quarta-feira, 11 de abril de 2012

Em caso de anencefalia que dividiu o Chile, bebê agonizou 1h30 antes de morrer

Em caso de anencefalia que dividiu o Chile, bebê agonizou 1h30 antes de morrer

A chilena Claudia Pizarro tentou interromper a gravidez, mas foi pressionada por políticos e organizações

Luciana Taddeo/Opera Mundi

Certidão de nascimento e óbito do bebê de Claudia: nascimento às 09h57 e morte às 10h58 em 5 de janeiro de 2011

Claudia Pizarro é uma massagista chilena que, aos 28 anos, protagonizou um intenso debate político-social em seu país: a interrupção da gravidez quando o bebê nascerá com má formação cerebral. O Chile, onde o aborto é proibido até mesmo quando representa riscos de saúde para a gestante, apresenta uma das taxas mais altas de abortos clandestinos da América Latina: de cada três gestações, uma é interrompida.


Pizarro conta como sua história passou do plano social para o político: “Os médicos me disseram que o bebê não era viável, que ia nascer e morrer, já que o crânio não ia se formar e o cérebro ia começar a se desfazer devido ao contato com o útero”, explica ela, cuja decisão de interromper a gravidez foi potencializada pela identificação de uma lesão no colo uterino, não tratável durante a gestação.

“Os médicos diziam que eu fosse pra casa e continuasse com minha rotina, mas as pessoas não conseguem imaginar os transtornos psicológicos que carregar um bebê já dado como morto provoca em uma mulher”, desabafa. “Diziam que se a bebê não morresse, eu teria que esperar até a 43ª semana de gravidez para dar à luz, assim o procedimento não seria um aborto”.

Luciana Taddeo/Opera Mundi

Claudia diz que preferiu tentar a interrupção da gravidez por vias legais com medo de morrer em uma clínica clandestina

Na 36ª semana de gestação, Pizarro entrou com um recurso judicial para que seu parto fosse induzido antecipadamente, com auxílio do advogado chileno Alfredo Morgado, que ameaçou acudir à Corte Interamericana de Direitos Humanos para processar o Estado chileno, no caso de que o pedido fosse recusado.

Após amplo debate público, fomentando por organizações pró e contra o aborto e difundido pela imprensa local, o presidente da comissão de saúde do Senado, Guido Girardi, se comprometeu a colocar em pauta projetos de lei pendentes relativos ao aborto terapêutico.

A criadora de um dos projetos discutidos, Evelyn Matthei, então senadora e atual ministra de Trabalho e Previsão Social, defendeu que a questão de fundo de casos como o de Pizarro é que “a pessoa se sente muito violentada por levar até o fim uma gravidez que não tem nenhum destino”. A discussão, no entanto, não alterou a legislação chilena relativa ao aborto, uma das mais proibitivas do mundo.

Ante a recusa judicial à concessão da interrupção da gravidez, Claudia acabou esperando as 43 semanas de gestação para que a cesariana fosse realizada. Os transtornos psicológicos na mãe e do pai da criança foram tamanhos, que o casal acabou se separando dias depois.

“Meu namorado ficou uma hora e meia com a bebê agonizando em seus braços, e não conseguiu se recuperar. Ela começou a ficar azul e ter ataques, convulsões, e morreu nos braços dele. Ele colocava e tirava um gorrinho da cabeça dela, os médicos diziam que ela tinha morrido e ele continuava dizendo que estava viva. Não queria entregar o bebê. Foi horrível”, lembra.

Segundo Claudia, todas as organizações que lutam contra o aborto que ligavam em sua casa durante a gestação, oferecendo apoio se ela retirasse o recurso judicial para interromper a gravidez, nunca voltaram a se comunicar após o nascimento do bebê. Os políticos que defenderam a legalização do aborto terapêutico em apoio à ela, também.


Campanha pelo aborto terapêutico no Chile:

“Estávamos juntando dinheiro para comprar uma casa, e todos os nossos recursos foram destinados ao caixão e ao enterro. Recebo uma hora de atendimento psicológico no hospital a cada três meses. A saúde pública chilena não tem estrutura para atender casos como este, mas também há este vazio legal, porque a proibição do aborto não deveria ser aplicada para estes casos”, queixa-se.

Claudia conta que preferiu tentar a interrupção de sua gravidez através das vias legais pelo medo de morrer em uma clínica clandestina de aborto, mas que se sente desamparada. “Por que obrigaram que minha filha morresse agonizando, se ela só viveria uma hora e meia? Durante meses fui ao hospital para ver como ela ia morrendo, as poucos”, lamenta.

Para Claudia, a legislação proibitiva somente fomentará a realização de abortos em clínicas clandestinas e o sofrimento de mulheres de baixos recursos: “É desnecessário que nos façam passar por tanto sofrimento. Isso não é vida”.

 

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