talvez por isso ela seja popular, quem sabe?
Já o senhor, na relação com a justiça, pelo menos a federal, foi condenado por formação de quadrilha, não foi? Quem se aproxima mais dos ideais cristãos?
Cristo apoiaria gente que se torna popular promovendo a intolerância e a perseguição a inocentes? Pois eu, no meu não-cristianismo, acho que não.
Quem se tornou e busca a popularidade por esses métodos, caro deputado? A Dilma é que não. Ela nos impressiona talvez pelo jeito sério com que conduz a sua vida e a sua presidência. Todos temos nossos medos em relação às intenções dos políticos, mas creio que acreditamos na sinceridade dela, mesmo os que não concordam com as suas teses. Ela pode não ser de muitas palavras, mas lembra como ela beijou a bandeira do Brasil durante a sua posse? Nem eu, nem ninguém esperávamos por aquele gesto, talvez porque nós, brasileiros, e com bons motivos, suspeitamos de demonstrações exageradas de patriotismo. Mas ela estava nos dizendo a que tinha vindo e o que fazia ali, o que a movia. E enquanto não acreditamos em um só fio de cabelo seu, nobre deputado, acreditamos nela. Por isso ela é popular junto a todos, e o senhor, bom...
Já Hitler se tornou popular por ser um monstro e cativar os monstros que vivem nas sociedades. Ele foi popular por explicar que todos os problemas eram causados pelos judeus, pelos ciganos, pelos eslavos, pelos homossexuais. Tão simples! O senhor nos diz que os problemas são causados pela falta de valores cristãos na sociedade, que basta eliminar os ímpios e pfffui, estaremos bem. Claro que, diferentemente dele, o senhor não quer eliminar ninguém pra valer, basta que eles sumam da vida pública e social e pronto, a paz reinará.
O nazismo era horrível porque se acreditava resultado de uma vontade praticamente divina, à qual todos deveriam se render, caro deputado. Nisso, o nazismo encontra similares sabe onde? Nas teocracias, onde o senhor se sentiria tão à vontade, desde que fosse a sua. Olhem o Irã, a Arábia Saudita, o Paquistão. Igual a eles. Uma teocracia evangélica, deusnoslivre, seria algo muito parecido e feliz, não? Não foi no seu governo que se propôs que o estado passasse a pagar pela recuperação de gays?
Hitler era um dinossauro, carnívoro. Não foi durante o seu governo do pobre estado do Rio de Janeiro que quiseram ensinar nas escolas públicas o estúpido criacionismo, no qual o senhor deve acreditar? Que diz que dinossauros, nós, todos vivemos juntos, livres e felizes há menos de 6 mil anos, mesmo que isso seja tão maluco que ninguém sério possa levar a sério?
Nas escolas do Hitler se ensinava que os judeus não eram gente como a gente. O senhor se opõe a que as nossas escolas ensinem que todos somos igualmente gente. Qual a diferença? Explique aí.
Senhor deputado Garotinho, foi um prazer vê-lo tão bem disposto e fazendo tais declarações que mostram, mais do que tudo, que o senhor fica muito melhor quando fala somente do que entende. O que talvez demonstre, se não mais muita coisa, o quanto ficar calado lhe faz bem.

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